Disparidades entre a linguagem coloquial e a culta. O que pensar?

Este comentário não se refere à linguagem escrita. Recai sobre a linguagem falada cuja coloquialidade carece de estudo aprofundado. A estritamente gramatical é um terror para muitos.

Não se pode esperar perfeição no uso da linguagem, qualquer que seja o nível ou a qualificação.

Fiquemos com o princípio poético de Oswald de Andrade: “Vício na fala Para dizerem milho dizem mio/ Para melhor dizem mió/ Para pior pió/ Para telha dizem teia/ Para telhado dizem teiado/ E vão fazendo telhados“.

E vão construindo o Brasil, mantendo a linguagem dinâmica e múltipla. Duvidosa é a imposição gramatical de burocratas ou de gramaticistas exacerbados. A língua é patrimônio de todos, e, como consequência, por sermos diversos, diferente vai ser nosso falar. A crítica recairia sobre a escrita ruim de alguns. Deixemos que o falar caboclo seja livre, borboleta que voa e embeleza o espaço.

A linguagem culta diz “Estive lá antes de ontem”, a popular, “Tive lá ontonte*” (*onomatopeia de anteontem).

Nosso coloquial: “Vamo viajá”, “Comi mortandela”. Tanto a popular como a culta: “Eu comprava* um carro se tivesse dinheiro” (*compraria).

Difícil entender o porquê de o cidadão comum não pronunciar o R final em certas palavras: Vamos viajar. A presença de um fonema a mais ou diferente do étimo da palavra é algo corriqueiro: mortandela, previlégio, adevogado, arrecardar. (Para uns, mortadela seria ‘a morte dela’.)

Um fonema a mais ou a menos é requinte e não faz mal a ninguém: pocã, reinvidicar (poncã, reivindicar). Se a pronúncia é de todos (?), não é vergonhoso repetir: restorante (restaurante).

Estar e ter (verbos) se confundem no cotidiano: ‘estar’ se emancipa e se torna ‘ter’: ‘Estive’ é de gente estudada; ‘tive’ se torna vicário: Tive um carro. ‘Tive’ lá. E todos teriam e estariam.

Se tivesse dinheiro (se estivesse com a grana), compraria um carro.

Bonito ouvir sem nenhuma maldade: “Quando nóis lá evinha, aconteceu isso”. “Eu me alembro, cumpadi”.

“Foi nu banheiro”. Isso é bom, pois evita que o apertado ‘obre’ nas próprias pernas. ‘Casinha’ e ‘latrina’ se tornaram mictório ou toalete, embora cada um tenha sua finalidade. Tudo é banheiro: para evacuação, micção e banhação. Variedade imensurável!

Ele é ‘de menor’, pois não chegou à maioridade. Menor é nosso olhar, maior é nosso desprezo pelo que se aprende de geração a geração. O Português é novo, mas vetusto (quem nasceu na Idade Média não é mais criança).

Interessante é o dizer caboclo de que o pato-mergulhão ‘margulha’ na água funda. Se ele ‘pranta’ feijão, o pato ‘mraguia’. Impossível compulsar o dicionário para encontrar o grupo consonantal ‘mr’ de ‘mraguiar’ no rio fundo.

“Num truche o imbornal” é mais condizente que se conjugue ‘trazer’ no passado perfeito – Eu trouxe -, cujo xis nada tem a ver com xícara, crucifixo, exame, textual ou exceto. Viva o cônjuge! Ele ou ela! Esse falante não entende que Maria Auxiliadora, sua esposa, tem o mesmo xis que ele não soube falar? Atenção: xis fricativo (trouxe, auxílio, máximo, Maximino) é impopular. Se não lê, também não enxerga que o sinal gráfico passe de letra a fonema. Para esse falante, essa mudança é castigo e tormento. Não percebe que o vizinho pronuncia palavras de modo diferente dele.

Pediu para mim, pediu para eu… (ir). ‘Pediu para eu’, com o mesmo valor de ‘Pediu para mim’, ou vice-versa, torna-se uma ordem. ‘Dê-me um cafezinho’ é ordem. ‘Me dê (ou me dá) um cafezinho’ é coisa de amigos, espontâneo como bater no ombro ou dar um abraço. Não é a perda de um bem material que lhe perca a vontade de viver.

“Meu fio num acerta cumer com galfo pruquê aprendeu a cumê cum cuié”. É isso: a malmita, o calvão, como o galfo, fazem parte de nossa tradição cultural interiorana. Como o Brasil não oferece faculdades para todos, ser jeca não é vergonha para ninguém. Jeca-Tatu de Monteiro Lobato não é somente do Vale da Ribeira, ou de nome parecido, é de toda uma imensidão continental brasileira. E vamos vivendo ‘cuma Deus nus servi”.

O objetivo foi cumprido: a mostra de que ‘diferenças’ se tornam ‘iguais’. Se o homem comum tem receio de dizer “Eu compito no mundo globalizado”, o moderno atualizado diz que “O técnico de futebol precisa se reciclar” como se tornasse a matéria-prima ou bruta um diamante lapidado. Atualizado e reciclado têm fins diferentes. Que grandeza! ‘Reciclar o homem’ e ‘atualizar o lixo’ é como ver serpente tomar sorvete em pleno Inverno da Patagônia.

Você é ‘contra eu’? Ser contra mim não é problema. ‘Ser contra eu dizer o certo’ é motivo para pensar duas vezes. Sua ‘intipatia’ é a falta de sua simpatia.

Aguarde-me no próximo comentário.

Pausa: nesta Cidade, lojas que prestam serviços de som automotivo têm permitido que clientes estacionem os carrões na calçada do estabelecimento. Por que essa permissão? Para não ‘perder’ o cliente? Essa guarida, antiética e politicamente incorreta, atrapalhando a passagem de pedestres, constitui infração de trânsito grave. A calçada é pública. É desrespeito a obstrução da acessibilidade do transeunte em via pública. Poder-se-ia comparar esse ato com o de um cliente mal-instruído que quebra copo num boteco por que pode pagar, e o proprietário não diz nada? Nos finais de semana, esse comportamento nefasto se acentua. Cadê o guarda? Esperamos que se sensibilizem e exterminem esse vício moderno.