‘Por causa de’ e ‘por conta de’ têm o mesmo valor semântico?

A primeira expressão deve ser classificada como locução prepositiva, similar a ‘em virtude de’; a segunda, objeto deste comentário, semanticamente, é que nos deixa em apuro, mesmo que com a mesma classificação gramatical. Entendemos que esta equivalha a ‘em nome de, por responsabilidade de, por incumbência de’, como nos registra o léxico; ambas não apresentam a mesma conotação semântica, embora a linguagem popular tenha demonstrado essa preferência: ‘Meus queridos alunos, aviso-os de que não comparecerei à aula de amanhã por conta de uma gripe de que fui acometida’, disse a mestra.

Estaria correto o uso de ‘por conta de’ como locução conjuntiva? Essa a discussão de momento sobre a qual este articulista vem opinar. O vocábulo conta expressa grandiosa versatilidade, a ponto de nos causar essa dúvida. A linguagem popular usa com abundância ‘Isso não é de sua conta’, para dizer a alguém que não lhe cabe interferir, que tal coisa não lhe diz respeito.

Por outro lado, conta, excluído o significado de soma, cálculo, cômputo etc., implica o sentido de dever, responsabilidade. Nesse aspecto, é correto e adequado o falar ‘por sua conta e risco‘, referindo-se ao ato de alguém tomar uma decisão.

No uso diário, encontramos uma série de expressões sob o olhar semântico de que conta seja a atribuição de alguém fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Fica fácil entender que um pai tem deveres com relação a seus filhos. ‘A subsistência do menor corre por conta do genitor‘, como diria um parecer jurídico. É expressão rica e não denota causa ou culpa.

‘O funcionário não foi ao trabalho por causa da chuva torrencial’; sintaticamente, a segunda parte tem o valor de oração subordinada adverbial causal, como nos leciona a Gramática Normativa, oração que expressa a causa do que se diz na oração principal (pelo fato de haver uma chuva torrencial).

Isso não é responsabilidade. Na similaridade da linguagem, por causa de tem valor semântico igual a em virtude de (seguida de um verbo), igual ainda às conjunções subordinativas adverbiais causais porque, como, que, porquanto.

O funcionário não foi ao trabalho porque chovia torrencialmente. Como chovia torrencialmente, o funcionário não foi ao trabalho. O funcionário não foi ao trabalho, porquanto chovia torrencialmente.

Como locução conjuntiva (grupo de duas ou mais palavras que funciona como conjunção), são sinônimas ‘por causa de, em virtude de, posto que, visto que, uma vez que’ (desde que seguidas de verbo), entre outras. Em nenhum momento, seria possível se vislumbrar a noção de que ‘por conta de’ tenha a mesma similaridade semântica dessas.

O vaqueiro não pôde tirar o leite por causa de um acidente que sofreu no dia anterior.

Imagine, a partir de agora, que se diga ‘O vaqueiro não pôde tirar o leite por conta de um acidente que sofreu no dia anterior’. E agora?

Gramaticalmente, correta; semanticamente, duvidosa, pelo fato de o seu teor semântico não se caracterizar como oração subordinada adverbial causal.

Por que razão vem acontecendo que usuários substituem ‘por causa de’ pela expressão ‘por conta de’? Parece modismo, com a ligeira insinuação de ser uma linguagem moderna, dinâmica e atual. Quereriam dizer que ‘por causa de’ seria arcaica e precisaríamos de nova locução conjuntiva que a substitua?

A resposta carece de outros parâmetros, que os doutos linguistas nacionais, autores de artigos emblemáticos e obras especializadas, poderiam explicitar. Não seria fácil vislumbrar que tenham o mesmo significado.

Tentemos vários períodos compostos por subordinação cuja conjunção ou locução conjuntiva subordinativa adverbial causal jamais seria equivalente a ‘por conta de‘, não podendo ser substituída.

Em virtude de: Em virtude de estar hospitalizado, não pôde comparecer à audiência.

porque: Não veio trabalhar porque esteve doente.

como: Como é seu costume falar alto, arranjou um entrevero no grupo em que estava.

que: Não diga isso, que pode prejudicá-lo.

por causa de: Por causa de ter ficado inadimplente, perdeu a possibilidade de refinanciamento do imóvel.

posto que: Posto que o candidato não compareceu na data certa (para tomar posse no cargo), seu nome foi excluído da lista de aprovados.

visto que: Visto que você estuda pouco, Manuel, não terá boa chance de ser aprovado.

Mas podemos dizer: Haverá uma festa na estância por conta de seu proprietário. A fiscalização ficará por conta do grupo recém-chegado. Em ambas não cabe o uso de ‘por causa de’.

E só. Isso basta.

Pausa: algumas obras didáticas voltadas para o ensino fundamental usam a expressão ‘rotina diária’. Existe ‘rotina semanal’ ou ‘mensal’? Assim por diante, a bimestral, trimestral, semestral e anual, como há os períodos escolares?

Do Francês ‘routine’, rotina indica o caminho utilizado normalmente, isto é, no dia a dia. Preconiza o fazer habitual, como um itinerário de trabalho. Por extensão, é o conjunto de atos ou procedimentos adotados normal e regularmente. Se é ‘normal, habitual, regular’, trata-se de uma atividade monótona, portanto, rotineira. Logo, ‘rotina diária’ constitui pleonasmo similar a ‘carga horária de 30 horas’. Horária e horas, ao mesmo tempo, se redundam assim como ‘sair para fora’, ‘sair fora do ar’, ‘entrar para dentro’ etc.