Enunciados, inclusive de jornais, que nos convidam a refletir sobre o uso do idioma pátrio

Não raramente, assustamo-nos com o uso da linguagem culta em alguns periódicos, comparando-o com o falar coloquial. Nesse ínterim, é necessário rever o conceito emitido sobre o linguajar de pessoas iletradas.

O erro de Português (não o erro do português!) é por falta de conhecimento, por descuido ou por moderníssima forma de insinuar liberdade de expressão? Para uns, fugir à regra é indício de modernidade. Editorial diz “O jovem trás em sua bagagem os traumas da sociedade”. Advertido(a) do engano, a resposta é “Mas eu sei”. Se sabe, por que traz se sobrepuja pela simples homofonia? Então, foi descuido; é bom que ‘o corpo redacional’ torne o jornal mais próximo do povo, pensa-se. O erro de grafia seria o viés adequado?

Vamos pensar? “As fotos foram tiradas numa seção do supermercado”. Certo ou errado? Seção é o local. Certo. O supermercado tem várias seções, como a dos ‘secos e molhados’. A sessão de fotos foi efetuada na escadaria da Prefeitura da cidade. Tudo correto. Mas ‘a seção de fotos se deu no museu da cidade’ oferece a dúvida de que o redator desconhece diferenças e semelhanças entre seção, sessão e cessão.

Essa incerteza é cabível, mas vale para o site que emite notícias de todos os aspectos? É cabível quando o autor de ‘pra mode nóis ir‘ é levado ao purgatório? Respeitemos as diferenças entre o alfabetizado e o apedeuta.

Suscitemos alguns aspectos e deixemos que as respostas sejam variadas. Sem radicalismo.

Por que repórteres há que insistem em dizer “O processo será encaminhado ao juiz que decide ou não pelo seu andamento”? Decidir já não expressa a semântica da continuidade ou da não-continuidade? O juiz decide pelo andamento ou arquivamento do processo. ‘Ou’, no primeiro contexto, é redundante. ‘Vim saber se ele vai ou não viajar’. Vim foi ontem. Não serve. Venho. Venho saber se ele vai viajar. O se já indica uma decisão. A resposta é ‘Ele (não) vai viajar’. E pronto.

Passemos da linguagem aos costumes. Somos, sim, ultrapreconceituosos com o linguajar dos mais simples. Numa comparação mambembe, calça rasgada do famoso é charme; do desconhecido, na entrevista, é evidente falta de postura. É motivo de rejeição. Para uns, o lapso linguístico ‘chegou na cidade’ não implica ‘erro de regência verbal’; é apenas uma variante da norma culta. Temos um solecismo. ‘Dois Real‘, sim, é péssimo exemplo. Mas ‘sua ausência implica em sua demissão’ (redação predominante em regulamentos diversos) nada caracteriza? Outro solecismo. Chegar à cidade implica ser este um verbo transitivo direto.

Depois da delonga, professor, quais exemplos merecem nossa atenção?

Diz aonde eu estou errando” (sobre o desfazimento do namoro de dois famosos). O autor da charge que ironizar, e ideal é que use um falar atípico, que desobedece ao que determina a norma gramatical.

Diz‘ não é flexão apelativa correta (no imperativo afirmativo). Mas é assim que o povão fala: “Diz aí, meu amigo, aonde pensa que vai!” Similar esta fala ao ‘Faz um 21′. Pela norma da Gramática, em se tratando de o interlocutor ser tratado como ‘você‘, a forma gramatical correta nesse caso é ‘diga’. Se a escolha recaísse no tratamento ‘tu’, seria obrigatório ‘Dize‘, mas não é popular. Isso é coisa de poeta, e daquele que lapida o idioma como um ourives faz a peça áurea ser uma obra de arte. Poeta popular não usa ‘Dize aí, meu amigo, aonde pensas que tu vais agora?” A fala ficaria distante e antipática. No máximo, ‘diga…’; o bom mesmo é ‘diz’ – “me diz aí, muié, o qui é qui passa na tua cachola, querida?”

O descumprimento da regra faz da linguagem arte popular, como a licença poética do cordelista. Mas o jornal pode, simplesmente, transcender a norma culta?

E mais: ‘aonde’ não cabe no contexto; mas ‘onde’ – em que estou errando? Diga-me, agora, para que eu não erre mais!

Não briguemos se ouvirmos sastifeito. Há quem, na sociedade abastada, use previlégio, aonde (no lugar de onde), adevogado, iogute, estreiando idade nova etc.

“Casa desaba e bebê (…) fica ferido (…)”. Se a manchete indica sujeitos diversos, com ações diferentes (desaba, fica), mesmo sob o olhar da conjunção aditiva ‘e’, deve haver uma vírgula entre um sujeito e outro: Casa desaba, e bebê fica ferido. Compare: Prefeito manda derrubar galpão, e o povo se revolta.

Esse lapso não justifica licença poética ou liberdade de expressão. Apenas, desconhecimento linguístico e evidente lapso redacional.

“A gente está muito abalado”, disse a jovem. No parâmetro da concordância nominal, ‘abalado’, adjetivo masculino singular, concorda com que termo da oração? O sujeito é ‘a gente’, coletivo no feminino singular, para indicar ‘nós’. A gente fica muito abalada.

‘Abalado’ revela uma silepse de gênero, indicando que o falante é pessoa do sexo masculino, similar a ‘Vossa Senhoria está chateado‘ (o cidadão).

Se assim fosse, tudo bem. Mas… abalado não concorda com o falante, que é do sexo feminino; não concorda com o termo principal, que é feminino. Concluímos que os desvios gramaticais são pululantes no Português coloquial. Usados pela fala dominante, são simples opção de escolha?

“Compre um salgado e ganhe um suco grátis“. Epa! Na brincadeira, ‘ganhe de graça’, para ficar bem claro.

O Português é versátil; o popular lapida, o culto é ladainha que aborrece.

‘Compre um salgado e ganhe um suco’ – apenas isso – o impacto da mensagem popular não expressaria o marketing necessário. Deixemos que o pleonasmo vicioso tenha vida, e se expanda – como é bom subir para cima da casa! Como é grandioso cair dentro do buraco! Como é interessante acelerar rapidamente a moto!

No meio da conversa, um mestre aparece e dá seu veredito filosófico à Rui Barbosa, grande jurisconsulto da Bahia e de toda a República. A res publica é de todos, provinda da Constituinte com resquícios do Império Romano que circulou na Monarquia dos Pedros. E ele diz autoritário: “Qualquer coisa que fazer de errado, vai pra cadeia” (sic), referindo-se às inquisições da Lava a Jato, um facalhão que ainda vai derrubar muitos ciprestes octogenários, nonagenários, centenários etc. Falta-nos que o pressente derrube o passado.

‘Qualquer coisa que fizer de errado vai levá-lo pro xilindró! Presídio é termo muito forte.