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Regência verbal: ‘Adentrei na casa. Adentrei a casa’. Adentrar é o mesmo que entrar? (capítulo 3)

A regência verbal tem detalhe curioso: um verbo não tem necessariamente a mesma regência de seu sinônimo. Gostar de pode ser sinônimo de amar, mas aquele é transitivo indireto – Eu gosto de você, e este, transitivo direto – Eu amo você.

Adentrar, sinônimo de entrar, é transitivo direto – Adentramos o recinto, e entrar, intransitivo, que exige a preposição ‘em’ – Entramos no recinto.

Um repórter resolveu substituir ‘entrar’ por ‘adentrar’, alteração louvável, e até necessária para facilitar a redação. No entanto, ao usar o verbo ‘adentrar’, redigiu – “O meliante adentrou na casa pelo basculante”.

Seria fácil o leitor perceber o detalhe? Esse erro de regência é chamado solecismo: o uso, indevido, da preposição ‘em’: adentrar na casa (em+a). Bastaria: O meliante adentrou a casa.

Pode acontecer com outros verbos. ‘A falta costumeira do funcionário ao trabalho pode resultar em sua demissão’. Perceba com segurança: resultar em, isto é, implicar, e este não exige preposição. No entanto, vem sendo usada com abundância a preposição ‘em’: A falta constante do funcionário ao trabalho, sem justificativa, implica na sua demissão com justa causa. Apenas: A falta constante do funcionário ao trabalho, sem justificativa, implica a sua demissão com justa causa.

O verbo visar também oferece essa dúvida. Polissêmico, visar tem vários significados. O mais comum é: dirigir o olhar (Aquele homem me visa o tempo inteiro); apontar a arma de fogo para um alvo, mirar (O atirador visou o animal no alto da árvore e o atingiu com um tiro certeiro). Entretanto, visar, com o significado de ‘pretender, ter o propósito de’, passa a ser transitivo indireto, exigindo a preposição ‘a’, como preceitua a Gramática. A regra é: mudando o significado, comumente, o verbo muda de regência.

“O pagamento da anuidade (…) em várias parcelas visa facilitar o desembolso”. Ops! Paremos um momento para a reflexão: vale a pena cumprir a norma gramatical? Visar a – O pagamento em várias parcelas visa a facilitar o desembolso. O leitor não-afeito a cumprir regras da Gramática dirá que fica a mesma coisa, mas para outro a ausência da preposição exigida pode prejudicar a semântica da frase. Visa o futuro ou Visa ao futuro? Visa o alvo ou Visa ao alvo? Visa ser médico ou Visa a ser médico?

Escapar é intransitivo: O leão escapou da jaula; o gás escapa. Como transitivo indireto: Escapamos a um naufrágio. O refugiado escapou da tirania. A violência escapa à minha percepção.

Repórteres há, e muitos, que falando sobre calamidades, dizem comumente “O camponês escapou com vida”. Quando é que se escapa ‘com morte’? Escapar é livrar-se, libertar, não morrer, sobreviver. Teria sentido ‘O camponês sobreviveu com vida?’.

O bom gramático avisa que ‘simpatizar’ exige a preposição ‘com’, mas não pode ser pronominal: Eu simpatizo com ele, e não ‘Eu me simpatizo com ele’.

Obedecer e desobedecer exigem a preposição ‘a’ – Obedeça a seu pai, menino. Não desobedeça ao que determina a lei, porque isso lhe pode custar caro.

Não me conforta o uso de chegar com a preposição em – Chegou nesta cidade um caminhão de prêmios (em+esta: nesta). Quem chega, chega a um lugar: Chega ao clube na bicicleta. Chegar e ir têm uso semelhante: ir ao clube (o lugar ao qual você vai). Ninguém vai ‘no’ clube, assim como não deve ir ‘no banheiro’. Não confunda ‘ir no ônibus’ com ‘ir à casa do vizinho tomar um café’).

Um pouco da regência verbal. Gramáticas trazem muitas páginas sobre o assunto, que não é pacífico. É preciso muito cuidado.

Grafias que andam sofrendo por aí (estas são as corretas): embriaguez, paralisação, antifurto, antimofo, anticárie, ultrassom, contrarregra, superamigo, superbem-feito, minicurso, minicaminhão, miniator.

Teixeira de Freitas, BA, 31 de janeiro de 2017.

João Carlos de Oliveira

4 Comments

  1. O verbo que exige complemento precedido de preposição é o transitivo indireto e não o verbo intransitivo. Portanto, o senhor se equivocou no começo da explicação:
    “Adentrar, sinônimo de entrar, é transitivo direto – Adentramos o recinto, e entrar, intransitivo, que exige a preposição ‘em’ – Entramos no recinto.”

  2. Eu gostei das explicações. Todavia, pude verificar que há um equívoco, no tocante à classificação do verbo AMAR. AMAR é verbo intransitivo e, como tal, não exige preposição.
    Percebi também que o verbo ENTRAR foi erroneamente classificado como intransitivo, quando na realidade ele é transitivo indireto.
    Espero que a correção seja feita, haja vista que muitas pessoas recorrem a essa ferramenta, tão útil e acessível, a fim de dirimirem suas dúvidas.

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