Lamúria: o que é isso, companheiro? Por que choras baixinho?

O choro tem muitas versões ou modelos.

Um que chora e escandaliza. Outro que chora e não derrama lágrimas. Alguém que chora e sorri. Fulano que chora baixinho, como se escondesse a dor que tanto o atormenta.

A verdade é que choramos, para fora ou para dentro, mas choramos. A lamúria é um choro poético, que pode ser dissimulado, embutido no próprio olhar: olhos vermelhos, pensamento profundo, e um lamento que aflora silencioso. Isso é a lamúria. Que palavra bonita! Ora poética, ora sonora, é o álibi do chorão para não se expor ao ridículo. Essa hemorragia de lágrimas virtuais, em virtude do amor impossível, pode ser sintoma de fraqueza.

Lamúria, vocábulo que pouco circula neste mundo globalizado, dá mostras de que há uma choradeira pelo canto da parede. Um choro baixo, e o choramingão quer dissimular sua dor. É uma lamentação, um lamento pelo amor que se foi, pelo bem psíquico que se esvai no espaço.

Para essa aflição, há outros nomes: pranto, queixa, gemido, expressão de pesar, queixume, clamor, lástima, sofrimento moral. Flui e aflora a mágoa pelo infortúnio que enche o coração de chorume, tão negro como fumaça corrosiva. O amor desaparece, e fica a dor que pode levar o apaixonado a uma decisão irreparável. Romeu vê Julieta ‘morta’. Ele, agora, é que toma, de fato, a poção fatal. Julieta acorda, e vendo Romeu, realmente, morto, suicida com o punhal do amado. A lamúria pode tornar-se tragédia.

Até um cãozito expressa sua lamúria ao cuincar por perder a mamãe ou por ela não lhe dar o peito, esvaído de tanto ser sugado. Está na hora de o filhote procurar seu próprio alimento, para sobreviver, como o cidadão que chora deve ir em busca de outro amor. Em meio ao bamburral, pode haver uma pepita preciosa.

A lágrima não comove aquela que nada sente pelo chorão, cuja dor o transforma em excluído. Melhor, em momento assim, é viver o choro ou chorinho de Altamiro Carrilho: a música popular nascida de um violão, uma flauta, um cavaquinho, um pandeiro e um reco-reco, e deixar o coração se esbaldar, fazer esvoaçar os sentimentos junto aos ventos das monções para chover pétalas de rosas rubras no amanhecer.

Pausa:

1. Um cidadão diz que está fazendo ‘advocacia’. Eis a linguagem oblonga ou ovalizada. Advocacia é o exercício do Direito em favor de um cliente, para que a lei seja cumprida. É o ato de pleitear em juízo. É a profissão do advogado. Se há uma tabuleta com a escrita ‘advocacia’, é porque ali há um advogado, o procurador, pessoa a quem foram outorgados poderes (o outorgado) por um outorgante, que busca na Justiça um direito usurpado. Se houver um outdoor com a chamada ‘Direito’, não se entende que ali haja um advogado, mas, possivelmente, um curso. O jovem faz Direito, e a advocacia, poderá exercê-la no futuro.

2. Não comungo dizer que Cecília Meireles é uma ‘poeta’. Não me convencem a usar esse modismo como se poeta fosse comum-de-dois. O poeta, masculino; a poetisa, feminino, que soa bem e transmite o que a poesia é, bela e sem subterfúgios. Além de Cecília, que nasceu em Portugal, o Brasil tem poetisas magistrais: Henriqueta Lisboa e Bárbara Heliodora (mineiras); esta sofreu muito e se tornou uma andarilha, recitando versos e prometendo a seus ouvintes ‘ouro em pó’, como se a derrama a fosse atingir em cheio. Adélia Prado; a simpaticíssima Cora Coralina, e outras. Cite a sua poetisa preferida, bem próxima de você: na Paraíba, em Alagoas, no Espírito Santo, na Bahia. Onde há mulheres sensíveis, há poesia, e se há poesia, há uma poetisa que nos encanta.

3. A alavanca é uma ‘máquina’ simples, para soerguer objetos grandes ou pesados. Metaforicamente, pode-se dizer que ‘a moeda estável é a alavanca que impulsiona o progresso de uma nação’. O Brasil não precisa de tantos burocratas, mas de algumas alavancas para nos tirar do buraco. Agora, sorria e medite: o homem do sertão, ao cavar uma cacimba, chama essa peça de ‘lebanca’, que o auxilia em tarefas árduas.

4. As dúvidas quanto ao uso do hífen ‘moderno’ (depois da Reforma Ortográfica) continuam: um artigo jornalístico diz que um aicebergue (grafia ‘aportuguesada’) pode criar no Oriente Médio um micro-clima (sic) (se for transportado da Antártica). Durante anos! Há de se pensar nesse ousado objetivo, mas o pedação de gelo provocaria mesmo é um microclima. Olhe neste espelho: micróbio, microcomputador. Mas micro-ondas, micro-ônibus. Microanálise, microempresa.

5. Palavras com acento agudo que poderiam oferecer dúvida: reúso, reúne, arruína, pré-natal, mausoléu, troféus (não existe ‘troféis’), escarcéu. Monossílabos e oxítonas continuam com esse acento: dói, céu, véu, corrói, ilhéu, mundaréu, xaréu, sóis, anzóis, papéis, anéis.

Este artigo teve como escopo quebrar a severidade da regra gramatical e deixar o pensamento fluir, sem perder a finalidade do site: mostrar os caminhos que nosso vernáculo percorre no cotidiano.