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O objeto direto pleonástico. Como é poético!

O objeto direto pleonástico, o segundo objeto a acontecer na mesma frase, é bastante poético. Trata-se de modelo pouco conhecido no dia a dia, mas de largo uso por aqueles que criam textos poéticos.

Depois do objeto direto preposicionado e do objeto direto cognato (veja artigos em que os analiso), é o que menos se usa no falar cotidiano por ser uma repetição, e muitos, com razão, têm receio de cometer o lapso enjoativo do pleonasmo vicioso.

O poeta português João de Deus, muito criativo, no poema A Vida, escreve “A vida é sonho tão leve/ Que se desfaz como a neve (…)”. “A vida leva-a o vento”, exemplo clássico de objeto direto pleonástico: a vida, objeto direto; a, objeto direto pleonástico. Conclui o poema com “A vida o vento a levou.” Frase comum: O vento levou a vida. Mas o poeta, inovador, expõe com espontaneidade lírica o que deseja comentar, ‘a vida’, que (para ele) pode estar numa gota d’água, numa folha que cai na correnteza, numa borboleta que voa, numa nuvem espessa que promete a trovoada, no canto do pássaro. A vida, para o poeta, não é tão-somente a vida humana ostentada por muitas ‘celebridades’, que, como mostram os fatos, têm fama efêmera ou meteórica, e a vida, curta. O que vale mais: a vida simples, de longos anos bem vividos, ou a vida com soberbia e mais soberbia de curta duração?

E o poeta diz: A vida o vento a levou. Coloquemos uma vírgula e uma exclamação: A vida, o vento a levou! Dá ênfase ao texto com o uso do pronome oblíquo átono ‘a‘, o segundo objeto direto na frase, por isso, muito bem denominado: OBJETO DIRETO PLEONÁSTICO.

Por que é usado? Para dar realce ao texto poético, de cunho afetivo ou épico, desde que o momento sirva de destaque para o que o aedo (poeta na Grécia antiga que, acompanhado de uma lira, homenageava heróis e deuses) quer anunciar.

O amor, não o mate de paixão! A dor, não a deixe esvair-se na solidão! A miséria, não a expanda tirando o pouco que o pobre possui! A beleza, deixe-a mostrar-se nas pequenas coisas! A paciência, faça-a fluir nos atos do dia a dia, abrindo para o obstáculo a porta que mostra o outro lado do olhar! A paz, cultivemo-la com o lenço branco na nossa porta! O sonho, não o deixe morrer: sonhe todos os dias! (O que se torna realidade deixa de ser sonho.)

O objeto direto pleonástico se dá sempre quando o pronome átono representa o objeto direto normal da frase, exigido pelo verbo transitivo direto, como nos exemplos acima. O pronome oblíquo átono (objeto direto pleonástico), em negrito, representa o termo anterior (objeto direto), em itálico.

Tenho uma gramática em mão, e ela, pirracenta!, expõe apenas um exemplo de objeto direto pleonástico: A vida, o tempo a consome. Está mirrado? Mas, depois de tudo, basta. Não?

Pausa: 1. A palavra tal, como adjetivo, flexiona em número. Na frase ‘provas na tramitação sejam tal como o esperado (…)’ deveria ser ‘(…) sejam tais (…)’. Tal pai, tais filhos. 2. Buscetta é palavra de origem italiana, com pronúncia similar a ‘busqueta’, sobrenome usado na Itália e por descendentes que residem no Brasil. O escrivão não pode cometer o erro grave de retirar-lhe ‘s’ nem insinuar que seja ‘vagina’, mesmo que desconheça a boa pronúncia do vocábulo. Lembre Tommaso Buscetta, o mafioso delator. 3. Não confunda caqui, a fruta, com cáqui, cor, ou brim dessa cor usado como uniforme de algumas classes profissionais. 4. Mosqueteiro é aquele que usa o mosquete, arma, como se sabe da história em Os Três Mosqueteiros; mosquiteiro é cortina apropriada para combater o mosquito, como a famosa muriçoca. 5. Artigo sobre o professor mineiro (já encontrado), que sumiu em passeio ecológico na Serra do Caparaó, no ES, diz que ele se perdeu por causa de uma ‘serração‘ (sic), escrito em jornal. Foi um lapso. Querem referir-se à neblina existente no local de temperatura fria a mais de 1.000 metros de altitude. Isso se chama ‘cerração‘, que vem de cerrar (fechar), daí se dizer ‘tempo cerrado’; serrado, que vem de serra(r), é cortado.

O fonema pode ser representado por c (cela), s (sela) sc (nasce), ss (passa), x (trouxe), xc (exceto).

6. Uma frase diz ‘a educação de um filho deve começar 20 anos antes dele nascer’ (cujo autor seria Napoleão Bonaparte, rei da França). Não importa como seja a grafia em Francês, o tradutor é que deveria ter grafado ‘de ele‘: antes de ele nascer (antes de o presidente falar, antes de ela ir à festa, antes de o menino sair, antes de eu ter ido trabalhar). 7. Falando sobre um meliante (que teria praticado estupro), o texto policial retrata “(…) proibição de ausentar-se da comarca de quem, como o réu, está foragido (…).” Quem é pronome (relativo) indefinido usado para pessoas; o texto quer dizer que o foragido estaria longe da comarca; nesse caso, a redação aconselhável é ‘ausentar-se da comarca de que (da qual), como réu, está foragido’.

O que você acabou de ler tem sentido, tem gostado desses textos? Se gosta, volte mais vezes e recomende-os aos amigos. Estudantes ou não devem ler comentários sobre o uso de nosso idioma para avaliar-se, ação adequada para comparar a linguagem cotidiana com a culta, embasada em regras da Gramática.

Abraços.

João Carlos de Oliveira

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