Admiro, poeticamente, termos regionais e brasileirismos. São interessantes e têm semântica curiosa. O baianês, o mineirês, o carioquês, o gauchês – ricos e múltiplos. É bom conhecê-los e admirá-los. Todo esse ‘ês’ traz variada aprendizagem linguística, com ressalva para o internetês.
O que é ‘pachorrento’? Seja paciente. A resposta está no final do comentário.
Muitos desses termos tornam-se obsoletos, verdadeiros arcaísmos, porque a grande maioria se recusa a usá-los. Fazem parte do linguajar da gente miúda, os capiaus, caipiras ou tabaréus. Gente ‘grande’ não usa ‘Seu orelha seca’, conforme me ensinou o amigo e contador Abelino Júnior: ‘orêa sêca’, como fala o nordestino (ele diz), é pessoa sem cultura. A linguagem culta usa ‘apedeuta’. Diferença gritante entre a expressão regional e o termo de origem grega.
Oxente! Visse, seu bobalhão!
Ximbica – espécie de jogo de cartas, muito usado em SP. Na pilhéria do Nordeste, é o filhote de cadela.
Xibiu – diamante pequeno usado para cortar. Com a variante xibio, é termo chulo – a vulva. Pode ser caramelo artesanal muito gostoso.
Fulo – chateado, aborrecido. Indica que o ofendido está pronto para a contenda. Etimologicamente, vem do termo latino ‘fulvus’, amarelado, qualidade de alguém furioso, enraivecido. ‘Ele está fulo da vida com você pelo que falou dele’.
Tartufo – nome de um rei, que, de tão enganador, originou esse adjetivo com o sinônimo de ‘falso devoto, hipócrita, impostor’. Tão usado, gerou tartufice, tartuficar, tartuficador, tartufismo, tartufista, tartufizar, assim como já usamos ‘malufar, malufismo’. Já comentei que herdamos de Cerveró o risco de o Brasil cair na ‘cerveroíce’ ou ‘cerveroísmo’. Cuidado! Há um cheiro de ‘trumpismo’ no ar!
Bufão – não se trata de quem solta elevado número de ‘puns’, nada tem a ver com ‘ventosidade’; indica a personagem grotesca que os reis mantinham a seu redor para diverti-los (a si mesmos). O bufão foi o bobo da corte. ‘Você é do tempo dos bufões?’
Tribufu – nome pejorativo para indicar mulher feia ou malvestida. Em MG, com a variante ‘trubufu’, seria a pessoa de pele muito escura. Ainda bem que está em desuso.
Mandrião – aquele que é preguiçoso ou indolente. Feminino, mandriã. Case-se com uma mandriã, que você vai ver o resultado!
Cabrocha – jovem mestiça de pele azeitonada e face muito bonita. A cabrocha deixa o solteiro com apetite de casar-se com ela.
Correão – o mesmo que cinto (correia grande), rústico e enorme feito de couro, muito usado pelo homem simples. ‘Pega o correão (‘currião’) e dá uma sova nesse moleque, que ele (se) conserta’; apenas, uma referência para ilustrar o texto. ‘Essa educação’ não cabe mais no mundo atual.
Pichorra (^) – lassidão, preguiça. Conta Monteiro Lobato (in ‘Urupês’?) que o caboclo morava numa tapera, verdadeiro pardieiro. Chovia. A esposa alega que há pingueira na casa. O marido pede que mude a cama de lugar, e ela diz que já tinha mudado várias vezes. Ele argumenta – ‘bote lá fora’. Preguiçoso; verdadeiro pichorra.
Zambeta – pessoa com defeito físico nas pernas. Foi muito usado para indicar a deficiência nos membros inferiores. Numa cidade, havia uma senhora chamada ‘fulana perna de fuso’ por ter os calcanhares que se tocavam. Era zambeta (cambaia, zambra).
Bazófia – papo-furado. Indica a fanfarrice, o ato de vangloriar a si mesmo. Seria o sinônimo do chamado ‘prosa ruim’ (‘rúim‘, na pronúncia regional de muitos).
Abduzido – afastado, separado, raptado; indica, supostamente, o humano raptado por um etê. ‘Maneiro’, cara! Tô doidinho para ser abduzido! Tomara!
Zarolho – aquele a que a oftalmologia chama de estrábico; o popular diz caolho, vesgo, ou ‘zói torto’. Os termos, semanticamente, entrelaçam-se: zarolho, estrábico, vesgo, caolho (não exatamente nessa ordem). Um cidadão, com esse defeito visual, é chamado de ‘Caoio’, o que acha normal, de tão familiar que se tornou seu apelido. Ele sorri quando é chamado. O caolho pode ser o cego de um olho.
Taxidermista – profissional que empalha animais. Nanuque teve um Código de Postura do Município que contemplava a taxidermia. Certa feita, tive que defini-lo para um cidadão, que pensava se tratar de profissional como o taxista (Fui secretário do Município em 1978.)
Pachorrento – aquele que tem pachorra: preguiça, lentidão. Anda devagar, é uma lesma. A fábula de Esopo, o grego, recontada por La Fontaine, o francês, diz que a lebre e o cágado marcaram uma corrida (minimaratona). A lebre, ligeira e vaidosa, deixou-se descansar por um tempo debaixo de frondosa árvore. E dormiu. O cágado, vagaroso, no seu caminhar seguro e constante, passou por ela, sem ambos se perceberem. Após acordar, a lebre chegou a seu destino, mas o cágado já tinha cruzado a linha da vitória. Moral: devagar, vai-se ao longe.
É preferível ser pachorrento a ser o apressado que causa acidente no trânsito. O apressado come cru.
(Gostou?) João Carlos de Oliveira.