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Abóbora, diminutivo ‘abobrinha’. Por quê? ‘Abobra’ é usual?

Essa pergunta é da advogada Maria Aparecida Alves Novais, da Subseção de Teixeira de Freitas, na cosmopolita Bahia, terra de gente fagueira, feliz, fina, forte, fulgurante!

O efe dos cinco adjetivos, letra fricativa, como em ‘feitio’, é universal. Essa singularidade nos lembra a pronúncia de ‘titio’ (‘tetio’, ligeiramente, soteropolitana) e nos dá a virtude de sermos múltiplos, emblema do brasileiro, e muito do baiano. Melhor reconhecê-lo que contestá-lo.

Impetrando eu uma Inicial, a chamada Peça Vestibular, na sala dos advogados, é que nos conhecemos, e alguém (um querido abelhudo!) lhe disse que eu escrevia ‘alguma coisa’ num blogue (assim, aportuguesado).

Quanto à informação do amigo, não me cabe omitir nem me traz o estilo de ostentar. Sim, escrevo, escrevinho, traço algumas linhas neste ‘sítio’, que hoje é meu ponto de debate, de encontro, de tecer comentários sobre as joias e as nuanças da Flor do Lácio (Olavo Bilac), mesmo que certos dizeres não agradem a todos.

Sim, cara ‘doutora’ Aparecida, sua preocupação com nosso idioma é supimpa, sua visão magistral de que devemos ter cuidado com nosso idioma é merecedora de aplausos. Se cometemos lapsos mesmo estudando-a e ficando de olhos abertos, imaginemos que tsunâmis não cometeríamos se a olvidássemos, tão sofrida como anda nas mãos e nos sons toantes de muitos.

Estudamos pouco nosso idioma e o comentamos muito sem o cuidado de procurar conhecê-lo mais.

Existem na nossa fala e escrita os metaplasmos, ocorrências ao ‘engolirmos’ ou aumentarmos fonemas ou ao ‘subtrairmos’ ou criarmos letras novas, além de transposições. Podemos confundir muçulmano com ‘mulçumano’ (este não existe). Há quem prefira ‘arrecardar’.

Somos inocentes ou displicentes? Às vezes, não admitimos a ‘lassidão’ de quem quer saber sem nada fazer. A lei do menor esforço é trajeto acomodado, e aquele que pouco cuida joga no vizinho a culpa do erro cometido. Os que sabem um pouco mais também cometem lapsos, mas podem ter a grandeza de se acharem imersos nos olhares fixos.

Todos esses ‘erros’ tornam o idioma mais versátil além do que já é. Na topada, abrimos visão para novo caminho a fim de que não tropecemos adiante, e isso nos enriquece.

Abóbora, de tanto ser falada no aconchego do lar, em plena coloquialidade, perde uma letra para ficar mais fácil: abobra! O segundo ‘o’ escondeu-se no outro lado do muro. Paremos um minuto: se existe abobra, por que ‘abroba’ é comum apenas na língua ágrafa?. Qual das duas é a mais bonita? Qual das duas é a mais feia?

Como consequência do falar, é que abóbora gera abobrinha, tão comum hoje, e abobra também é certo, até abobrão, mesmo que alguns não saibam ou não admitam.

Ocorreu entre o uso de abóbora e abobra a síncope: metaplasmo que consiste na supressão de uma letra no meio da palavra.

Já que existe abobra, domina nosso falar ‘abobrinha’, diminutivo, o fruto pequeno e delicado, quase afetivo, que se tornou sinônimo de ‘mentira’. Foi um triz. No grau normal, seria pessoa obesa ou homem molenga (o dicionário os registra). Se abobrinha é mentira e falácia, abobrão seria o mentirosozão, o fanfarrão? No linguajar nosso de todo dia, o diminutivo fica associado ao aumentativo, e vice-versa. Amorzinho, amorzão. Paizinho (confronte: paisinho!), paizão.  

Não se gosta de usar a palavra ‘aboboreira’, ou é considerada feia. Surge, então, ‘o pé de abóbora’ (pé disso, pé daquilo, e são tantos os pés, que nos pisam). Da família de jerimu ou jerimum; até jirimum. Todas aceitas, surgem as variantes gráficas.

Então, digníssima advogada, ‘síncope’ consiste na supressão de uma letra ou sílaba no meio de uma palavra. A Gramática Histórica diz que essa supressão acontece também no início (no lugar de enamorar, usa-se namorar; é a aférese), e no fim (no lugar de maior, mor; é a apócope).

Metaplasmo se dá todo dia e toda hora: pérola, por causa do metaplasmo sincópico, deu Perla, antropônimo feminino tão bonito. O poeta, para lhe facilitar a métrica, no lugar de inimigo, usou ou usa imigo. A aférese, muito mais a poética, usa com maestria ‘inda’ no lugar de ainda. E gostamos de ‘mui’ (muito) para não gastar a última sílaba. Mui pode ser verdadeiro (que é mesmo), ou de pura ironia – não é amigo nada! Fica somente na aparência. Mui amigo, o vizinho deixou-me na sarjeta.

São alguns exemplos de metaplasmos que suprimem letras. Grande-mestre tornou-se grão-mestre. Maior se tornou mor. Lugar-mor, tutor-mor, chefe-mor. Enamorado, tão poético, tornou-se apenas namorado, mais sóbrio.

Podemos falar, de outra feita, dos metaplasmos que aumentam as letras. Registo vira registro. Estela, estrela. Florinha, florzinha. Há paulada e chaleira, cujo ‘l’ nos veio gratuitamente. Não importa a ordem dos vocábulos.

Para terminar, o que dizer sobre ‘Dois sentidos não ‘assa’ milho’. Legítima, didática e linguisticamente correta sua intervenção: ‘Dois sentidos não se assimilam’. O ouvido malposicionado e a não-escrita tornam a premissa um dito, tão abençoado nos momentos de chacota. Seria um segundo idioma: o culto deu lugar ao popular, que nos alimenta como a água que bebemos.

Pausa: 1. Alguém, comentando o uso de alimentos, disse que ‘feijão e adoçante’ podem produzir ‘gazes’. Ledo engano. Gaze é atadura. Gás, o explosivo ou o que queima, dá o plural gases, em plena existência intestinal, provocando a ventosidade. 2. Super fácil? Não. Tudo justaposto: superfácil, como supermercado, superpromoção, superpoupança.

Obrigado pela deferência.

 

 

João Carlos de Oliveira

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