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O Aleijadinho, artista barroco mineiro. ‘O aleijadinho’, apelido, seria termo pejorativo?

Vivemos momentos preconceituosos pelo olhar de palavras com a pretensa semântica de ofender. Daqui a ‘alguns segundos’, baixinho, grandão, narigudo, pezão etc. serão termos pejorativos?

O uso pejorativo de palavras é perda para a cultura e a civilidade, mostrando nossa evolução rasa, que pouco tem melhorado, ou se melhora num aspecto, piora em outro. Aliás, seria de admirar a fala do homem simples: Se nós pioramos, portanto, nós não ‘mioramos’.

Não existe mais no bairro popular, morador de casa simples, o senhor Zé Pretinho, simpático cidadão que atendia a todos em sua venda com a maior prestimosidade. “Seu Zé Pretinho está aí?”

‘Pretinho’, diminutivo carinhoso, derivado de ‘preto’, tem tomado caminhos semânticos diferentes. E temos receio de usá-lo para não cairmos na discriminação. Qualquer coisa vira homofobia.

Por isso, nossa forma de viver vem perdendo qualidade, como sentar-se à porta da casa para uma prosa porreta.

O ser humano com estilo discriminatório está banindo a liberdade, limitando valores morais e éticos.

Em Cachoeira Grande, distrito de Jacobina, onde morei, trabalhando na roça e ajudando meu pai na loja de tecidos São Roque, havia um garoto, bem mais novo, muito amigo de meu irmão Agnaldo; eram unidos, andavam juntos. José, paraplégico dos membros inferiores, tinha agilidade de um menino normal. Sempre sorridente, ia à escola e brincava com todos. Sua deficiência lhe ‘deu’ o nome de Zé Aleijado (ou Zé Aleijadinho), sem nenhuma maldade.

No passado, tais palavras não eram e não foram usadas com caráter ofensivo, como pode acontecer hoje.

Se assim for, vamos condenar a História? ‘Condenar’ a perpétua História Barroca Mineira que usou O Aleijadinho para caracterizar o grande artista barroco mineiro Antônio Francisco Lisboa? Deixou marcada sua passagem nobilíssima entre nós com Os 12 profetas, esculpidos em pedra-sabão, na cidade de Congonhas do Campo. Seu conjunto de obras é significativo, exemplo maior do Barroco Brasileiro (com letra maiúscula). Atuou por mais de 50 anos, um mestre em atividade, do qual o País deve-se orgulhar muito. Alega a própria História que sofria de lepra, eufemismo para hanseníase, doença descoberta pelo médico norueguês Gerhard Armauer Hansen, daí seu nome. Leproso, não, hanseniano, ou que sofre do mal-de-hansen.

‘Negrinho do Pastoreio’, do folclore gaúcho, apenas, designa o saci-pererê. Como ofensa, seria julgado no STF? O matinta-pereira seria condenado?

A visão de outrora não tinha maldade, e se condenamos qualquer vocábulo, levaríamos Monteiro Lobato ao cadafalso por ter usado certos termos em Histórias de Tia Nastácia (seria Anastácia, renascida pelo batismo) ou em Memórias da Emília?

Monteiro seria condenado por que criou o Jeca-Tatu? Seus tipos humanos interessantes não teriam vez, hoje, pelo fato de vermos pejoração e ofensa em tudo?

Não se usa mais ‘gordo’, mas há quem capitule ideias de ‘gordofobia’, como diz a mídia. Ainda segundo a imprensa, há dançarinos com um pouco mais de quilinhos, mas alguém deixa escapar visões ‘gordofóbicas’ por aí. Nem se diz mais ‘obeso’, mas ‘aquele que está com excesso de tecido adiposo’. Até a linguagem perde com essa terminologia obtusa, canhestra, que a nada leva.

