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Linguagem de cortesia: “Eu poderia falar com o gerente?”

Este é o campo sensível em que os usuários podem ter problemas de relacionamento por falta da linguagem apropriada, que exige cuidados e bom trato.

‘Linguagem apropriada’ implica a educada cujos sinônimos seriam linguagem cortês ou linguagem de cortesia. Estendendo um pouco, ‘a linguagem de boa vizinhança’.

O uso do pretérito imperfeito do indicativo no lugar de qualquer outro tempo é suave, o que convida os usuários a um momento de amabilidade. Dificilmente, com esse falar educado, os resultados seriam negativos.

Falta-nos muito isso. Professores há que dizem faltar o uso de palavrinhas mágicas: obrigado, licença, por favor (por obséquio) etc., entre outras, não necessariamente nessa ordem.

Mas não se trata apenas disso: outros falares também denotam a cortesia. O tempo verbal adequado a cada momento; o pedido, o convite, até a reclamação, para que não simbolizem ordem ou exigência.

“Por favor, não faça isso!”, assim seria mais conveniente, melhor que dizer “Você borrou tudo.”

Muitos são os ensinamentos dos pais, de professores e de outros para que filhos, amigos, afilhados, alunos e aprendizes não caiam em tropeço por falta de uma linguagem gentil.

O cidadão está numa cidade desconhecida à procura de uma pessoa, qualquer que seja o vínculo de negócio, amizade ou parentesco. Isso não importa. O que importa é o visitante não conhecer o alguém a quem faz a consulta, nem este conhecer o consulente… Necessário é que se proceda da maneira amena  para que se encontre a pessoa desejada. Alguns requisitos são essenciais para conquistar o novo amigo: ele não tem tempo nem obrigação de responder a uma pergunta malfeita ou malcriada.

“Ó cara, onde é que mora seu Tibúrcio?”, bruscamente, o visitante pergunta ao primeiro que encontra.

O cara olha espantado e não tem interesse de dar nenhuma resposta: não conhece o consulente, talvez não conheça o procurado, e a pergunta é brusca.

“Bom-dia! Tudo bem? (olhar fixo e sorriso.) Companheiro, preciso de um favor seu. Venho de fora, estou aqui nesta bonita cidade à procura de um senhor moreno, de pequena estatura; é açougueiro e trabalha no mercado local (mas hoje está fechado). Chama-se Tibúrcio, um homem bem alegre.”

Não precisa de outros detalhes…

Assim, a coisa muda de figura. Cria-se um laço de amizade com o consultado em poucos segundos. Ele coloca o hipotálamo para funcionar. “Tibúrcio. Tibúrcio. Esse nome não me é desconhecido. Parece que meu pai sabe quem é.”

Por coincidência, a casa onde mora a família fica perto, e lá se vão os dois. Daí a pouco, vem a informação precisa: “Ah! Seu Tibúrcio mora no outro lado da rua. Não é mais açougueiro, mas nós o conhecemos.”

O visitante é levado até essa residência, e tudo fica resolvido, com muitos agradecimentos e muita alegria.

Do contrário, jamais seu Tibúrcio seria encontrado.

O outro anda numa rua e toca uma campainha; sai a senhora que fazia o almoço… espantada, logo ouve a pergunta grosseira: “Onde mora Joelita?” (Não é necessário que os detalhes sejam dados; a senhora ‘perde a memória’ e nada informa.)

Para o ato se consumar, no mínimo, antes, um bom cumprimento, um sorriso e a pergunta leve: “O senhor (a senhora) sabe-me informar, por favor, onde mora nesta rua ou aqui perto um homem chamado Crisântemo?”

Nada de o consulente usar ‘tio, tia, vó’, ou qualquer termo indelicado, cujo perfil é pejorativo.

Ao chegar a um escritório (não sabia o endereço certo), o pretendente a se separar diz “Bom-dia. Eu gostaria de falar com o senhor Napoleão, advogado. É nesta sala?” Sendo ou não no local, assim, a interlocução vai fluir. Ao contrário, a porta lhe é fechada sem mais nem menos.

Segundo um dicionário, cortesia é: gentileza, delicadeza, afabilidade, cordialidade, amabilidade, civilidade, polidez, educação, atenção, deferência, lhaneza. Há outros sinônimos, e todos indicam o comportamento polido. Frase desse ‘mestre’: “A cortesia do anfitrião encantou os convidados.” E quando não há essa receptividade?

Numa esquina, o entregador de gás pergunta a quem passa: “Oi! Onde fica a rua Quixeramobim?”, cuja resposta é “Não sei.”

E o entregador ainda replica com violência linguística: “Não sabe ou não quer informar?”

Quixeramobim é cidade cearense, e poderia servir de nome para logradouro público. O rapaz poderia ter seu mapa ou deveria saber perguntar, sem ironizar, e ainda agradecer a quem ocupou. Grande maioria pergunta e só agradece quando a informação é dada. Se o consultado não sabe o que se pergunta, o ‘debochado’ vira as costas. Não sabe ele que o agradecimento deve ser expresso se a pessoa sabe ou não sabe, porque foi ‘ocupada’. O modo grosseiro da pergunta não motiva a uma resposta. Não havendo gentileza, pode haver grosseria.

A linguagem, em especial, a verbal (que trata da oralidade), precisa de ‘espaços’ que a preencham com ‘o recheio’ que deixa o alimento saboroso.

“Uma linguagem diferente é uma visão da vida diferente” (Federico Fellini).

Houaiss, o grande filólogo, diz “A linguagem afetiva apresenta-se sob uma forma capaz de reforçar a expressão dos sentimentos de simpatia, paixão, euforia, entusiasmo ou repulsa despertados pelas ideias enunciadas” (in Gramática Houaiss, sétima parte, p. 482). O cidadão que chora ao dizer que a ‘amada’ desconhece que ele está falando a verdade (ela não aceita reativar as relações amorosas interrompidas). O declarante que diz acreditar no sucesso do aprendiz apesar de ele não ser um possível bom vendedor (vender a Bíblia quando tem problema de tartamudez ou gagueira).

A relação entre os tempos verbais é notória na linguagem descontraída: “Ele pediu que a gente volte amanhã. Ele pediu que a gente voltasse amanhã.” (Gramática Houaiss, p. 366.) Ambas amenizam a impossibilidade do não-atendimento, evitando o desgaste emocional antecipado.

Da linguagem de cortesia ou afetiva, chega-se à linguagem corporal: o surdo-mudo, ou deficiente de linguagem e audição, inclina a cabeça e sorri para demonstrar amizade e anuência com um fato; o declarante espalma a mão ante a boca e olha ressabiado para mentir; a dançarina olha fugaz e se esmera no passo de gazela para expressar grandeza e realização perante a plateia; o homem parece amigável, mas conversa com as mãos nas ancas para traduzir deboche e indiferença; o investigado não convence quando, ao falar, molha os lábios com a língua (além de tensão, cria o subterfúgio da farsa que lhe é fatal).

Por último, por ser assunto paralelo, lá se vai a linguagem ‘corporativa’ da delação, premiada ou não. Delator e delatado não se beijam; um desmente o outro, e a outra parte fica sem poder acreditar qual deles é o verdadeiro. A delação é teoria; a verdade, nem sempre, é prática.

Obrigado. Visite-me amanhã.

João Carlos de Oliveira

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