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A cerca de ou acerca de? Semanticamente, o que dizem essas expressões?

É locução prepositiva ou adverbial? A adverbial, comumente, começa por uma preposição seguida de substantivo, adjetivo ou advérbio. Nesse caso, deveria ser ‘Ele falou a cerca de você’. Como, semanticamente, equivale a ‘sobre, relativo a’, trata-se de locução prepositiva (conjunto de duas ou mais palavras com o valor de preposição). Ele falou acerca de você. A locução prepositiva termina sempre por uma preposição: abaixo de, a fim de, de acordo com, junto de.

Locuções prepositivas oferecem dificuldade de uso, e não seria somente para os comuns. De quando em vez, são encontradas, em grandes obras, diferentes maneiras de serem usados esses conjuntos de palavras. Doutos linguistas e gramáticos renomados mostram esses casos e recomendam cautela.

Olá, meu amigo Paixão, tento agora escrevinhar algumas linhas que norteiem o bom uso de ‘cerca de, acerca de‘, e do próprio substantivo ‘cerca‘. Tire bom proveito. Estudioso que é, tem enorme preocupação com os ‘maus-tratos’ cometidos contra nossa Flor do Lácio (Olavo Bilac). Obrigado por me acompanhar neste ‘sítio’, não o rico, com pomar frutuoso, mas que seja este, pelo menos, rico em araçás, cambucis, cambuís, até cambumbas e jabuticabas, frutinhas doces do nosso interior. Deixemos os caquis, as maçãs de pura massa, as peras e as nêsperas, entre outras nobres frutas, com os abastados. Podemos viver com nossas míseras rocinhas de beira de estrada.

Cerca de equivale a perto de, próximo de (a), aproximadamente. Cerca de mil pessoas invadiram o terreno à beira-mar. Recentemente, cerca de mil reses morreram numa fazenda no Centro-Oeste.

Trata-se de expressão muito usada, sem o risco de oferecer grandes deslizes.

Cerca é uma obra feita de achas, obtidas de toras de madeira robustas, que, com os moirões, servem para proteger as propriedades rurais de invasores. Inicialmente, obsta a saída dos animais que estão nesse cercado, e, de modo contrário, impedem a entrada de intrusos. Pode haver a cerca viva, formada de arbustos nativos. Uma, muito usada no passado, seria a cerca de cega-burro, arbusto leitoso daninho que se dá bem em terrenos áridos. Lembra-se da cerca de pau-a-pique? São lascas de madeira nativa (aroeira, umburana, juá, braúna, jurema, juerana), entrepostas umas às outras, com a parte mais fina para cima, formando um cercado rígido, bem unido. Essa cerca, se viva, é a sebe; na construção da residência do matuto, há a taipa de mão, feita com barro no sopapo. Rústica residência, até bela, mas poderia servir de morada ao barbeiro, besouro do mal de Chagas.

Conforme a região, cerca de lascas de bambu. Cerca de pequenas toras de jurema preta, abundante em regiões da caatinga. ‘Cerca’, um valado feito em terreno sólido para impedir a saída de animais ou a invasão de outros, que, aos poucos, deixa de ser usado pela sua pouca praticidade, e custo muito alto. Entende-se que é cavado enorme vale de profundidade de cerca de dois metros, ‘desencorajando’ o animal a invadi-lo: se cai dentro, não sai. A vala torna-se uma ‘cerca’.

Cerca de moirão (mourão) furado, no tempo em que a madeira era abundante, e havia os machadeiros capazes de lascar as grandes toras e fazer ‘fendas’ em que cabiam as pontas das achas em posição horizontal, uma segurando a outra, até formar uma parede ‘arbórea’. Praticamente, não é mais encontrada. Algumas que existiam deram lugar a outro modelo, sendo aproveitada a madeira antiga. Inclusive, houve esse tipo de cerca feita com achas vigorosas de itapicuru (o popular ‘tapicuru’, bom de fogo), agora, quase inexistente. Hoje, cercas com aparência frágil, mas não o são: feitas com arame liso, algumas ‘energizadas’, impedem a saída e a entrada de animais na fazenda. Trata-se de grande evolução comparada com o modelo antigo. Lembra o angico? Madeira forte. Agora, usa-se em abundância o eucalipto beneficiado, ou ‘trabalhado’, que foi a um forno para cozimento, banhado com preparo químico, torna-se resistente. Está no latifúndio. Lembra o gonçalo (gonçalo-alves, gonçalo do campo), a sapucaia, o pau-ferro? Estão acabando… É pena. A peroba? O amargoso? Mas a cerca continua. Há uma cerca que nos cerceia até no seio familiar. Você está entre uma cerca física e outra psicológica?

Acerca de traz a denotação de sobre, relativo a. O vizinho falou acerca de você e disse não gostar de suas atitudes, seu Mário. O senhor, evidentemente, não concorda com ele.

O palestrante vai falar acerca de quê? Depois das aboborinhas, vai falar sobre o que todo mundo sabe: o que se deve e o que não se deve fazer. Acerca disso, nada se diz; quanto àquilo, o que vale é o que não se deve dizer (o ser humano condena a fala do outro). Relativamente a isso, cerca de cem pessoas não sabem o que é ‘um olho d’água’. Alguém pode pensar que se trata de um olhar lacrimoso, cheio de água. É a mina que faz a água brotar do veio aquático no seio da terra, o lençol freático.

Paixão, se isso não basta, deixe tudo fluir. A aprendizagem virá com o passar do tempo.

Pausa: 1. anti-nuclear não segue a regra gramatical. Como o fonema ‘i’, final de anti, não prejudica a pronúncia da consoante ‘n’, de nuclear, ambos devem ficar juntos sem o hífen. Derivação prefixal: antinuclear. 2. Guarda-chuva ou guarda-sol? A depender dos costumes, ambos estão corretos e têm a mesma finalidade: proteger contra a chuva e contra o Sol. O curioso é a fala familiar: “Vó, leve ‘o guarda-chuva’, que o Sol está quente.” No Nordeste, com a tendência de pouca chuva, a maioria usa guarda-sol (o Sol escaldante exige cuidados com a pele). Quando chove, o nordestino costuma carregar ‘o guarda-sol’ para se proteger da chuva. 3. Obliterar, procrastinar, defenestrar. Verbetes esquisitos! Obliterar, entre outros rostos, é danificar um cartão de crédito para se tornar impróprio a novo uso. Procrastinar é o jeito jurídico de fazer retardar a prestação jurisdicional, por transtornos em virtude da demanda de processos, ou resultantes de recursos interpostos pelo lado oposto. Defenestrar é o ato de jogar algo pela janela (até uma pessoa); jogar um objeto nas estradas, pela janela do veículo, é infração de trânsito. Defenestração, a outra ou esta, é ato criminoso.

 

João Carlos de Oliveira

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