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Me traz aí uma ‘tora’ dessa delícia, expressou-se o neto ao sentir o cheiro gostoso do bolo da vovó

Esse ‘traz’, que deveria ser traga, em Traga-me, ou Tragam-me, é o imperativo da linguagem coloquial, popular no dia a dia de cada um de nós, sem a preocupação de seguir normas gramaticais.

Além do imperativo desobediente, a regra diz para não se iniciar a frase com o pronome oblíquo, in casu, ‘me’.

O desvio à norma é ótimo, um momento de desconcentração.

Alívio, maneira de falar rasgada, sem ofender a beltrano, fulano ou sicrano, vocábulos que podemos usar.

Quem é beltrano? Não sabemos. Qualquer um, daqui ou de alhures.

Quem é fulano? Não se sabe. Pode ser um daqui, de longe ou de além-mar.

Quem é sicrano? Cara, alguém que disse que o bolo da vovó não era supimpa, e ele nem sabe fazer a metade do que vovó faz. O bolo solado da vovó é uma prenda da culinária, e alguém precisa aprender as melhores receitas caseiras de nossas ancestrais.

Resta o comentário sobre a linguagem coloquial, que flui como água de riacho descendo a encosta na Chapada Diamantina, em direção a Morro do Chapéu, cerca de 108 km depois de Jacobina, pela BA 144.

Vá lá, que (você) verá a escultura da Natureza depois da Serra do Tombador, o panorama deslumbrante.

Seus ‘zoios’ vão encher d’água, e fazê-lo chorar nesse momento poético, que não faz mal a ninguém, muito menos a fulano, beltrano ou sicrano.

Me fala aí o que pensa, que nós ‘escreve’ aqui.

‘Terta, estou certo ou errado?’

A famosa propaganda “Faz um 21” (sic), usada na TV de tempos idos, usa o imperativo cotidiano, em desacordo à norma culta, ditada pela Gramática Normativa, que quer uma linguagem erudita, a que também se pode chamar escorreita, mas longe de acontecer no modus coloquial, que teria motivado exemplos atuais.

Ou vice-versa: a frase apelativa do know-how propagandístico, talvez, se baseou no linguajar cotidiano para aproximar o ouvinte, o leitor, por isso, a frase emblemática.

Seguindo a regra gramatical, poderia ter sido uma das duas formas:

Faça um 21 (o tratamento é o da pessoa você).

Faze um 21 (o tratamento é o da pessoa tu).

O criador da mensagem, com bases sólidas na vivência popular, não seguiu a gramática, e tascou lá sua liberdade de expressão, que tem sido muito usada nas mensagens de produtos que vemos em textos falados e escritos.

Se liga, meu amigo, que vem coisa boa por aí!

Este um enunciado similar aos que usam nas mensagens propagandísticas.

Formas imperativas cotidianas nos mostram quão familiares eles o são.

Me dá (dê) um cafezinho, por favor.

Me passa o molho de tomate.

Me avisa quando é que você vai.

Do mesmo naipe coloquial, exemplos de frases que começam com o pronome oblíquo, mas não causam dano nenhum. Por outro lado, são salutares e espontâneas.

Nos trouxe até aqui sem cobrar nada.

Nos deu uma carona na hora certa.

Te vi passar na rua ontem.

Esse o nosso dia a dia da linguagem falada, simples, sem pabulagem, que nos leva à boa comunicação de que precisamos para nos relacionarmos.

Muito bom esse comportamento.

Se quisermos analisar gramaticalmente um exemplo notório do uso do imperativo, podemos citar a frase ‘Vai verificando aí a sua aposta’, ouvida em um vídeo.

A frase comunica? Sim.

A frase segue a norma gramatical? Não.

Como poderia ser? Teria mais de uma opção, se seguir a regra? Sim.

Então, vejamos.

verificando aí a sua aposta.

O tratamento na pessoa você, que é popular, usa a forma do presente do subjuntivo, isto é, as pessoas você, nós e vocês, no imperativo afirmativo, são derivadas do presente do subjuntivo.

O verbo ir no presente do subjuntivo: que eu vá, que tu vás, que você (ele, ela) vá, que nós vamos, que vós vades, que eles, elas (vocês) vão.

Puxemos as pessoas você, nós, vocês: Vá (você), vamos (nós), vão (vocês).

Se quisermos mudar a pessoa verbal da frase verificando aí a sua aposta para nós e vocês, teremos: Vamos verificando aí as nossas apostas. Vão verificando aí as suas apostas (Vão verificando aí as apostas de vocês).

E de onde vêm as formas verbais do imperativo afirmativo para as pessoas tu e vós? O verbo é conjugado no presente do indicativo, e a seguir são retiradas as desinências verbais dessas pessoas.

O verbo ir no presente do indicativo: eu vou, tu vais, ele (ela, você) vai, nós vamos, vós ides, eles vão.

Vais e ides, então, perdem a desinência S, ficando vai (tu), ide (vós).

Vai verificando aí a tua aposta (forma gramatical, que obedece ao uso do verbo e do respectivo pronome da pessoa tu).

Ide verificando aí a vossa aposta (mesmo critério acima).

Mas essa escrita, esse uso e esse modo de proceder, ao se redigir um texto, nem sempre são seguidos, por serem clássicos, com pouca espontaneidade, motivo de serem desprezados na linguagem popular.

Por isso, alguma frase no imperativo pode conter certa desobediência gramatical, como é o caso acima.

Vai não combina com sua.

combina com sua.

não não combina com tua.

Tua combina com vai.

Ficou difícil entender essa lógica?

Simples. Volte e veja as frases:

conferindo aí a sua aposta (pessoa você).

Vai conferindo aí a tua aposta (pessoa tu).

Por que essa justificativa?

Porque a frase Vai conferindo aí a sua aposta mistura as pessoas verbais tu e você, não seguindo a Uniformidade de Tratamento, pedida pela Gramática Normativa.

A frase ‘Vem pra cá você também’ é um exemplo clássico dessa mescla, que se tornou popular no dia a dia.

Pela regra gramatical, a frase tem duas alternativas:

Venha pra cá você também (pessoa você, venha você).

Vem pra cá tu também (pessoa tu, vem tu).

Qual você usaria?

A linguagem da propaganda nem sempre segue regras gramaticais, por isso, frases com liberdade de expressão.

Fica assim hoje.

Obrigado.

 

 

 

 

João Carlos de Oliveira

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