Não é demais repetir que a linguagem tem suas nuanças curiosas.
A popular, então, por seus vários vieses, é muito interessante nesse aspecto.
Não temos que nos espantar por isso e/ou com isso.
Não temos que ficar admirados, achando estranho o uso de certo vocábulo com aspecto arcaico nem dizermos que se trata de linguagem enviesada, sem nenhum valor expressivo.
O regionalismo da linguagem é rico, múltiplo, por isso, nossa admiração pela sua semântica multifacetada.
Neste momento, vem-nos à telha falarmos de alguns termos pouco usados, hodiernamente, na área da linguagem culta, mas que ainda se mantêm vivos no veio popular, em se tratando do foco interiorano.
Daí, esse registro ‘baixo e atarracado’, que tem o sinônimo de ‘parrudo’.
Para mim, são bem-vindos.
Houve uma fase na minha infância em que seria comum chamar um menino de ‘atarracado’, por ser ‘de pequena estatura e robusto’.
Um colega tinha o ‘pilido’ (apelido) de Parrudo. O cara era forte.
Está no léxico com o significado de ‘baixo e grosso’. Baixo não de vil; grosso não de maleducado. Tomemos o cuidado de não generalizar os significados de adjetivos e substantivos, já que alguém os pode ser, mas outros não.
Atarracado é o cara achaparrado, o mesmo que ‘similar a chaparro’, isto é, algo pequeno e tortuoso, pois (admire!) chaparro é uma árvore pequena, tortuosa, resistente ao tempo, que suporta intempéries.
O atarracado é também chamado de ‘parrudo’.
Exatamente, baixo e grosso (o mesmo que atarracado).
São dois sinônimos, que costumam usar, simultaneamente, para a mesma pessoa. Curioso isso, não?
O parrudo é algo rasteiro como ‘parras’, as folhas da videira, que são geralmente arredondadas ou ovaladas.
Outro dicionário diz que atarracado, no sentido denotativo, é apertado, arrochado.
Então, um cômodo (um quarto, uma sala, um boteco) pode ser atarracado, isto é, apertado.
Um parafuso está atarracado, isto é, apertado, arrochado.
No sentido conotativo, atarracado é um indivíduo baixo e musculoso (forte como um garrote robusto).
Lendo uma obra de cunho espírita, com poemas vários, trasladados de desencarnados, e até esse livro cita o nosso querido Tomás Antônio Gonzaga, com sua famosa Marília de Dirceu, denominados com nomes outros, pseudônimos do Arauto Espiritual, encontrei-os. A citação é da autora da obra, inclusive, difícil para ser entendida e analisada.
“O homenzinho, baixo e atarracado, pareceu titubear um instante” (sic), diz o texto.
Um bom dicionário que consulto não registra o termo ‘parrudo’. Outro, sim, e diz que se trata de ‘rasteiro como as parras’. Figuradamente, o que é baixo e grosso. Pejorativamente, que foi a alcunha dada ao indivíduo português (quando chegou ao Brasil no início do chamado ‘Descobrimento’, ou muito tempo depois, uma vez que tivemos a leva de imigrantes portugueses em diversas regiões de todo o Brasil).
Significa que devemos ter cautela para entendermos essas definições.
No fundo, atarracado e parrudo são a mesma coisa.
Baixinho e troncudo; baixo e forte; de pequena estatura e robusto; pequeno e musculoso.
Vamos devagar!
Trata-se de um hábito de usar dois termos simultaneamente para uma mesma definição.
Analise, agora, se você já viu e ouviu alguém dizer que fulano é ‘clemente e misericordioso’, momento em que um termo é sinônimo do outro.
Assim, usamos trôpego e trêmulo; valente e corajoso; teimoso e obstinado.
Cite os casos que você conhece, se os acha curiosos e interessantes.
Com relação a almas citadas na obra, que habitam outro mundo, onde estão mesmo? Onde fica esse ‘planeta’?
Podemos perguntar: que lugar os mortos habitam?
Um conhecido meu, que pratica a ‘seita de Allan Kardec’, diz que as almas estão no Planeta Capela, expiando suas culpas, que voltarão a encarnar pessoas com boa ou má índole aqui na Terra, defendendo que todos os fatos que nos envolvem (acidentes, mortes, homicídios diversos) são o resultado de atos anteriores, que uma criança já pode nascer com a índole do bem ou do mal, o que lhe acontece é proveniente de sua origem, que o criminoso não tem culpa pelo que faz, que ele está cumprindo sua predestinação.
Outros já argumentam que almas (boas) estariam ao lado direito de Deus, e não citam o lado esquerdo.
Esse mundo espiritual abrange muitos outros planetas, cujos nomes são conhecidos.
Não duvido disso, não assino embaixo, nem desrespeito. A forma de como vemos esse aspecto é algo de elevadíssima profundidade, e este escriba não tem a capacidade de discernir amiúde esses detalhes.
Quanto ao modo de falarmos, não podemos alijar a linguagem alheia, em especial, a popular; deixemo-la fluir, mas que tem beleza, tem, de sobra, por ser espontânea, diferente de outra, forçada ou inventiva, plena de cacoete, como o exemplo ‘tipo assim’, às vezes, usado como se fosse charme ou destaque.
Não seria um vício arraigado, mesmo sendo jovem o falante, que não se atém ao conhecimento dos pleonasmos, dos vícios de linguagem e de outros males que fluem como ‘sabões no piso molhado’?
Para fechar este comentário, tenho o exemplo engraçado de uma pessoa que não diz ‘impaciência’, mas ‘desimpaciência’, para dizer que alguém não tem paciência.
Vale o uso popular, mas o termo dela é o oposto duas vezes de paciência: des-im-paciência. Resta historiarmos como foi que a linguagem, na sua visão ou na sua convivência familiar, lhe ofereceu esse antônimo.
Não duvide de pronúncias e grafias. Um artigo (desculpe isto: leio em média 1o por dia) diz que fulano famoso foi tomar um ‘báinho’ (sic), com esse i a mais e o acento agudo.
Sabemos das grafias rebanho, castanho, estanho, estranho, langanho, tamanho etc., e de formas verbais (apanho, abocanho, ganho). A grafia citada não é regra; apenas, uma variante da pronúncia.
Conhecemos a grafia cãibra, mas há quem use ‘câimbra’, o que parece desproporcional.
Ráio, e não raio.
Mágua, e não mágoa, mesmo que se trate de variante regional. A pronúncia dessa forma é que é inevitável.
E a forma verbal? Ele magoa as pessoas.
Ma-go-a (verbo). Má-goa (substantivo).
O que se aprende na tradição da oralidade vai além de nossos olhares simplórios. E devemos respeitar a aprendizagem de ‘pai para filho’. A ancestralidade nos dá muitos ensinamentos.
Um professor de Cachoeira Grande, belo Distrito de Jacobina, Bahia, nos manda a mensagem dizendo que o tempo estava ‘encapotado’, isto é, nublado.
Ótimo, professor! Supimpa sua expressão. O tempo está de capote, ele mesmo sentido frio, pela nuvens que o cobrem.
Dizemos que o tempo está suave, a brisa está maneira, o Sol ardente, o Verão convidativo. Assim, podemos dizer que o tempo está vestido de um sobretudo imenso, de um capote, por isso, encapotado.
Viva, professor! Um abraço.
Obrigado por ter chegado ao fim deste festival de comparações.