Sim! O cidadão simples, também, usa metáforas, e das boas

Saber defini-las, o cidadão iletrado ou de conhecimento linguístico limitado, talvez, não saiba, mas usa, no seu convívio, boas metáforas. Isso é agradável, tornando a linguagem mais receptiva, plena das figuradas nuanças linguísticas.

A metáfora, como sabemos, é a mãe das figuras de linguagem e, por ser diversificada, seu uso é amplo, não ficando restrito(a) aos literatos, jornalistas, intelectuais e outros.

O dicionário nos leciona que metáfora, vocábulo nascido do Grego metaphora, de metapheroeu transformo, é a figura de linguagem que tem como escopo transpor o significado de um termo para outro em virtude de alguma semelhança, analogia ou comparação subentendida.

De imediato, ao ser usada expressão ou palavra, temos a pré-noção de que seu significado comum tem a ver com o novo que expomos no contexto. A rosa, além de ser flor, subtende-se que seja linda. A menina é bela, ou supomos que toda menina seja linda. Nasce a frase poética e metafórica: A menina é uma rosa! Está pronta a metáfora. Entende-se que a menina, que já é bela, fica ainda mais bela.

O falar de cada um, no momento certo, faz buscas no convívio social e compara o homem ou o seu comportamento com seres outros que não sejam pessoas, e começa a fluir uma cadeia montanhosa de metáforas curiosas e interessantes.

O cara é uma broa. Vamos peneirar todos os assuntos; os bons ficam, os maus, jogados fora.

“Anda, sua lesma”. O animal lento empresta seu modus vivendi ao ser humano vagaroso ou preguiçoso.

“Desenrola, que você não é fumo”. Esse tabaco, quando produzido, fica enrolado numa madeira (fumo de rolo) até curar para ser comercializado. O coitado não se desenrola, não tem pernas, não sai do lugar, por isso, suas qualidades são transpostas para o ser humano.

“É uma sarna!”, porque coça ou perturba, criando o comichão: coça, coça; isso é uma sarna, doença infecciosa cutânea vivente no homem e nos animais pela presença de ácaros sob a pele (chamada, também, escabiose). Há na pele uma aparência esbranquiçada. A pessoa é tudo isto: inoportuna, inconveniente, chata, maçante, maçadora.

“Come que nem uma lagarta”, porque a forma lavar do inseto é devoradora, em especial, de folhas, numa rapidez que, às vezes, foge ao olhar: de repente, já devorou tudo. A pessoa é comilona, come rápida e gulosamente; uma lagarta (come como esta). A taturana, a lagarta de fogo, é venenosa; não toque nela; pode matar por injetar um anticoagulante. Não escreva ou pronuncie largata.

Citemos metáforas cotidianas, talvez, tolas, mas muito usadas: É uma criança! Fique coelho! (‘queio’). Abra o olho. O cara é um jumento. Parece um asno. A mulher fala pura barbaridade. Fiquei de queixo caído. O mundo gira, mas não sai do lugar. A vida dura pouco, é passageira.

Analise com perspicácia a frase ‘Aquela mulher é uma cavala’. Cavala? Não se trata de um peixe. Não é a fêmea do cavalo (a égua). E o que seria? Assim como se diz que fulano é um asno, tão xucro quanto esse animal, embora seja dócil, para insinuar que o cidadão é grosseiro, rústico ou mal-educado, o sentido metafórico quer dizer que a mulher é bruta e/ou selvagem, tão indomável quanto uma potranca que ainda não foi domada. Se for chamada égua, teríamos um termo pejorativo, ofensivo, e pouco diria da má-educação da pessoa. Melhor, então, chamá-la de cavala, figuradamente, a mulher com atitudes de um cavalo xucro, que precisa ser domesticado. ‘Sua cavala, você não fala coisa com coisa, além de ser nojenta e mal-educada’.

O homem simples não usa metáforas eruditas ou literárias, como um poeta de estirpe nacional: “Eu vi o mar! Lírios de espuma” (Manuel Bandeira). As que usa, entretanto, têm sua abrangência filosófica e social que caracterizam o meio em que vive e os costumes da sua lida. “Só coloque o chapéu onde seu braço alcança”, que, além de conter uma bela prosopopeia (segunda parte), revela uma metáfora metonímica de elevado saber: como alcançar aquilo que se distanciou de seu espaço físico? Se o fizer, será um derrotado, por não poder provar o que é ou deseja.

De bom alvitre lembrar que nem tudo é metáfora, podendo ser comparação: se outro termo intermedeia o sentido do texto (se parece, se assemelha, é como etc.). Teu olhar se parece (com) uma labareda. Teu olhar se assemelha a uma labareda. Teu olhar é como uma labareda.

Nesses dizeres, há tão-somente comparação. Para ser metáfora, é preciso ser direto: Teu olhar é uma labareda. Tua vida é um inferno. Teu corpo é um santuário de beleza. Teu andar é o molejo que faz o homem perder o juízo.

Figuras que se parecem com metáforas: Durmo numa casinha ao pé da serra (catacrese). O mosquito morde ao menino. O mar beija meus pés (prosopopeias).

O falar simples não diria O menino é um rouxinol, mas explodiria numa metáfora rica de beleza cabocla: O menino é um canário da terra que trina.

A piada diz que a mulher era tão fina, mas tão fina, que seu vestido tinha uma listra só.

Tenho dito.