Perdemos qualidade quando nossos nomes próprios perdem sua identidade, sua origem, seu significado, sua história. O Vocabulário Onomástico, que trata dos Antropônimos (nomes próprios de pessoas), vem perdendo sua ‘antropologia vocabular’ pelo modismo de invenção de nomes que pouco dizem. ‘Henry’, do Inglês, que para nós é Henrique, tem sofrido muitas alterações por esse imenso País. ‘H’, para eles, nesse nome, tem som de ‘R’, que se torna uma nova letra para nós, e de uma consonante para outra, e de um fonema para outro, o nome ganha grafias inexplicáveis. Seria de se pensar que ‘main’, central, principal, mais importante (em Inglês), pode tornar-se nome feminino com o acréscimo de mais um fonema, Maíne, usado para uma menina que poderia ser Arabela, Beatriz, Cândida, Denise, Etelvina, Fabíola, Geralda, Haidê, Inácia, Joana, Karla, Laura, Marília, Noemi, Odete, Palmira, Quitéria, Rafaela, Sabrina, Tarcísia, Úrsula, Valentina, Walesca, Xênia, Yakira, Zilena. Dizem que em outras nações os nomes representam a História do próprio povo. Com tantas mudanças, o Brasil perde sua identidade, que já anda meio capenga. Uma família sem nome é uma cidade que não tem sua história e seus próprios costumes. Ela não sobrevive, pelo menos cultural, sociológica e historicamente.

Cecília Meireles teria vocábulos condenados, hoje, que foram poeticamente usados em sua extensa e profunda produção literária? Rachel de Queiroz (Raquel de Queirós) deveria ser condenada por ter escrito Memorial de Maria Moura? Machado de Assis, escritor que viu o homem ‘ser corrompido, pelo egoísmo, sensualidade, ódio e ingratidão’, como relata um comentário, seria levado ao tribunal?

Há um limite para essa repreensão, para essa ilimitada condenação, que modernos querem transferir para qualquer termo. Com relação ao tema do ENEM, da última edição, enobrecendo o uso de Libras (pelo surdo-mudo e especialistas), houve quem dissesse que somente se deve usar ‘deficiente auditivo’, mas faltaria ‘deficiente de fala’, para abranger a sinonímia. Haja vocabulário que venha a substituir tudo o que já foi dito. Nem tanto se lê para tantas mudanças.

‘Aleijadinho’, aquele que tem deformidade física, como nos preceitua o dicionário, não foi termo discriminatório. Talvez, o antigo ‘mongol’ (pela aparência dos olhos do habitante da Mongólia), para indicar pessoa com síndrome-de-down, esteja na faixa de vocábulo pejorativo, mas a maldade parte do usuário e do modo como é usado. Até o olhar conta.

Outras observações, talvez, mais importantes, ficam por conta do leitor. Aguardo nova e majestosa visita. Efusivos cumprimentos.

Pausa: Numa entrevista cujo tema seria importante, a entrevistada recebe uma ‘dúzia’ de perguntas. A cada resposta, ela diria “e aí (…)”, juntando ainda “né…, mas assim”, em vários momentos. Não se trata de pessoa iletrada, mas de alguém com vício de linguagem ‘moderno’. ‘Aí’, bem colocado, embeleza o texto, mas não deve ser usado com tanta repetição. O cuidado seria simples: reeditar a fala, reouvir os dizeres, corrigir os lapsos. Todo falante moderno, em busca de boa linguagem, precisa de cuidados desse nível. Não se precisa enfeitar a qualquer preço; deve-se seguir o modelo peculiar de cada um sem imitar o palestrante famoso. A partir do momento em que nego minha origem, meu vocabulário, meu viver na caatinga, minha vida inicial de vaqueiro, estarei perdendo toda a minha identidade. No andar dos bois sem o carreiro que os saiba guiar, alguém não é nem o moderno nem o anterior. A História não emite certificado de curso para quem plagia a obra do outro.

João Carlos de Oliveira

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