0

Curioso: Por que condenam usar ‘abobra’, mas usam à vontade ‘abobrinha’, se este é diminutivo daquele?

A linguagem popular, desculpada a licença poética, tem mais nuanças que a linguagem culta, incluída a erudita. A culta e a erudita são irmãs gêmeas cuja diferença da cor da face e/ou da altivez da estatura é tão pequena, que se assemelham em quase tudo, das palavras à semântica, do estilo ao uso dos termos gramaticais.

O idioma é rico, tão mutável, justamente por esses aspectos, pela riqueza vocabular, incluídos o regionalismo, a literatura de cordel (em se tratando do riquíssimo linguajar nordestino), a poesia, a dramaturgia. Lembramos a plenitude dos falares expressos em Sagarana e Grande Sertão: Veredas, do majestoso Guimarães Rosa, como não podemos esquecer Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto, Dalton Trevisan, Manuel Bandeira, Fernando Sabino etc.

Focando o uso de termos diminutivos em nosso dia a dia, a Gramática nos preceitua muitos exemplos, entre os quais os terminados em im, ito, eto, ulo, úsculo etc. Lajota, fortim, aselha, arteríola, cidadela, diabrete, chuvisco, lingueta, barbicha, vilela.

Podemos citar alguns exemplos: Zezito, curioso diminutivo de Zé, hipocorístico de José, assim como temos Zezé, de Maria José. Basta o leitor buscar as histórias na família dos apelidos usados, como Nininho, Ninha, Minzinho, Dorinha, um mundo deles terminados em inho(a) ou zinho(a).

Diminutivos registrados na Gramática Normativa nem sempre são usados no dia a dia, como corpúsculo, porciúncula, península.

Gostamos mesmo é dos mais escrachados, não os imorais ou pejorativos. Carinhosamente, cagãozinho, cagadinho (todo cagado, e não um pequeno cágado). ‘Espertinho’ é salutar, com vários sentidos.

Sapiente não é um diminutivo, mas adjetivo equivalente a sábio, muito sábio, e se o queremos usar de forma crítica, dizemos ‘sabidinho’, e não sábio, sapiente, erudito, culto, cultíssimo.

No cotidiano, prevalece a turma do inho, podendo estar seguido de z, os clãs zinho e zito, acompanhados de ete, ito, ote, daí termos em família: Zinha, Zito, Zita, e Jozita, a pequena Jó ou Jô, de Joelma, de Josefa, de Josélia etc.

Surgem vários, os mais criativos e diversificados, todos envolvendo a afetividade familiar.

Por favor, pare a leitura e cite alguns que você usa, ou são usados em sua região, na rua, no bar, no seio da família. Recordará muitos comparados aos ditos pela regra.

Vale muito a essência poética.

‘Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena’,

A frase emblemática do grande Fernando Pessoa.

Manuelito, preciso falar com você sobre aquele nosso negocinho da mulinha preta. Você ainda quer comprar?

Oi, Moisés, Seu Zezinho está em casa?

Não, Seu Joãozinho, mas ele é apelidado Zezito, e seu nome é José Correia da Cruz.

Esses diálogos variam de momento a momento e indicam a preciosidade dos falares regionais, o baianês, o mineirês, o gauchês (que adora uma ‘prenda’, a moçoila mais bonita do vilarejo).

Mocinha é o hipocorístico da senhora Maria Eudes Barbosa da Silva, que mora no distrito de Cachoeira Grande, no município de Jacobina, Bahia.

Em Nanuque, deve haver muitos desses nomes familiares, assim como minha família tem Ninha, Neta, Zome, Netinho, Minzinho, Inda (a que se parece com uma indígena, sinônimo do termo que agora veem como discriminatório, algo não bem explicado ou desnecessário).

Essa longa introduçãozinha, meio chatinha, mas imprescindível, para chegarmos ao topo da questiúncula: Por que dizem, prazerosamente, ‘abobrinha’, um diminutivo de ‘abobra’, que não aceitam, corruptela de abóbora?

