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O objeto direto cognato: ‘Lutei uma luta ferrenha’ para divulgar esta resenha

Dormi um sono tranquilo. Pesquei um peixe gigante. Comi uma comida farta. Sonho um lindo sonho de poeta: tê-la sempre em meus braços.

Frases que contêm objetos diretos cognatos: complementos de verbos intransitivos que se tornam transitivos diretos ou complementos de verbos com a mesma carga semântica.

Excluída a qualificação do objeto direto cognato, passamos a ter redundância: o pleonasmo vicioso, em virtude de a semântica da ação estar repetida no objeto direto.

Se se vai pescar, é para pegar peixe. ‘Pescar peixe’ não convém. Se se vai dormir, é para cair nos braços de Morfeu. Se se vai comer, é porque vai ingerir comida. Sonhar sonho, não. Sonhar sonho lindo, sim. Pescar peixe enorme. Dormir sono leve. Eis o objeto direto cognato (também chamado objeto direto interno, em virtude do próprio significado do verbo).

Cognato é o termo derivado de mesma raiz, formando a família etimológica, mesmo que haja vocábulos populares, cultos e eruditos. Leite, do Latim lac, lactis, forma honrada família de palavras da mesma raiz: lactante, lactente, lactação, lácteo, lactoso, lactar, lactose, láctico, lactífero, lactobacilo, desleitar, desleitado, leitar, leitoso, lacticínio, leitaria, leiteria, leiteiro. Calma! ‘Leitor’, da família de ler, leitura, leitor, ledor, nada tem a ver com leite.

Se foi possível entender o que é cognato, mais exemplo de objeto direto cognato, que se faz necessário em alguma situação poética: Sonhei um delicioso sonho naquela noite! Viva uma vida silenciosa consigo mesmo. O fraco chora o choro da desilusão. Peleje a última batalha (mesma carga semântica).

Há quem use termos redundantes parecidos com objetos diretos cognatos, mas não os são; são meros pleonasmos viciosos. Enfrentou de frente o inimigo. Encarou de frente o comparsa. Para evitar o pleonasmo, basta que haja, apenas, um desses termos: Ficou de frente com o inimigo. Encarou o inimigo. Enfrentou o inimigo, e o venceu.

Nenhum reforço enfático ou estilístico justifica a repetição viciosa ‘enfrentar de frente’, mesmo que haja um termo diferente (cara), que tem a mesma carga semântica: encarar de frente. Se ‘encaramos’, é porque estamos de frente. Imagine a bobagem: encarar pelas costas!

Não é comum que toda gramática, normativa ou destinada a uma série, registre o objeto direto cognato. Por isso, este comentário. Não o estudei em séries ginasiais. Nem no Curso de Letras. Um professor de Literatura Brasileira, muito dinâmico, é que fazia referências a textos poéticos com essas características. Gonçalves Dias deixou versos muito próximos desses exemplos. “Derramei os meus lamentos/ Nas surdas asas dos ventos/ Do mar na crespa cerviz!/ Tomou-me tédio da vida/ Passos da morte.”

“Não chores, meu filho,/ Não chores, que a vida/ É luta renhida:/ A vida é combate,/ Que os fracos abate,/ Que os fortes, os bravos/ Só pode exaltar” (Canção do Tamoio). Versejou, como se vê, sobre as tradições brasileiras, a valentia e a honra dos índios.

Se ‘Derramei os lamentos’ equivaleria a ‘lamentei’, podemos dizer ‘lamentei os meus infelizes lamentos‘ (objeto direto cognato).

O cognato é também chamado cognado. Deixei-lhe o recado.

Pausa: reportagem dá conta de narrar que a vida dos animais está difícil, correndo risco de extinção, como o guepardo e a girafa. O texto é extenso, embora bem redigido. Apesar de tudo, o redator cochilou, cometendo este lapso: “Última extinção em massa foi a 66 milhões de anos” (sic; grifo nosso). Para indicar tempo decorrido, é necessário o verbo haver e não a preposição ‘a’: dias espero você. Moro aqui dez anos. muito tempo que o brasileiro sofre com os desmazelos da política.

Se assim é, a redação da frase sobre a possível extinção de animais deve ser esta: ‘Última extinção em massa foi 66 milhões de anos’. Mudemos a ordem dos termos: 66 milhões de anos se deu (houve, ocorreu), a última extinção em massa. Se o redator quisesse se referir a tempo futuro, é que deveria usar ‘a‘: daqui a tantos milhões de anos vai ocorrer outra extinção em massa.

Registre estas duas em seu caderno: Há uma semana estamos de férias. (O tempo está passando e já ocorreu uma semana que as férias começaram.) Se sua intenção é dizer que as férias vão começar, escreva: Estamos a uma semana das férias (falta uma semana para que comecem).

Momento de poesia

De futuro livro a publicar (ANSIEDADE), à procura de patrocínio, venho citar alguns versos das estrofes iniciais de três poemetos: 1. Obstáculo moderno: Quer-se uma arroba de carne/ como se quer uma vida de amor. 2. Fato: A vida me leva para um lado/ e o outro me conduz à vida. 3. Intimista: Uma parte de mim nasce/ e a outra – qual? – morre/ minha vida de criança/ nessa festança/ acaba de renascer.

Alguém se habilita ao feito do patrocinador? Quem dá mais?

João Carlos de Oliveira

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