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Palavras há que dizem muito do cotidiano e até são charmosas… O que é pinoia? Quer saber mais?

O brasileirismo, no campo da linguagem, e não no aspecto patriótico, é o modo peculiar de o brasileiro, em geral, o mais comum, se expressar, fato que devemos reverenciar – o jeito de cada um dizer o que sente é algo bonito e poético, e pode caracterizar a cultura de uma região ou de uma pessoa. Você duvida disso?

O que é ‘coitado‘? Ao pé da letra, seria o enganado pela esposa, mas não é isso de que se fala. A semântica pesada de ‘traído’ dá lugar ao lado hilariante de ‘infeliz, desgraçado’. E de indivíduo que merece dó, passa-se ao que está sendo ‘gozado’ no bom sentido, sem a intenção de ferir o íntimo do criticado. Tem-se a seguir o diminutivo afetivo do termo – coitadinho! – para que a ferida ‘interior’ não seja maior que a ‘visível’.

O vizinho quer ser astronauta. O narrador do fato espera que o ouvinte diga algo sobre esse sonho de fazer borboleta ficar com medo de elefante. E pode vir a expressão – ‘Coitado dele! Não tem onde cair duro e quer ser astronauta. Se mal sabe fazer o nome, o que entende de astronomia?’ Em segundos, um termo pejorativo se torna irônico ou afetivo.

Coitado vira coitadinho, que pode ter o seu sinônimo bem característico – coitadito! É ingênuo de fazer dó!

‘Besta’ não é o animal de carga, nem ao extremo o indivíduo atoleimado, palerma. É o tolo de quem gostamos. Você está ao lado do amigo, e passa uma moça bonita, de salto alto e uma minissaia estonteante. É um monumento à sua frente. Mas o amigo não é famoso nem rico; no entanto, ele diz, platonicamente, que desejaria ter ‘esse modelo’ como sua legítima esposa. A bronca é – ‘Sua besta! Vá plantar batatas no Himalaia, que é mais rentável. Tire os pés do chão, homem!’

Nesse momento, besta não é o quadrúpede; não é um jogo de cartas; não é um estúpido ou ignorante; não é uma pessoa quadrada; não é uma mula. Besta, carinhosamente, é aquele que disse uma tolice de fazer rir até doer a barriga. Pode haver tanta besteira capaz de criar a ideia do besteirol, tendência cultural surgida na música, literatura e teatro, caracterizada por uma forma escrachada de humor, crítica social e política, como nos ensina a História. O cantor-humorista Juca Chaves, o menestrel maldito (ainda ativo), segundo comentários veiculados em algum pasquim de outrora, denominou um ex-presidente brasileiro com uma frase: “Mede-se um burro da cabeça aos pés”. Ou algo parecido. Queria dizer ‘o homem’. Note a pronúncia de medir. Quase foi condenado.

Stanislaw Ponte Preta, irreverente escritor carioca, autor de FEBEAPA – Festival de Besteira que Assola o País, em uma crônica emblemática chamada A Velhinha Contrabandista, narra que essa senhora idosa todo dia passava pela Alfândega. “(…) O fiscal da Alfândega a mandou parar: – Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?” A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela adquirira no dentista, e respondeu: – É areia!”

A velhinha, sabida como ela só, todo dia passava era com uma nova lambreta. Essa a essência do texto. Leia-o. Perceba o sarcasmo em ‘esse saco aí atrás’.

Vamos ao encontro de ‘pinoia’ (perdeu o acento agudo). Esqueça o sentido de ‘mulher libertina, enfeitada’, que pode levar um homem ao mau caminho. O termo serve, como falar típico de uma pessoa simples, expressão que passou de uma geração a outra, para revelar o desabafo quando há um fato inesperado – a mulher descasca uma laranja para dar aquela degustada, e de repente o fruto cai na lama. Ela esbraveja – pinoia!, para não dizer uma palavra chula. E pode ficar rindo do próprio desatino – é que só havia uma laranja. Foi um aborrecimento, mas não o suficiente para a falta de educação no meio de crianças. Na casa de sua avó, observe-a na cozinha… e de modo súbito ela pode falar – ‘Pinoia!’ Você vai entender o que aconteceu.

‘Cachorra’ – pode ser bom ou mau termo. Numa briga, chamar alguém desse pejorativo não é de bom alvitre. Mas uma amiga surpreende a outra, com elegância e maestria, dando-lhe um safanão, tirando-lhe da boca faminta o único pão de queijo do dia. A amiga ‘vencida’, eticamente, diz para a outra – ‘Sua cachorra, coma tudo e lamba os beiços’. As duas sorriem.

Puta é termo chulo? Vai depender do momento em que se fala – de quem, com quem e de que modo. Numa briga em que se disputa um ‘mandante do harém’, o termo pode chocar, mas numa rara oportunidade em que duas amigas se encontram que não se viam há tempo é diferente e pitoresco – a anfitriã, sorridente, fala numa entonação agradável: “Oh! puta velha, por onde você andava esse tempo todo?”

A propósito, já que o termo é chamativo, um barzinho em que sempre acontece ‘aquela desavença’ de amigos que jogam um truco ou sinuca ‘apostando palitos de fósforo’, o analista pode qualificá-lo assim – “Isso é um puteiro”, mas não se trata de um rendez-vous (um randevu, a forma aportuguesada).

Próximo artigo – que tal um comentário sobre o verbo vir? Como o bichinho sofre – ‘Ele vai vim amanhã?’

 

João Carlos de Oliveira

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