‘Conclue’ ou conclui? A grafia errada recebe influência de ‘recue’ e ‘preceitue’?

Manchete: “Araponga conclue obra no setor público.” Araponga é nome fictício. Pela constância da grafia ‘conclue’ (incorreta), há de se convir que verbos terminados em uir (atribuir, concluir, contribuir, distribuir) oferecem dificuldade de conjugação, confundindo-se as terminações verbais ‘ue’ e ‘ui’.

Ui‘ é a terminação própria desses verbos na 3a. pessoa do singular no presente do indicativo: atribui, conclui, contribui, distribui.

Ue‘ é a terminação própria de verbos terminados em uar (efetuar, preceituar, recuar) na 3a. pessoa do singular no presente do subjuntivo: que ele efetue, que ele preceitue, que ele recue.

Os conjuntos ui e ue, praticamente, com o mesmo valor fonético, são ditongos decrescentes: u, vogal; i,e, semivogais. Apesar de existir similaridade de pronúncia, a grafia, a terminação de cada grupo de verbos (uir, uar) e os tempos (presente do indicativo, presente do subjuntivo) é que fazem a diferença para que a gafe seja evitada. O pensamento do redator de texto culto seguiria esse caminho. Jamais, sua orientação seria apenas o que ele ‘pronuncia’: adotar ‘conclue‘ por influência das grafias ‘efetue, preceitue, recue’.

No presente do indicativo, os verbos terminados em UIR – cujo paradigma de conjugação seria concluir – na 3a. pessoa do singular, terminam em UI. Se flexionamos ‘ele conclui’, essa grafia torna-se modelo: contribui, distribui, retribui, prostitui.

Seria, ainda, possível admitir-se que o lapso de se escrever ‘retribue’ (incorreto) seria advindo de ‘retribuem’, na terceira pessoa do plural, forma correta? Concluiria o redator que de ‘amam’, no plural, se tem ‘ama’, no singular, e assim acontece com outras formas verbais, a exemplo de ‘concluem’, voltando-se a ‘conclue’?

Não se trata de conjetura viável, mas pode vir à tona na dúvida. A boa opção é que todo o tempo verbal seja analisado: eu concluo, tu concluis, ele conclui, nós concluímos, vós concluís, eles concluem. Retribuo, retribuis, retribui, retribuímos, retribuís, retribuem.

Verbos terminados no hiato uir que devem ser conjugados como concluir e retribuir: atribuir, constituir, contribuir, construir*, desconstruir, despoluir, destruir, distribuir, fluir, fruir, incluir, instituir, instruir, poluir, reconstituir, restituir.

Se a terceira pessoa do singular, no presente do indicativo, oferece dúvida, oportuno fixarmos a respectiva grafia dessa forma: atribui, constitui, contribui, construi (constrói), desconstrui (desconstrói), despolui, destrui (destrói), distribui, flui (a água flui pelo ralo), frui (ele frui de seus direitos; usufrui), inclui, institui, instrui, polui, reconstitui, restitui.

Construir, como desconstruir e destruir, na terceira pessoa do singular, por questão de eufonia, substitui a terminação ‘ui’ por ‘ói’ – constrói, destrói, desconstrói, mas a Gramática permite as variantes ‘construi, desconstrui’, destrui’, e construem, como nos relata Albertina Fortuna Barros, mestra do Colégio Pedro II, em sua obra ‘Verbos’, da Editora Fundo de Cultura, Brasil-Portugal, edição histórica. Por via de regra, como seria de se esperar (em virtude da pronúncia), a variante ‘ui’ (construi)  não é usual na linguagem coloquial.

Amplie seu conhecimento: eu construo, tu construis ou constróis, ele constrói ou construi, nós construímos, vós construís, eles constroem ou construem.

Apesar de sua ligeira aparência gráfica, ‘arguir’, que contém ditongo crescente, cujo trema foi abolido (não existe hiato), não segue o modelo atribuir: eu arguo, tu argúis, ele argúi, nós arguimos (não há acento agudo, e o trema foi abolido), vós arguis (ar-guis), eles argúem. Pretérito perfeito do indicativo: eu argui, tu arguiste, ele arguiu (ar-guiu, e não ar-gu-iu), nós arguimos, vós arguistes, eles arguiram. É preciso frisar que esse tempo se assemelha ao presente do indicativo. Se mantivéssemos o trema, usado na grafia antes da Reforma Ortográfica, grafaríamos: argüi, argüiste, argüiu, argüimos, argüistes, argüiram. Argüi constitui-se de duas sílabas, assim como argüiu; as outras, de três. Não há hiato na grafia ‘gui’, mas ditongo. Entretanto, em ‘ar-guiu‘  está claro um tritongo.

Diante desse quadro, que parece complexo, conclui-se que a forma verbal ‘preceitue’, correta, possa motivar a grafia ‘conclue’, incorreta, citada no título deste comentário.

Qual a diferença? ‘Preceitue’ vem de preceituar, verbo da primeira conjugação. Serve de modelo ‘recuar’ – eu recuo, tuas recuas, ele recua, nós recuamos, vós recuais, eles recuam. Presente do subjuntivo: que eu recue, que tu recues, que ele recue, que nós recuemos, que vós recueis, que eles recuem. Assim, preceitue, preceitues, preceitue etc., cuja desinência modo-temporal é sempre E, como se nota, por serem da 1a. conjugação. Siga: que eu conte, fale, organize.

Ainda como diferencial, os verbos da 2ª. e 3ª. conjugações terminam, nesse tempo, na desinência modo-temporal A – que eu conclua, que tu concluas, que ele conclua, que nós concluamos, que vós concluais, que eles concluam. Siga: que eu discuta, distribua, faça, venda, seja, vá.

Parece simplório, mas cabe considerar a que conjugação o verbo pertence para diminuir ou evitar a dúvida e melhorar a aprendizagem linguística.

Voltaremos a nos falar amanhã.