Ex-aluno Denys, grande empresário no ramo de alimentos naturais (leia-se o empreendedor de A Nativa), fez a consulta: “A palavra tapiocaria tem acento agudo?” O dicionário registra ‘tapioca’; como derivado, tapiocaria não está registrado na maioria. Ele está certo: a pronúncia correta é ta-pi-o-ca-ri-a ou ta-pi-o-cá-ria? Não estranhe: temos autópsia e autopsia, necropsia e necrópsia, ortoépia e ortoepia, Oceânia e Oceania, entre outras.
A resposta não pode ser imediata, dizendo que tem, que não tem. Didaticamente, o professor busca um nexo que conduza o consulente a pensar: “Compare hotelaria com culinária”: a primeira tem 5 sílabas (ho-te-la-ri-a), um hiato (i-a), é paroxítona; a segunda tem 4 sílabas (cu-li-ná-ria), um ditongo crescente (ia, que não deve ser separado) e também é paroxítona.
As terminações ARIA e ÁRIA, contendo hiato e ditongo, respectivamente, confundem muita gente. É importante observar a pronúncia e ‘localizar’ a sílaba tônica, dedução linguisticamente lógica para conduzir o pensante a decidir sozinho se coloca o acento, confrontando o termo que oferece dúvida com outro conhecido – de um lado, o não-acentuado, e de outro, o acentuado (graficamente).
‘Aria‘, sufixo de origem latina, designa oficina (serralheria), estabelecimento (chapelaria, capotaria), lugar (secretaria), coleção (serrania), indústria (saboaria), conjunto (hotelaria), entre outras.
‘Ária‘, também sufixo, caracteriza vocábulos formados de substantivos: diária (dia, diário), urticária (urtiga), secretária (secretaria, secretário), culinária (culinário).
Formações sufixais facilmente confundidas nos compêndios especializados.
Esse diferencial nos conduz a mais exemplos: marcenaria, relojoaria, bilheteria, ourivesaria, pedraria, marmoraria, livraria. Citemos palavras cujo hiato seja precedido de consoante que não o R dos exemplos dados: ortopedia, filantropia, melancia, filosofia, liturgia, geometria, economia. Bastam por si sós: todas contêm hiato no seu final e são paroxítonas (por isso, não levam acento gráfico). Não se justifica em hipermercado haver cartaz com a grafia “melância“. A sílaba acentuada deve ser forte, e como não é pronunciada dessa forma (mas me-lan-ci-a), não pode ter o circunflexo.
Vocábulos que fariam parte da segunda relação: urticária, malária, milionária, Januária (nome próprio), glória, história, séria (adjetivo feminino singular). Vocábulos que possuem ditongo crescente precedido de consoante que não R (por isso, também, são acentuados graficamente): ciência, Crescência, dormência; podemos passar de ia para io, até eo: vilipêndio, incêndio, ódio, precipício, furdúncio, vício, córneo, cetáceo etc.
A regra é simples: acentuam-se os vocábulos paroxítonos terminados em L: fértil, amável; N: abdômen, Nélson; NS: íons, nêutrons; R: fêmur, zíper; X: ônix, Félix; PS: fórceps, bíceps; Ã(S): órfã(s), ímã(s); ÃO(S): órgão(s), bênção(s); I(S); táxi(s), tênis, lápis, íris, Ísis; U(S): vírus, bônus, ônus, lótus; UM: álbum, médium; UNS: álbuns, médiuns; ditongos crescentes orais (seguidos ou não de S): páscoa(s), glória(s), córneo, récua, água, anágua, régua, série(s), notório(s); ditongos decrescentes fechados: túneis, amáveis, fáceis, difíceis.
Segue essa regra: beribéri (doença por avitaminose). Nomes próprios paroxítonos requerem cuidado: Quéops (dissilábica), Cecília, Hortênsia, Urândi (mesmo que haja Urandi), Sófia, Quílion.
Perderam o acento gráfico (a pronúncia continua a mesma) as palavras terminadas em OO, mesmo que sejam formas verbais: voo, abençoo, perdoo, amaldiçoo.
Como exceção à regra, não se acentuam os prefixos terminados em I e R: semiaberto, semisselvagem, semi-industrial, arquimilionário, arqui-inimigo, super-homem, super-resolvido, intervocabular, interoracional, interposto, intersexual, supersônico.
Os paroxítonos terminados em ditongo decrescente nasal representado graficamente por EM e ENS não recebem acento: item, itens, hifens, falem, comem, digam. Atenção: hífen é acentuado por terminar em N, como pólen, glúten; no plural, perdem o acento agudo (hifens, polens). Os vocábulos nêutrons, íons, prótons têm acento gráfico, que é diacrítico, para evitar que sejam pronunciados como oxítonos.
A grafia glútens, como alguns usam, está recebendo acento indevidamente. Não seria cabível que fosse pronunciado glu-téns; logo, segue o mesmo critério de itens, hifens, polens; por isso, no bom Português, glutens. Não confunda com glúteo, glúteos (nádega, nádegas). Admite-se a variante glute, glutes.
Após esse derrame de palavras, fica claro que o vocábulo terminado em hiato (tapiocaria), assim como se pronuncia fa-ri-a, di-ri-a, te-o-ri-a, pro-fi-la-xi-a, u-to-pi-a, vi-a (como rua, sua, nua), não deve ser acentuado graficamente.
Pesquisei, pensei, demorei e sofri, mas terminei.
Uma pausa: cidadão diz ao outro que fez ‘duas viage’ (sic), enquanto outro pronuncia ‘trevessar a rua’; e adiante o locutor de carro de som diz sonoramente ‘o melhor restorante da cidade’. Concluímos, pois, que não existe erro se o analfabeto disser que está com ‘sodade’ (de seus familiares).
Chama-nos a atenção o fato de um anúncio usar ‘apartir de’ (no lugar de ‘a partir de’, como ‘a começar de’). Ainda nos preocupa a frase ‘Aluga-se kitnet’, podendo entender que há ‘um kit da internet para ser alugado’. Não concorda? A palavra inglesa ‘kitchenette‘ – pequena copa-cozinha (geralmente, em apartamento) – é que nos dá QUITINETE. Bem simples.
Teixeira de Freitas, BA, 22 de fevereiro de 2017.