O regionalismo linguístico encanta; alguns, porém, o consideram linguagem de tolo

O que é o regionalismo linguístico? É o modo peculiar de os falantes de uma região se expressar.

Se ampliado o veio semântico, pode-se dizer que o regionalismo retrata os costumes (no falar) de um povo. Um dicionário diz que o regionalismo, assunto tratado na Gramática, é ‘o traço linguístico próprio de cada uma das regiões em que se fala determinada língua‘. Esse viés difere do regionalismo literário em si (o Parnasianismo), das tendências políticas e sociais que objetivam a defesa dos interesses de uma região (o Comunismo, o Neossocialismo, o Petismo etc.) ou dos costumes religiosos (as Congadas), das variantes da música (o Maracatu, o Frevo). Etc.

Todo esse pluralismo nos conduz a aceitar que o Brasil, pelas muitas regiões, tem múltiplas tendências regionalistas. O boi-bumbá nordestino. O folclore amazonense (a festa de Parintins: Boi Caprichoso versus Boi Garantido). Cada região, por sua vez, tem seu extenso mundo cultural. O regionalismo baiano, paulista, capixaba, gaúcho. Compare a sua cidade à outra (isso é bastante variável e rico), o vaqueiro nordestino e o vaqueiro gaúcho, embora alguns costumes estejam se arrefecendo. Na Bahia, a Vaquejada de Serrinha demonstra uma tradição ímpar, não similar a outras de nosso País continental.

Esse ‘mundão de nosso Deus’ nos traz termos específicos. E admita: o regionalismo linguístico sobrevive, mesmo sofrendo revezes da globalização, graças à cultura de uma cidade ou município. Para nosso bem, continua andando.

O falar em Jacobina, BA, difere do falar grapiúna em Ilhéus, Itabuna e adjacências. O falar em Ipirá, BA, é distinto do falar em Teófilo Otoni, MG, como não se encontram os falares de Campina Grande, na Paraíba, com o de Manaus, capital amazonense.

Temos mais é que acatar todo esse mundo cultural e conviver com esses falares, respeitando os usuários. O caboclo tem a função máxima de manter viva uma linguagem que se distancia da empresarial, da universitária. Essas nuanças é que fazem a Nação ter a diversidade que gera o turismo, o conhecimento, a admiração por um povo. Ariano Suassuna não se preocupou com certos olhares e manteve viva a cultura do Nordeste. Suas obras dizem isso. Morte e Vida Severina registra esse pilar, e ai de quem disser o contrário.

Isso é supimpa!

É admirável o momento em que um cidadão, a seu modo, usa o vocábulo ‘quizumba’ para designar ‘o rolo, a confusão’, o conflito ou briga que envolve muitas pessoas. Não só o carioca o faz com maestria, mas, hoje, pela amplidão da nossa convivência, muitos em todos os nossos quatro cantões usam: “Que quizumba é aquela? Só por que a mulher está batendo no marido?”

Um jovem estudante de nível superior conhece, certamente, muitos termos, inclusive os técnicos relativos à sua futura formação acadêmica, mas pode não saber o que é ‘uma plaina’, termo usado pelo carpinteiro, que, por sua vez, pode não conhecer o vocabulário do jovem acadêmico. Um garoto moderno envolvido com os liames da Internet e da globalização, talvez, não saiba o que é ‘terreno alagadiço’ ou não entenda que a cana de açúcar é plantada em terra de ‘massapê’. Pergunte-lhe o que é ‘terreno argiloso’. Pode ter ouvido falar que a panela é de argila, mas tem suas dúvidas. A jovem citadina mete a mão na ‘cumbuca’?

Todos sabemos definir ‘fotógrafo’. Seria o mesmo que ‘retratista’? Mas este pode ser um grande ficcionista. Há um lambe-lambe na pracinha? Você falou com o fotocopista ontem? Qual é o seu ‘ofício’? O alfaiate é um mestre? Porretinha, em Jacobina, foi.  Na festa junina, o dançarino pé-de-serra diz que sua investida, para conquistar a prenda, ‘mermou’, mas ele não se apoquenta. O homem do campo sabe o que é um equino estar com ‘mormo’ (doença infecciosa) e, talvez, não saiba o que é um tecnocrata.

A jovem senhora diz que o marido faz ‘culuio’ para lhe tirar um direito (herdar um bem). Trapaceia contra ela, conluiado com alguém de má-fé. Seu conluio é um cangapé, embuste. Embusteiro, vai dar com os burros n’água.

Já armou a arataca para pegar o mocó? Já comeu uma curuca do riacho de águas limpas? Pegou um mutengo com minhoca? Selou o cavalo usando o baixeiro adequado? Já pescou no Velho Chico uma piaba olho-de-boi? Foi à roça e levou água na quartinha? Essa moringa tem a mesma cara da de seu tio na Paraíba? Seu avô já lhe disse que, quando pequeno, tomava café de ‘chiculateira’ (chuculateira)? A chocolateira não é vasilha somente para o chocolate. O cara foi tramelar a porta e colocou o ferrolho de ‘menesgueio’. Não ficou bem fechada. Conhece a bruaca de caruá para trazer mantimentos do roçado?

O chato duas vezes, como um carrapato, gosta de ‘infuca’ para pirraçar o moleque da esquina. O menino danisco levou uma sova do pai por inticar o colega de ‘jugar’ bola no baba.

No Nordeste, ainda há muitos columbiformes: a pomba-verdadeira, a juriti, a asa-branca, a arribaçã (ou arribação). Essas aves não são pombos, embora pertençam à mesma família.

Finalmente, Seu Frederico foi um homem bom. Tão conhecido em Cachoeira Grande, distrito de Jacobina, na Boa Terra, que tinha o ‘pilido’ de Fidica. Fidirico para uns, e os mais cultos o chamavam de Federico. Gostava de obsequiar a esposa com ‘fátima’ (cor de rosa, para pintar as unhas; as dela).

Admirável! Não?!