Alguém ‘corre risco de vida’? O que é ‘vítima fatal’?

Alguns, infelizmente, usam termos de forma inversa como se fosse o uso correto. Como seria possível uma pessoa ‘correr risco de vida‘?

Correr, do Latim currere, verbo intransitivo, é andar ou caminhar com velocidade: Saiu a correr.

Verbo múltiplo, tem muitos outros significados.

Dirigir-se apressadamente a um lugar: Corra ao pronto-socorro, que seu pai está ferido gravemente!

Acudir (alguém) imediatamente: Correu solícito ao amigo como se fosse seu irmão.

Percorrer: Corre vales e montes a observar os pássaros e outros animais, amigo que é da Natureza.

Descer, escoar-se, escorrer: Corre-lhe pelo rosto pálido um sangue vermelho arroxeado, indicando que há grave sangramento.

Essas acepções, entre outras, indicam que correr é um verbo polissêmico, versátil em sua utilidade no texto falado ou escrito, tanto na linguagem popular como na culta. Em virtude dessa diversidade, pode surgir o momento em que uma de suas conotações fique enviesada: corremos risco, mas como correr risco de vida se estamos vivos? Se a vida está em risco, ou – se a vida corre o risco de ser interrompida -, a pessoa corre risco de morte. Eis a lógica. O risco é de morrer.

Digno repórter, com boa fala e clara dicção, nos dá a notícia de um fato; isso nos agrada. Em outro momento, ele completa sisudo: “Fulano corre risco de vida”. Sua mensagem, agora, nos deixa perplexos.

Por essa razão, a frase é duvidosa e não fica clara como ‘risco de interrupção da vida’. Não temos outra visão a não ser alegar, como nos ensina a Gramática, que a digníssima frase sofreu um revés em seu aspecto semântico: O cidadão saiu do Brasil pelo fato de ele correr risco de morte, o que deveria ter sido dito, que não é de difícil compreensão. A frase do repórter enunciou dúvida: ‘Fulano corre risco de vida’ ou ‘risco de morte’?

Pelo fato de o verbo correr ser dono de tão vasta polissemia, podem-se mostrar os enunciados: A corda não corre neste lugar áspero. O homem correu os olhos pelo descampado. Todos correram sobre o ladrão para prendê-lo. A polícia correu os que queriam perturbar a ordem. O jantar correu na maior ordem, indiferente a qualquer insipidez. O dólar é moeda que corre em todo o mundo. A mentira corre de boca em boca e logo depois morre na lide infrutífera. Corre ao Meritíssimo a obrigação de exarar parecer sobre o caso. Muitas vezes, a empresa moderna corre a toque de caixa.

Esta acepção é popularíssima: O homem corre o mundo para dizer que é virgem.

Esta é regional: Na igreja matriz, o sino corre sempre às seis da manhã para chamar os fiéis.

Esta é idiomática: Corre ceca e meca para dizer que é o maior poliglota do mundo, conhece mais de 30 idiomas.

Corra agora e faça uma pesquisa sobre Diógenes, o grego filósofo, que corria uma lanterna em ruas de sua cidade em busca de um homem perfeito.

O sentido claro da frase-título é ‘estar exposto ou sujeito a risco ou perigo’, por isso, Fulano corre perigo. Estando sua vida em risco, em outras palavras, ‘ele corre risco de morte’.

Nada mais.

No afã de dizer um pouco mais, citemos verbos compostos de correr: acorrer, concorrer, decorrer, discorrer, incorrer, intercorrer, percorrer, recorrer, transcorrer. Por conseguinte,  os derivados, chamados deverbais, são: curso, acurso, concurso, decurso, discurso, incurso, intercurso, percurso, recurso, transcurso.

Não se justifica, pois, que se use ‘discursão’ no sentido de disputa, contenda. A grafia é discussão, gerada de discutir, como repercutir dá repercussão. Se for possível dizer que fulano fez um grande discurso, poder-se-ia aceitar que fez um ‘discursão’. Não há outra acepção para esse termo.

Vítima fatal (em acidente), como dizem, não existe. A pessoa foi vítima de acidente com lesões ou risco de morte. Foi vítima de morte (se veio a óbito). Não se precisa de outros detalhes.

Finalizando, você corre atrás do prejuízo? Se o faz, ele sempre fica à sua frente, e você não o alcança. Você corre atrás do lucro: busca-o, assim como alguém corre atrás de outrem para alcançá-lo. O grande professor Pasquale Neto, doutor em Língua Portuguesa, nos dá essa explicação. Isso basta.

Pilheriando: O sandeu acredita no papa furado do vigarista. Não vá nessa. Você corre o risco de ser engolido pela falácia do sabichão. O coió de má sorte perde a namorada e ainda corre o risco de ser chamado de cornuto. Que pena!

Se tiver dúvida, recorra a este site, que o pode ajudar. Filosofia caipira: quem tem medo de defecar cabelo, não come couro. Quem tem preguiça de pesquisar, não encontra a Flor do Lácio no topo do Olimpo.