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Foi ‘decretado’ a abertura dos jogos. O que é isso, companheiro?

Há, ainda, muita dúvida quanto à flexão, obrigatória, de o particípio concordar em gênero e número com o agente da passiva. Se há agente da passiva, evidentemente, a frase foi passada da voz ativa para a voz passiva analítica. Nesse caso, todo cuidado é pouco com o particípio do verbo principal, que deve concordar com o sujeito.

Se o sujeito é representado por substantivo masculino, o particípio fica no masculino: Foi feito o trabalho. Se por feminino, o particípio fica no feminino: Foi marcada a reunião.

Se há plural, o particípio fica no plural (masculino ou feminino): Foram feitos os trabalhos. Foram marcadas as reuniões.

A priori, não se entende o porquê de o usuário com curso médio ou superior (razão por que deve ter bom nível de linguagem), usar frase na voz passiva, em que o sujeito é feminino, com o particípio no masculino. Soa estranho ‘Foi marcado a reunião para a próxima segunda-feira’. Esse mesmo usuário, falaria ou escreveria, ‘O menino é bonita’, ‘A menina é bonito’? O adjetivo biforme concorda em gênero e número com o substantivo a que se refere: O homem curioso chegou. A mulher simpática passou aqui. Os jovens educados são benquistos. As moças estudiosas foram aprovadas no concurso.

Se o usuário está habituado a esse padrão gramatical, por que razão optaria por “Foi decretado a abertura dos jogos no torneio do trabalhador”? Se o substantivo a que se refere ‘decretado’ é feminino (abertura), há razão para que fique no masculino? Não arranha o ouvido ‘decretado a abertura’? ‘Marcado nova reunião para amanhã?’

A possível desculpa seria que, em tempo composto, o particípio fica no masculino, não importando o termo seguinte: O jovem tem feito o trabalho. O jovem tem feito muitos trabalhos. A jovem tinha feito a tarefa. A jovem tinha feito muitas tarefas.

Outro aspecto é a colocação do adjetivo/particípio: quando posposto, a concordância nominal aparece ‘sem defeito’: A duplicação da estrada será feita imediatamente. Homem é morto a machadadas. Uma pessoa fica ferida em acidente de carro.

Assim, a frase-título ganharia esta redação: ‘A abertura dos jogos foi decretada’, em que não há erro de concordância nominal.

Seria cabível que um bom palestrante, em sua oratória empática, no púlpito, no auge de sua apresentação, com tantos ouvintes atentos, entusiasticamente, dissesse ‘Foi descoberto uma nova fórmula de se combater o câncer de mama’? Se juntarmos os dois termos, o adjetivo descoberto e o substantivo fórmula, veremos que a concordância nominal é necessária, não importando a ordem: descoberta fórmula, fórmula descoberta.

Supõe-se que o usuário ignore essa exigência por admitir que não seria obrigatória ou que ninguém perceberia o lapso. Qual outra hipótese?

Foi decretada a abertura dos jogos. A abertura dos jogos foi decretada (respectivamente, anteposição e posposição do particípio, que deve concordar com o sujeito).

Fica dito.

Pausa: 1. No âmbito da linguagem coloquial, ‘decretado’ aparece como sinônimo de ‘determinado, decidido’: Plínio, seu primo veio aqui decretado para lhe dizer umas verdades. Até esse momento, nada estranho com essa semântica. O estranho é que a pronúncia aparece ‘dicretado’ (sic), para quem tem bom ouvido. Nunca ouviu exemplo assim? 2. Texto publica ‘anti-chamas’. Na nova ortografia, por estar o sufixo antes de vocábulo começado por vogal diferente ou de consoante que não seja h, r, s (chama), não há necessidade do hífen. Grafia normal: antichamas. No caso de esse prefixo estar antes de vocábulo começado pela mesma vogal (i-i), o uso do hífen se torna obrigatório: anti-incêndio. 3. Outros exemplos: antiaéreo, antialérgico, antiderrapante, antiemético (contra vômito), mas anti-inflamatório, anti-inflacionário; anti-higiênico, antirrábico, antissocial.

Faça-me outras visitas. Obrigado pela paciência da leitura.

João Carlos de Oliveira

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