O termo ‘vacilão’ está no dicionário? É gíria ou neologismo?

No idioma pátrio, o sufixo ão é abundante. Além de estar presente em substantivos comuns (facção, união, vergalhão), é constante em aumentativos populares, ora afetivos, ora pejorativos. O pobretão acaba de chegar.

Bundão: para indicar a nádega avantajada, é sinônimo de (a) bundaça, (o) bundaço, (a) bundona; para caracterizar o indivíduo tolo, é o mesmo que bunda-mole, o moleirão, com conotação pejorativa.

Sufixo popular, o danisco ão se revela eficaz na diversidade do linguajar cotidiano: tem múltipla serventia, tal a quantidade de termos existentes. Você já recebeu o cognome de Barbudão? Nem todos estão no dicionário; mesmo assim, são usados. Seu bobalhão! Coitado, é um paspalhão! (Não é termo obsceno, mas pejorativo de uso amplo): seu cagão!

A lista é tão enorme, que alguns fincam pé na estrada versátil do falar regional e ganham direito de registro oficial (tornam-se verbetes). Amigão, bestão, bichão, bolão, chorão, choramingão, comilão, gatão, garotão, gostosão, tolão, toleirão, valentão.

Uns, talvez, careçam de tempo para ganhar a patente de vocábulo do nosso léxico: amorzão, carecão, cacetão, cornão, filão, homão, palermão, parrudão, porradão, viborão (pessoa má), vidão, pernão. Filão, aqui, não se trata da fila extensa nem de um fila enorme (raça de cão), mas de alguém que obtém algo sem pagar: fila comida, daí fila-boia.

Há os nascidos de base verbal, chamados deverbais: chorão (de chorar); comilão, capão, falastrão, furão, mijão, pidão, pinicão, rufião. Inclui-se nesse rol vacilão, vindo de vacilar.

No campo da criatividade, pode haver neologismo. De uso inicial, seriam termos novos: apertão (No metrô, mulheres sofrem apertão);  papelão (No início da República, a gafe se constituía papelão); vidão (Com tanta grana, o magnata leva um vidão). Chapeirão foi neologismo; hoje, está incorporado ao vocabulário.

No mundo da linguagem popular, há uma avalanche de aumentativos com função semântica afetiva e/ou pejorativa: O garoto é cobrão em videogame; o cara é o chefão da falcatrua; teve o maior febrão ao ver a vizinha; foi imprudente e ganhou um carão da autoridade; namora somente no escurão, em que a luminosidade é o tato; está doidão para conseguir a loira de olhos azuis; deu à sua noiva um anelão de prata de 50 gramas.

No interior do País, ainda se usa o termo capão para indicar uma ponta de mata dispersa ou para caracterizar o galo castrado para engorda, que pode até criar pinto (o especialista localiza sob uma das asas do frangote o local onde estaria o testículo, e, com uma faca fina amolada, faz-lhe uma fenda e retira essa glândula chamada ovo de galo; está feito o trabalho: o bicho, agora, é um capado, ou galo-capão).

E vacilão, afinal, é gíria ou neologismo? Os dois a um só tempo: gíria, termo na boca de um grupo, que o usa para ofender (pejorativo), e neologismo por vir de pura criatividade, do radical de vacilar, mais o sufixo ão, passa a ser termo novo, indicando aquele que se deixa envolver em cilada, em que o esperto o engana.

Vacilar é oscilar por falta de firmeza, tremer. Caminhar de forma trôpega, cambalear. Figuradamente, a forma mais usada, ficar em dúvida, hesitar, tornar-se irresoluto. Dessa conotação, surge o vacilão, o levado pela lábia de um indutor, que pode cometer crime e dizer depois que agiu de forma impensada. In casu, está mais para dolo que para culpa.

A família etimológica de vacilar é curta: vacilação, vacilada, vacilado, vacilador, vacilante (que dá vacilância), vacilatório, vacilo etc. Vacilão, também deverbal, com conotação similar à de bundão, mijão, peladão, vem ganhando espaço em território escorregadio. Em certos momentos, o sufixo ão se assemelha aos colegas aço, aça: golaço, caidaço, loiraça, noitaça.

E agora? O sujeito cai da escada e diz que levou um relepão (ficou com raladura). Relepa, na Bahia, é sova, pisa.

O mimoso ão, portanto, tem largo uso. A base pode ser adjetiva ou substantiva, e o cunho via de regra é popular: rabo, rabão; azarado, azarão; garoto, garotão; danado, danadão; azul, azulão; bola, bolão. Assim como usam vacilão, filão, de filar, serve para designar o oportunista-penetra.

Na feira-livre, o feirante oferece seu produto e quer demonstrar que o vende ‘com algum brinde’ (a vasilha bem cheia) e alarma: um ‘litrão’ de amendoim por três ‘real’ (sic). Litão ou litrão, não importa, cria-se uma variante gráfica de uma hora para outra, e o idioma vai percorrendo vielas e becos da cidade com plena liberdade de expressão.

Que bom! Deixemos o povo falar; só não podemos é usar palavras a torto e a direito para ferir as pessoas, e, além do uso, passarmos a atos nefastos. Um fazendeiro viu um garoto adentrar seu pomar para, à sorrelfa, lhe levar algumas mangas. Ainda nos galhos da mangueira farta, o donatário do lugar lhe deu um tirão na bundinha esmirrada, e foi parar na Justiça. O excesso de defesa constitui o erro. Uma criança lhe faz uma coisa errada, e você lhe daria um murrão no rosto?

Meu abração!