Semântica, polissemia, antonímia e alguns antônimos curiosos

A semântica nos envolve ‘tecendo’ momentos de dúvida quanto ao significado de algumas palavras. Mas este artigo não tem o mérito de discutir a semântica histórica (espere um pouco – formidável já teve o significado de ‘medonho, capaz de provocar pavor’; cortês foi, simplesmente, o membro da família real (da Corte); hoje, convida-nos a admitir outro significado: é que, antes, o cidadão da Corte, à janela de seu sobrado, acenava para a vassalagem, por isso, ‘cortês’ ganhou o sentido de ‘aquele que tem cortesia’, por extensão, gentil, educado). Uma vaca chifruda pode ser ‘formidável’. A fuga da bandidagem foi formidável (sensacional!).

O rodeio é necessário para a reflexão.

Atentemo-nos, a partir de agora, ao significado atual de muitos vocábulos. Se pudermos entender ‘Maria é uma gata, a jovem é uma lesma, o menino é um diabrete, o engano foi a sua desgraça‘, temos o contexto em que o vocábulo ganha nova ‘roupagem’. A palavra, isolada ou agrupada a suas coirmãs, adquire significado especial, conforme o tom poético ou metafórico e foge ao uso habitual.

Esse aspecto ‘pluralístico’ conduz-nos a entender que o vocábulo pode apresentar muitos significados, conforme o seu uso. Você está diante da polissemia.

O filhote da ave ainda não tem pena. Ao usá-la, o escrivão quebrou a pena da caneta-tinteiro. A pena de Rui Barbosa foi mais forte que sua oratória. Que pena! O jovem mais estudioso da sala não foi aprovado no concurso. Pena que você não tenha conseguido seu objetivo. O criminoso pegou pena de morte. A pena é mais forte que a espada.

A relação de sentido entre as palavras se dá de várias formas, partindo do princípio básico: 1. denotação, o significado natural do vocábulo – Comprei uma mesa de madeira para a cozinha. 2. conotação, o aspecto figurado que o vocábulo pode adquirir no contexto – A mesa decidiu absolver o réu.

Surgem no cotidiano: a sinonímia (belo, formoso), a antonímia (feio, bonito), a homonímia (o homem são, São Cristóvão é o protetor dos motoristas, eles são amáveis), a paronímia (descrição, discrição). A homonímia se divide em perfeita – morro (substantivo) e morro (forma verbal); homófona – o homem caça animais; a Câmara cassa o mandato do edil; homógrafa – O Governo perdeu a credibilidade; eu governo meus pensamentos. Mais homonímia: Assisti à sessão da tarde; a moça trabalha na seção de cosméticos; o milionário fez cessão de muitos bens para o orfanato. Se você tem discrição ao se sentar à mesa, é uma pessoa discreta; a testemunha fez a descrição perfeitamente descrita da vítima.

Considere, ainda, que esse novo atalho foi importante, e vamos a uma gama de exemplos da antonímia. Temos dois meios para formarmos os antônimos – pelo uso de prefixos de sentido negativo (a, in, des) e pelo uso de palavras que naturalmente se opõem – o chegante, o sainte.

O prefixo ‘a’, que significa ‘não’, normalmente é usado para formar vocábulos cultos ou eruditos: normal, anormal; harmônico, anarmônico; típico, atípico, e temos mais: acéfalo, ateu, apático. ‘In’ vive no meio popular – fértil, infértil; sincero, insincero; idôneo, inidôneo. Observada a ‘letra’ do vocábulo a que se justapõe ou aglutina, ‘in’ torna-se apenas ‘i’ antes de palavras que começam por R – real, irreal; restrito, irrestrito; responsável, irresponsável. Lembre-se de que não pode escrever nem falar ‘inreal, inresponsável’, por haver erro de grafia e má pronúncia. ‘In’ passa a ‘im’ antes de palavras começadas por B e P: barbudo, imberbe; prudente, imprudente. Repitamos a maleabilidade do prefixo ‘in’ – justo, injusto; apto, inapto; maduro, imaturo; revogável, irrevogável; pávido, impávido; belicoso, imbele; pudico, impudico. Leia com atenção: seu amigo veio a se tornar seu ‘in+amigo’ (inimigo).

Por último, o prefixo ‘des’, de tão popular, aparece em muitos vocábulos: fazer, desfazer; montar, desmontar; mentir, desmentir; cumprir, descumprir, leal, desleal (não existe ‘inleal’. A palavra que aceita ‘in’ não aceita ‘des’, e vice-versa; por isso, se dá ‘a involução humana’, e não ‘a desvolução’). O homem involui, mas não ‘desvolui’. ‘Esperdiçar’ tem o mesmo significado de ‘desperdiçar’: não são antônimos (apenas sinônimos).

Seu recurso para formar antônimos ainda não acabou. Procure conhecer palavras que, por si mesmas, por si sós, já se contradizem: inflação (aumento de preços), deflação (queda de preços); anorexia (rejeição a alimentar-se), bulimia (hábito de alimentar-se em excesso e depois provocar vômito); mundície (limpeza, asseio, higiene), imundície (sujeira, porcaria); doença, higidez; rural, urbano; sápido (gostoso), insípido; sapiente, insipiente; oficial, inoficial; moderno, arcaico; antigo, hodierno; continental, insulano; perpétuo, momentâneo; duradouro, efêmero; utópico, distópico; diurno, notívago; deflacionário, inflacionário.

Se pude ajudar um pouco, este artigo já serve. Pausa: o homem iletrado soletra ‘É que nóis num podi ir’, mas o escolarizado empolga-se em dizer ‘É que eu nunca tive doente’, sem admitir que ‘tive’ e ‘estive’ são formas verbais diferentes. A manchete estampa ‘Dois terços vive em regiões onde há escassez de água’. Anúncio de loja: ‘prestações que cabe em seu bolso’. E esta concordância magistral: ‘Definido os ajustes’.