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Parônimos que merecem destaque: avariar, avaliar; blindar, brindar

Mesmo que a pessoa letrada os use de maneira correta, é preciso distingui-los.

Avariar, verbo, é derivado sufixal de avaria (dano causado, especialmente, a um navio ou a sua carga; deterioração, estrago, prejuízo). Avariar: causar dano, deteriorar, estragar (como nos leciona o dicionário). O casco do navio, ao se chocar com pedras, avariou.

Avaliar, também verbo, é derivado parassintético de valia: a+valia+ar (avaliar). Significados: determinar o valor, o preço de: A corretora avaliou o imóvel em mais de um milhão. Apreciar o mérito de: A coordenadora avalia o comportamento da classe. Calcular, estimar: Muitos, de tão ricos, não são capazes de avaliar o que têm. Imaginar, fazer ideia, prognosticar: “Você consegue avaliar a falta que ela lhe faz?” O viúvo diz: “Nunca mais vou ter uma mulher como ela”. E o compadre brinca: “Com moela?”

No campo da derivação, surgem os adjetivos-particípios avariado e avaliado, que precisam de bom domínio para não serem confundidos.

“Dois veículos se chocaram frontalmente, e, apesar da batida violenta, somente um ficou um pouco avaliado” (sic). O veículo ficou avariado. Veículo, plenamente, avariado sofre perda total, como analisa a seguradora.

Veículo ‘avaliado’ é o que passou por vistoria e, conforme seu estado, foi-lhe estipulado um valor de revenda. O fuscão de 1980 foi bem avaliado: valeu R$ 5.000,00.

Blindar, que, por sua vez, forma blindado e blindagem (por que não o blinde, derivado regressivo?), nasce do verbete alemão ‘blenden’ (cegar). Blindar, portanto, é palavra híbrida: blind, do étimo blenden (estrangeirismo) e ar, sufixo verbal em Português. Associados os dois elementos, por não serem do mesmo idioma, dá-se um hibridismo. Apesar dessa origem, o dicionário Michaelis, edição Melhoramentos, diz que blindar se origina do Francês ‘blinder’, cobrir ou revestir (navio etc.) de pranchões ou chapas de aço para resistir ao choque de projéteis; couraçar.

A indústria de transformação fabrica um vidro resistente chamado ‘blindex’.

Assim, vão nascendo os nossos vocábulos cotidianos. Historicamente, só o etimologista os sabe analisar; tornando-se conhecidos, caem ‘na boca do povo’ e passam a ter largo uso.

O advogado, com base em sua tese, blindou o cliente no intuito de inocentá-lo do crime de que foi acusado.

Brindar, também híbrido (brind+ar), é verbo derivado do Francês brinde (saudação que acompanha o ato de beber; dádiva, presente).

Naquela época, o amigo, na intenção de homenagear o aniversariante, brindou-o com um hino de louvor dizendo que se trata do maior comerciante que o distrito de Itapeipu, no município de Jacobina, BA, já teve: Seu Genésio, dono de uma padaria e uma venda, no mesmo prédio, comércio que atendia a todos os habitantes do lugar nos idos anos de 1960.

Vocábulos que possuem grupos consonantais bl, br, pl e pr podem oferecer dúvida quanto a seu uso escorreito, isto é, pronúncia, grafia e semântica de acordo com as exigências da Gramática Normativa.

O regionalismo registra que o homem ‘pranta’ mandioca, por não poder distinguir a boa pronúncia entre ‘planta’ (a mandioca; tem-se o seu plantio) e palavra similar (‘pranto’), por razões adversas ao seu conhecimento linguístico.

Temos mais é que respeitar esses aspectos fonológicos e aceitar que a comunicação foi feita como devia: ficou entendido o que se queria dizer. O milharal, em plena capacidade produtiva, foi ‘prantado’ no dia certo, como se plantam feijão e milho no dia de São José, 19 de março.

Mesmo o cidadão alfabetizado possa confundir ‘blindar’ com ‘brindar’: aquele é defender, proteger, resguardar; este, homenagear, beber à saúde de, em honra de.

Blindar encaixa-se muito bem na modernidade; anteriormente, não teria tido uso tão variado: isolar por intermédio de blindagem, de encouraçamento pessoal, como se tenta fazer por proteção a amigos e comparsas. As ações corporativistas tendem a blindar profissionais ao serem julgados. ‘Uma mão lava a outra’. Oferecer um brinde é simples; blindar pode ser um subterfúgio arriscado em que as ‘provas’ são metafóricas ou fictícias.

Ambos se destacam, embora se pareçam tanto na grafia como na pronúncia, restando o significado para diferenciá-los, razão por que são parônimos.

Por essas semelhanças, avaliar – dar um valor – se assemelha a avariar – sofrer avaria, dano. Por isso, carro avaliado não é carro avariado ou vice-versa. Uma enxada cara não é uma cara inchada.

O fonema é que diferencia um vocábulo do outro. Ela, bela, cela, dela, mela, nela, pela, rela, sela, tela. Era, dera, fera, gera, hera, mera, vera.

Vivemos as nuvens de um Português múltiplo, tão variado quanto nossa gente: o antissocial não distingue A de B e fica abismado com a antessala espaçosa da luxuosa residência.

Isso basta.

Pausa: “Nunca andes pelo caminho traçado. pois ele conduz somente aonde outros já foram”. Alexander Graham Bell (1862-1939), norte-americano, inventor do telefone.

Professor João Carlos de Oliveira, escritor.

 

João Carlos de Oliveira

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