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‘Aluguer’ é palavra correta? Seria estranha a frase “Não tenho como pagar o aluguer este mês”?

À primeira vista, parece grafia incorreta. A priori, seria considerada regionalismo típico de pessoa sem conhecimento linguístico, cuja pronúncia seria inadequada.

Mas não se trata disso: aluguer é variante gráfica (corretíssima) do substantivo aluguel (locação, arrendamento). Existe aluguel de bicicletas para passeio no parque.

O dicionário explica que aluguer se origina de alugar ‘cruzado’ com alquiler e assimilação. E o que é ‘alquiler’? Como professor de Língua Portuguesa por muitos anos, jamais usei esse vocábulo e não o conheci nos diversos cursos no trajeto de minha vida pregressa como pessoa dedicada ao ensino da língua pátria. Mas os compêndios modernos, muito mais informativos, explicam desta maneira: ‘alquiler‘ vem do Árabe al-kirâ, que seria ‘o preço do aluguel ou arrendamento de uma coisa’. Variante ‘alquilé‘, aportuguesada foneticamente. Quanto aos vocábulos que formam nosso idioma, sabe-se que alugar vem do Latim ‘locare’, acrescido o prefixo ‘a’, dando origem a uma vasta família etimológica: alocar, aluguel, locar, locação, locadora; alugação, alugada, alugado, alugador, alugamento.

Nosso falar informal pouco distingue a terminação de um vocábulo em ‘é’ e ‘er’, daí termos alquilé e alquiler. Chofer, do Francês chauffeur, aparece com a pronúncia ‘chofé’. Alguns até estranhariam o plural choferes. Aliás, ‘chauffeur’ significa aquecedor, mas para nós é motorista, condutor de veículo.

Por isso, paralelamente, existem ‘aluguel’ e ‘aluguer’. A grafia em ‘er’, ao que parece, teria sido a predominante em priscas eras da Língua Portuguesa, hodiernamente, uma jovem senhora em plena evolução, cujo nível será melhor no futuro, por ser rica e dinâmica. Não poderá ser de outra forma.

Buscando um paralelo para nossos dias, em se tratando do falar regional, em toda a sua coloquialidade, há quem use ‘Manel’ para Manuel ou Manoel, e, na sequência, o nome afetivo Mané (corruptela), que se torna adjetivo em alguns momentos: Seu mané (tolo, bobo)! Até nome de passarinho gerou, ‘mané-meu-besta, ave da caatinga, cuja característica é definida pela semântica de seu semblante: simplório, de olhar humilde, que cai na armadilha com facilidade ‘É um mané’. Coitado! Outros verbetes: mané-chique-chique, mané-coco, mané-do-jacá, mané-gostoso, mané-magro, mané-mole.

Retornando ao vocábulo ‘alquiler’, dele temos alquilador, aquele que aluga (dono do imóvel, locador, oposto a locatário). Alquilar se torna alugar. No Direito, existe alquilaria, contrato de aluguel de animais.

Boné, do Francês bonnet, para alguns, passa a ser ‘bonel’ na linguagem coloquial. Essa pronúncia não é incomum, basta que se ‘ouça’ com atenção a fala corrente em locais populares. Não há espanto para esse fenômeno linguístico se outrem, na linguagem culta, usaria ‘Os troféis foram entregues aos vencedores’. ‘Troféus’ soaria adverso já que existem ‘os bordéis, os capitéis, os corcéis, os coronéis, os mil-réis’.

Conversando com uma jovem iniciante no estudo mais ‘duro’ da Língua Portuguesa, como ela define, já que não domina muito bem o assunto, diz que sua avó usa com abundância ‘alugué’, pronúncia bem açucarada, e, por vir de pessoa com bom conhecimento, considera (sem saber explicar) pronúncia e grafia corretas, razão por que a ancianidade (que palavra chique!) deve ser respeitada. A aprendizagem de sua avó provém da tradicional conversa em família.

Admitamos a pronúncia ‘alugué’, mas a grafia certa é aluguer, cujo plural, pela regra (alugueres), não seria de fácil assimilação em virtude da tradição fincada em solo costumeiro por aluguel e seu plural aluguéis. Se o cidadão não tiver pleno domínio de pluralização e não conhecer alguns aspectos da nossa teoria gramatical, duvidará de flexões como choferes, alugueres, assim como contêineres, zíperes, faquires, hambúrgueres. Dominam tão-somente ‘prazeres’ tradicionais da linguagem simples.

‘Quanto você paga, Jaci, pelo aluguer do apartamento onde mora no condomínio de luxo?’ Jaci é jovem recém-casado, acostumando a usar aluguel, e, certamente, estranharia esse ‘novo’ termo.

Fica o registro: aluguel, tradicional, e aluguer, variante correta. Use-os seguramente.

Pausa: 1. Descanso tem aparecido como descanço. Basta que se treine ‘cansado, descansado, descansar’ etc. para se chegar à conclusão de que houve erro de grafia. 2. “Quem não se lembra de o ovo?“, forma grafada num comentário sobre vantagens e desvantagens do glúten. (Um laticínio chegou a registrar ‘não contém gúlten’, que se deduz como erro de digitação, mas faltou um bom revisor.) Pode haver ‘de o ovo’? Havendo verbo sequente, sim. Quem não se lembra de o ovo ter sido um vilão? A frase acima seria apenas ‘quem não se lembra do ovo’? 3. A palavra bunda, muito versátil, tem sinônimos e significados diversos, todos curiosos: as nádegas, as cadeiras, as ancas, os quadris, o traseiro, o derrière (do Francês), o bumbum. ‘É uma paixão nacional’: quem não tem bunda não se destaca. 4. Se o Direito preconiza razões, por que há o dever de se respeitar o direito de o vizinho usar som alto em apartamento, e o vizinho violador do direito alheio não respeita o direito de outrem em não querer ouvir seu som em altos decibéis? Uma loja expõe em faixa ‘Respeite o limite de velocidade’, mas estaciona ou deixa estacionar veículo na calçada, obstruindo a acessibilidade do transeunte. Estranho, não?

Fica dito. O que comentarei no próximo artigo?

 

João Carlos de Oliveira

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