Sujeito simples, núcleo do sujeito, adjunto adnominal e algo mais

Edite-se este conceito: não é somente o analfabeto que comete erro de linguagem, não é somente o aprendiz que se engana com a flexão de um vocábulo, não é somente o locutor que comete gafe linguística, não é somente o ‘formado’ que se esquece de flexão nominal ou verbal. Todos enganamo-nos, inclusive a Gramática Normativa. Ao deslize no uso da Língua Portuguesa pode-se chamá-lo de ‘arranhadura gramatical’.

Este artigo será ovacionado por uns e abominado por outros. Não há ressentimento: ninguém consegue agradar a todos. Nélson Rodrigues, grande escritor e dramaturgo, profetizou: “Toda a unanimidade é burra”. Nem tanto ao pé da letra, mas quando todos atuam da mesma forma alguma coisa não vai bem, podendo-se dar com os burros n’água. Se um membro da manada se desgarra, pode cair no precipício. A vaca acaba indo para o brejo.

O economista norte-americano John Kenneth Galbraith (1908-2006) disse isto: “Em qualquer grande organização, é melhor estar errado com a maioria do que certo e sozinho”. Subtende-se que ‘grande organização’ seja grande empresa. Sua premissa também se aplicaria à Língua Portuguesa. Não é uma empresa, mas é uma organização secular. Destoar-se da maioria pode ser um risco. Este colunista não quer estar errado com a maioria, nem prefere estar certo sozinho. Numa visão cabocla, tem velado respeito ao analfabeto quanto ao uso do idioma e critica o falar de alguns que foram à escola por anos seguidos.

O contorcionismo é necessário para dar ênfase à introdução se foi falha ou não está a contento.

A Gramática Normativa, no campo da Sintaxe (‘sintasse‘, tentativa de pronúncia correta, já que alguns falam ‘síntaze‘ ou ‘sintácse‘), preceitua-nos que na oração de sujeito simples há, neste sintagma, ‘núcleo’ e ‘adjunto adnominal do sujeito’.

Começa o debate, com a divergência de que, se há sujeito simples acompanhado de determinante(s), busca-se o principal, que é o núcleo, e sobra o adjunto adnominal, que não pode ter essa qualificação por ser ‘adjunto adnominal do sujeito’, mas por ser adjunto adnominal do NÚCLEO do sujeito.

Tomemos o período simples ‘O menino dedicado estuda o texto de Português’. Sujeito simples: o menino dedicado. Predicado verbal: estuda o texto de Português. E vem a pergunta: qual o núcleo do sujeito? Resposta: menino. Os dois determinantes (o, dedicado) são termos acessórios, chamados pela NGB de ‘adjuntos adnominais do sujeito’.

Todas as Gramáticas Normativas explicam dessa mesma forma. Uma delas, boa gramática sem ser completa, dona de boa explicação e variedades de exercícios, que usei por algum tempo nos primeiros e segundos-anos do segundo grau no Colégio-Modelo Luís Eduardo Magalhães, unidade de Teixeira de Freitas, também se empaturra desse princípio. Não somente essa dinâmica obra usa essa qualificação, excelsa vênia, como outras, seguindo a Nomenclatura Gramatical Brasileira.

Diz o preceito: ‘Frase é todo comunicado dotado de significado’. Aprendemos isso, e está certo.

‘Homens na pista’, frase nominal cujo sentido não carece de explicações especiais. Acrescentemos mais dados: ‘Homens uniformizados trabalham na pista’ (o verbo corrobora para se dizer que se trata de frase verbal). Analisando esse enunciado, o professor o disseca para o jovem aprendiz desta maneira: há período simples; sujeito simples Homens uniformizados; predicado verbal trabalham na pista. Os núcleos são: do sujeito, ‘homens‘ ; do predicado, ‘trabalham‘ (predicado verbal). Restou ‘na pista‘, adjunto adverbial de lugar.

Ampliemos o leque da análise sintática. Se os termos que compõem o período simples já foram analisados, que classificação sintática daria a ‘uniformizados‘?

Seguindo o modelo de todas as gramáticas, como no período “O menino estava de pé no degrau da grande confeitaria” (Clarice Lispector), encontramos: sujeito – o menino; núcleo – menino; termo acessório – o. (A segunda parte é o predicado verbal.) Mas que termo acessório é? Adjunto adnominal, adjunto adverbial ou aposto? Como acompanha o sujeito e o qualifica, trata-se de ‘adjunto adnominal do sujeito’, diz o detalhamento sintático.

Como ‘adjunto adnominal do sujeito‘ se ele já faz parte do sujeito simples? Se o sujeito é o conjunto ‘o menino’, se o núcleo é ‘menino’, o termo acessório ‘o’ não pode ser adjunto adnominal ‘do sujeito’, mas adjunto adnominal ‘do núcleo do sujeito‘. Eis a questão.

É isso que diverge da lógica, essa é a discussão. Como simples professor, chamei a atenção da garotada, dizendo-lhe, modestamente, sem exigir que concordasse comigo, que se tratava de taxinomia gramatical passível de retificação: não adjunto adnominal do sujeito (do qual faz parte), mas adjunto adnominal do núcleo do sujeito.

Razão por que os grandes mestres, os honrados linguistas, os filólogos e outros autores vão condenar este comentário, que pode ser um descalabro, mas fica mantido: precisam os doutos rever a taxinomia usada na Gramática Normativa, incluídas as três áreas – a Fonética (e a Fonologia), a Morfologia e a Sintaxe.

Esta é a análise. Deixemos, porém, que outrem analise ‘O modesto camponês constrói linda casa, Os sinos eufóricos tocam para a missa, O alegre Manuel Benedito é homem de fibra’. O analista busca o sujeito e o predicado de cada enunciado; destaca, respectivamente, ‘o’ e ‘modesto’, ‘os’ e ‘eufóricos’, ‘o’ e ‘alegre’ como termos acessórios. Como os classificaria: adjuntos adnominais do sujeito (como reza a tradição gramatical) ou adjuntos adnominais ‘do núcleo‘ do sujeito, como vê este ‘insensato’ colunista? Eis a questão.  Essa é a intriga.

Pausa: o sotaque de grande parte de brasileiros é curioso: Esse cara é comelão (no lugar de comilão) para chamar o fulano de glutão ou ‘pegador’. Em se tratando de o falante ser pessoa letrada, respeite-se com louvor as pronúncias ‘melencia’ e ‘jinela’ do iletrado. Nada mais.