Porque a coisa pega como moda, como hábito, como costume.

Abóbora está no dicionário com vasta significação, chegando a ser termo polissêmico e pejorativo. Seu abóbora, saia daqui!

Usamos mais é no sentido de uma planta, no aspecto popular. No fundo ‘profundo’ do termo, abóbora é o fruto da aboboreira, que pode formar o coletivo aboboral, assim como usamos canavial, cafezal, milharal.

Aboboral pode virar ‘abobral’, já que aboborinha, ou aboborazinha, é a ‘abobrinha’, mas fica feio usar ‘abobra’, que existe no popular, mas uma corruptela, a forma alterada de uma palavra, no caso de abóbora.

Corruptelas comuns:

Vixe, formada de Virgem Maria.

Corgo, que vem de córrego.

Você, vinda de Vossa Mercê, que deu Vosmercê, Vosmecê, Voncê (até chegar ao que usamos hoje como pronome normal, você).

Tataraneto, que vem de tetraneto; tataravô, de tetravô.

Os grandes linguistas dizem que a frase ‘Está sobre minha responsabilidade’ teria corruptela, já que o correto é ‘Está sob minha responsabilidade’ (está ‘debaixo’ de minhas ordens, e não ‘sobre’ minhas ordens).

‘Cônjugue’, grafia incorreta, que não é a forma verbal ‘conjugue’, é corruptela de ‘cônjuge’, e usar na Advocacia ‘a cônjuge’ seria um erro de linguagem forte; melhor dizer, na forma antiga, o varão ou a varoa; em linguagem mais clara, ou atual, o cônjuge, apenas; se for preciso evitar dúvida, mesmo sendo redundância, o cônjuge masculino, o cônjuge feminino.

Para não dizermos que houve erro de flexão verbal na frase ‘Ele pode vim amanhã’ (Ele pode vir amanhã, deve vir…), para suavizar, podemos dizer que houve corruptela, ou que a frase ‘errada’ contém corruptela.

‘Previlégio’ é corruptela de ‘privilégio’, e daí devemos usar privilegiar, privilegiado, e não outra grafia ou pronúncia.

O famigerado adjetivo ‘cabisbaixo’ é corruptela de cabeça baixa. Lembre que usamos petróleo, formado de pedra+óleo; planalto, de plano+alto; fidalgo, de filho+algo. Falam os doutos que o sobrenome Fonseca vem da expressão fonte+seca. (São aglutinações.)

Explique agora o que você sabe sobre as palavras vinagre, pernilongo, pernalonga, aguardente, aqueloutro, anteontem (antes de ontem?).

Oportuno lembrar que alguém pode crer que a frase ‘Ele não creu em mim’ está errada, ou teria corruptela, mas está de acordo com a norma gramatical.

O verbo crer no pretérito perfeito do indicativo é: eu cri, tu creste, ele creu, nós cremos, vós crestes, eles creram.

Estranho dizer ‘Ele crêo neu’, mas no barzinho vale, pelo menos, como gozação. Uma corruptela satírica, irônica, mas aceitável.

‘Imexível’, que pode não estar no dicionário, é adjetivo correto, com grafia e significado, usado que foi por um Ministro do Trabalho de épocas idas, muito criticado no então, mas foi correto, e o é, ainda hoje. Imexível, imarcescível, imutável, imódico, imoral.

Não seria fácil, de imediato, se entender corruptela, mas existem muitas, que acabam formando novas palavras e expressões, como o caso de abobrinha.

Para fechar, explica-se que a frase ‘A cor do burro quando foge’ deve ser, simplesmente, esta: Corra do burro quando foge.

Não é você que foge, mas é você que corre do burro quando ele foge, que sai arrebentando tudo, até cercas, e se fica alguém à sua frente, pode levar no mínimo um coice arretado. Assim, deixa de ser corruptela.

Nada mais. Obrigado.

 

 

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *