A vírgula é conhecida: sinal de pontuação ( , ) que marca uma pausa e serve para separar ou isolar palavras, grupos de palavras ou orações. ‘Pai, o senhor vai viajar?’, separando o vocativo. Na poesia, a interjeição, além de sua função enfática, pode substituir a vírgula: “Deus! Oh Deus! Onde estás que não me respondes!”, Castro Alves, o condoreiro, in Vozes d’África.
As informações sobre o uso da vírgula são abundantes, talvez, não sejam tão claras. Há muito que se diz que o uso da vírgula é essencial à clareza do texto. Todas as gramáticas trazem as regras sobre esse assunto relevante e um pouco polêmico.
Enumerar as regras não seria interessante; citar vários lapsos tornaria este comentário menos convidativo. Melhor a concentração em alguns casos.
Entretanto, antes de tudo, eis uma frase famigerada: “Um fazendeiro tinha um bezerro e a mãe do fazendeiro era também o pai do bezerro”. Em que lugar a pausa deve ser registrada?
Aguarde um instante. O fazendeiro era o dono de três reses.
A norma principal determina não se poder usar vírgula entre o sujeito e o verbo, mas muitos artigos, em via de regra, policiais e anúncios de órgãos públicos, usam.
Manchetes que primam pelo número elevado de palavras se atrapalham: “A Polícia Rodoviária Estadual de Turbante nesta data, comunica que fará blitze em toda sua área de atuação, no período da quaresma”. ‘Turbante’ não é nome de Estado. A ficção visa a não citar nomes.
Note a primeira vírgula, desnecessária, após o sujeito e antes do verbo. Retiremo-la: A Polícia Rodoviária Estadual de Turbante nesta data comunica que fará blitze em toda sua área de atuação, no período da quaresma.
A segunda, que separa um adjunto adverbial, poderia ser apenas enfática: como não é termo deslocado, não é necessária. Entretanto, a expressão intercalada ‘nesta data’ é que deve vir separada por duas vírgulas ou por uma se vier no início da frase. 1. A Polícia Rodoviária de Turbante, nesta data, comunica que fará blitze em toda sua de atuação no período da quaresma. 2. Nesta data, a Polícia Rodoviária de Turbante comunica que fará blitze em toda sua área de atuação no período da quaresma.
Encontra-se termo deslocado no início da frase com vírgula e sem vírgula, ficando clara a ausência de padrão na escrita. “Sob pressão do Congresso, Temer desfaz as maldades da Nova Previdência”. Se o redator preferir, usa-o intercalado, separado por duas vírgulas (mesmo que o período não seja longo): “Temer, sob pressão do Congresso, desfaz as maldades da Nova Previdência”. Vindo no final da frase, nenhuma vírgula deve ser usada: “Temer desfaz as maldades da Nova Previdência sob pressão do Congresso”.
O estilo do redator é que norteia o caminho nessas opções sem prejuízo da semântica. Sabe-se que, nessa escolha, tanto influi o uso da ordem direta como o da ordem indireta. ‘Quando vier, avise-me’. Chegando lá, eu lhe falo. Terminado o trabalho, sairemos’. Todas na ordem indireta. A vírgula deixa de existir na ordem direta: 1. Avise-me quando vier. 2. Eu lhe falo chegando lá (assim que chegar). 3. Sairemos terminado o trabalho.
Se o redator usa vírgula na frase “Sem ser percebido, ladrão entra em loja e furta”, o mesmo cuidado deve ter em outro momento (mas não o fez): “Por unanimidade o jovem foi eleito o líder do grupo”. Coloquemos a vírgula: “Por unanimidade, o jovem foi eleito o líder do grupo”. Tiremos a vírgula: “O jovem foi eleito o líder do grupo por unanimidade”. Usemos duas vírgulas se o termo está intercalado: “O jovem, por unanimidade, foi eleito o líder do grupo”.
Pode, ainda, surgir uma redação ruim cujas vírgulas são desnecessárias: “O jovem foi eleito, o líder do grupo, por unanimidade”.
Havendo dois verbos no mesmo contexto e diferentes os sujeitos, a primeira parte do enunciado deve ser separada da segunda: “Megassena acumula, e prêmio pode chegar a 100 milhões”.
Havendo dois verbos para o mesmo sujeito, a vírgula não pode ser usada: “Empresa se desculpa e mantém o passageiro em avião”. Entretanto, com nova semântica, a vírgula volta: “Empresa se engana, e passageiro é retirado de avião”.
Esse não é padrão seguido por alguns jornais, deixando dúvida ao leitor. Perceba mais: “Aluno é ofendido, e professor pode ser indiciado”.
Leia com atenção: 1. Motorista bêbedo que bateu carro e matou dois é solto. 2. Motorista bêbedo que bateu carro e matou dois, é solto. 3. Motorista bêbedo bateu carro, matou dois e é solto.
A segunda redação pode oferecer dúvidas.
Discuta: ‘Criança trabalhar não pode, mas criança fazer propagada pode’. Você acrescentaria uma vírgula? ‘Criança trabalhar não pode, mas criança fazer propaganda, pode?’ Para dar ênfase, sim.
Voltemos à frase inicial: ‘Um fazendeiro tinha um bezerro e a mãe, do fazendeiro era também o pai do bezerro‘. A única vírgula tem a finalidade de dizer isto: tinha um bezerro, a vaca (a mãe do bezerro) e o touro (o pai do bezerro), portanto, tinha três reses. No início, imaginamos, inocentemente, que ‘a mãe’ seria a genitora do fazendeiro, o que tornaria a frase ilógica.
Pausa: Sem-teto invadem prédio no centro da cidade. Por que o verbo no plural? ‘Sem-teto’ é uma expressão invariável, podendo ser usada tanto para o singular (invade) como para o plural (invadem). Sem-terra invade fazenda (um único sem-terra). Sem-terra invadem fazenda (os sem-terra ou vários sem-terra).
Divulgue-o se for de seu interesse. Leve-o para a sala de aula.