Qual a melhor frase: O direito das pessoas de se defenderem; o direito de as pessoas se defenderem; o direito das pessoas se defenderem?

Não frases comuns. São próprias de intérpretes cultos divulgando o pensamento em momento especial: tese de formatura, artigo jornalístico e outros. Antes da análise, porém, foquemos o aspecto coloquial da linguagem.

Não é admissível que todo falante, neste País ‘preguiçoso para a leitura’, consiga seguir o padrão escorreito da Língua Pátria, mas é inadmissível que o cidadão letrado cometa deslizes linguísticos horripilantes ou erros crassos.

Aceitável que o iletrado (para ele, o idioma é ágrafo), seguindo o modelo de seus ancestrais ou da região em que vive, pronuncie a palavra melancia destoante do que diz a morfologia: desconhece que é paroxítona, que é tetrassilábica, que contém um hiato, que não tem acento gráfico. Jamais saberia distinguir na terceira sílaba (conta-se da direita para a esquerda) o dígrafo vocálico ã, correspondente às letras an. Não se deve exigir esse preciosismo, como não será aceitável que alguém escreva ‘melansia‘, nem a pronuncie similar à ganância. ‘Melância‘ (cartazes há com esse registro), embora se acredite que a pronunciem corretamente: me-lan-ci-a. Curioso: a pronúncia é correta, mas a grafia, não. Mais curioso: alteram a grafia, mas mantêm a pronúncia, descumprindo o principio de que uma regra conduz à outra, como se escrevessem ‘custódia‘ (s. f.) e pronunciassem ‘cus-to-di-a‘ (forma verbal de custodiar).

Além disso, o iletrado é desconhecedor da prosódia correta (já não escreve) e usa à vontade me-len-ci-a, similar a ‘madrocer, madrucer’ no lugar de ‘amadurecer’, ou mesmo ‘madurecer, madurar’, verbos sinonímicos entre si, cuja semântica seja ‘tornar-se maduro’.

Seria um viés lógico exigir-se de alguém que usa ‘Se ele fazer‘ que escreva corretamente obsessão, miscigenação, superstição, ascensão, dissensão, ressurreiçãorescisão etc.?

Voltemos às frases na introdução deste comentário: a primeira está correta, isto é, o direito que as pessoas têm de se defenderem. A segunda, que opta por uma redação mais culta em relação à primeira, também está certa. Essa seria uma alternativa de uma linguagem literária ou jornalística para um leitor de alto padrão linguístico? Segue este exemplo erudito: ‘Está na hora de a onça beber água‘, ou ‘Esta é a hora de a onça beber água‘, uma vez que o modelo quase folclórico ‘Está na hora da onça beber água’ foge à regra gramatical: o sujeito nunca pode vir preposicionado. A terceira opção, esta sim, não serve de parâmetro para a linguagem culta, embora apareça circulando no dia a dia entre os falantes tidos como dominantes da Língua Pátria. Exemplos similares: ‘O direito dele se defender’, ‘A hora dele ir trabalhar’.

É livre o leitor discordar, mas é interessantíssimo respeitar a fala daqueles que não conhecem os parâmetros gramaticais e ‘prestar assunto’ no que dizem ou escrevem aqueles que foram à escola (e devem ter sido alfabetizados). Não vamos infernizar o falante de ‘brinjela, quentro’, mas ‘deitar um olhar diferente’ no locutor que apregoa ‘Chega na cidade novos produtos’.

O que é ‘borrifar’? Exatamente o que você respondeu, considerando ainda os sinônimos ‘esborrifar, molhar ligeiramente, aspergir, chuviscar, orvalhar’. Mas observe, calmamente, que alguém a seu lado disse ‘barrufar as plantas’ ou ‘burrifar o ambiente para espantar as muriçocas’. ‘Burrifar’ é apenas pronúncia, assim como se usa ‘jugar’ bola, ‘ir pro buteco’, ‘cumer uma muqueca’. ‘Barrufar’, no entanto, é aceita como variante gráfica de borrifar. O cara fuma e traga, e solta uma barrufada de fumaça fétida na cara do vizinho mais próximo.

Assim, o idioma flui, e cada falante faz a comunicação cotidiana a seu modo, com base no seu conhecimento. Só temos que acatar tudo de bom grado. Mas…

Pausa: enquanto o feirante usa ‘O senhor pode vim que nós negoceia’ (quanta espontaneidade!), até pode falar ‘nóis aniguceia’ ou ‘niguceia’ (nunca ‘negocia’, que para ele soa mal), o jornalista divulga seu artigo falando sobre economia e usa ‘salário mínimo’. Falta alguma coisa nesse vocábulo polissêmico que trafega livre na economia que nos cerca? É que temos substantivos compostos justapostos, como caneta-tinteiro, força-tarefa, primeiro-ministro etc. Logo, o bom escrevinhador deve seguir o trâmite gramatical: salário-mínimo (com hífen) assim como usamos ‘obra-prima’. Exatamente, assim: substantivo composto formado por um substantivo (salário, obra) seguido de um adjetivo (mínimo, prima), em que ambos vão para o plural (o adjetivo acompanha a flexão do substantivo): salários-mínimos, obras-primas (e repitamos que devemos flexionar: primeiros-ministros). Perguntemos mais: o leitor sempre encontra a grafia ‘salário-mínimo’ nos textos *que seriam cultos* nos jornais que circulam por este País? Por que, então, condenar quem usa ‘nós vai, melencia, burrifar’ e absolver o comentarista que usa (e esbanja celebridade!) ‘eles tem, quem obedece as leis, a mercadoria que chega na cidade’ etc.?

Vendo-se outro artigo, a escrita não registra ‘o coco é supernutritivo’ nem as grafias ‘superfruta, super-rápido, super-responsável, corresponsável’. Qual, então, a grafia usada? Outra qualquer que não seja a correta. Uma caixa de leite longa-vida (a caixa, não o leite!) traz a grafia ‘semi desnatado’, e outra, ‘semi-desnatado’. O fonema final de ‘semi’ não atrapalha a pronúncia da consoante ‘d’ de desnatado, motivo por que a grafia, obrigatoriamente, deve ser ‘semidesnatado’. Não pode haver hífen nem os termos devem ficar separados.

Sou admirador, portanto, da linguagem popular descompromissada do homem que não foi à escola.

Meus cumprimentos a você, que chegou ao final deste texto capenga!