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Estreitar, verbo dinâmico cuja semântica variada é, em parte, adversa a seus significados

Buscado o sentido de ‘estreitar’, vem-nos o significado ‘diminuir, tornar menos espaçoso, encurtar, apertar, encolher, decrescer’. A relação sinonímica pode alargar-se. O seu oposto, como mostra a evidência dos sinônimos, é alargar, aumentar, enlarguecer (este verbo de amplo uso no dia a dia, pouco encontrado no dicionário; dele, são formados enlarguecimento, substantivo, e enlarguecido, adjetivo).

O adjetivo estreito, ‘cria primogênita’ de estreitar, é antônimo de largo, grande, espaçoso.

Na Geografia mundial, ‘estreito’ torna-se substantivo. Sabe-se do Estreito de Gibraltar, de Bering(este o mais famoso, nome dado em homenagem ao navegador-explorador Vitus Jonassen Bering). Há outros: Estreito de Magalhães, de Dover, de Ormuz. O substantivo, geograficamente, indica ‘canal natural ou braço de mar que une dois mares ou duas partes de um mar’, como explica o dicionário. O mar se ‘estreita’, e a passagem de embarcações, além de pessoas e animais, se torna difícil ou quase impossível em determinado período do ano.

Estreitar e estreito passam a ser vocábulos polissêmicos: têm muitos significados, todos usuais.

Na praticidade da vida, ‘estreito’ é tudo o que tem pouca largura ou é apertado demais em comparação com o espaço padronizado de um mesmo local ou objeto.

Homem ‘estreito’ é homem mesquinho ou sovina, mão-de-vaca, um mísero de si mesmo.

Com toda essa pluralidade, ‘estreitar os laços de amizade’ indica um sentido que não é o costumeiro nem o tomado ao pé da letra. Figuradamente, estreitar é unir, deixar mais perto, ‘apertar’ a relação entre pessoas, deixando-a próxima, para que surta efeitos positivos; ‘apertar’ para os laços de amizade se ‘elastecer’, tornando-a aconchegante. Portanto, um ‘sinônimo’ com face de ‘antônimo’.

Grande performance! De menor passa a maior, de pouco espaço passa a espaço maior, de menor volume passa a volume maior, de menor porte passa a porte gigantesco. Termo dinâmico de uso figurativo, enfático e polissêmico.

Haja vista que os grandes oradores, no momento em que enaltecem os imortais, os políticos, os membros de um Parlamento, dizem que essas pessoas, em contato com o povo, ‘estreitam’ as relações humanas, de amizade etc., então, o relacionamento humano torna-se mais largo, amplia-se. ‘Estreitar’ não pode ser visto com o sentido inicial. Figurado, é o oposto, como estampado acima; a sinonímia vira antonímia. Não é com qualquer vocábulo que ‘esse fenômeno semântico’ acontece. A vertente semântica é curiosa.

Estreitar, no campo afetivo, é unir, ligar, tornar mais íntimo. Trata-se de forte conotação, não vista assim de imediato. Se dissermos que o homem vai estreitar o local para dificultar a passagem dos animais, não buscamos ligação com ‘estreitar os laços de amizade’ (sentido específico). O usual se torna incomum.

Buscando o figurado e guardada a semântica de ‘água fria’, sabemos que o oposto é evidente, e vice-versa.

Um homem ‘frio’ não se trata de um homem que passou de uma temperatura quente, morna e chegou a fria, mas de uma pessoa indiferente e insensível, avessa a clamores ou sentimentos humanos. Esse uso metafórico, de tão usual, parece ser o comum ou o natural da palavra, mas não o é. Esse trivial acontece com o verbo ‘estreitar’. (?)

Estreitar o canal para dar menos vazão à água, para que não flua tanto. Numa irrigação, esse canal pode ser estreitado, mas o estreitamento da amizade é um modo de torná-la mais larga e facilitadora.

Estreito caminho: apertado! Estreita amizade: ampla!

Que curiosidade, tamanha a nossa perspicácia de alterarmos o significado de um termo: damos a ele o sentido que nos convém para chamar a atenção do nosso expressar e do nosso escrever; para dar ênfase ao entorno de nós mesmos.

Estreitar o relacionamento é melhorar o convívio humano, presente o sentido afetivo de ‘apertar’.

No trabalho, se temos um espaço aconchegante, estreitamos o relacionamento humano. Entre pais e filhos, deve haver estreito relacionamento; entre membros de uma comunidade, deve haver estreita amizade; entre juiz e advogado, respeitado o mistério da formalidade e da hierarquia, deve haver estreita convivência. Assim, por diante, de modo que, entre os membros da sociedade, deva haver sempre estreito convívio, com a mais elevada compreensão humana.

Com relação ao estreitamento da amizade, embora nesses textos não haja o verbo estreitar, alguns pensamentos são triunfais em que ‘estreitar’ a amizade é algo a ser analisado: 1. “Se os meus amigos me fugirem, de mim fugirão todos os tesouros”, Malba Tahan. 2. “Amigo sempre se tem, se dele não se precisa”, Tito de Barros. 3. “Quem é amigo de todos, não o é de ninguém”, adágio popular. 4. “Os parentes são amigos pelo corpo; os amigos são parentes pela alma”, Leoni Kasseff.

Essa análise é eficaz?

Pausa: Um texto, tecendo comentários sobre a corrupção que se alastra no País, cita a expressão ‘cadeiras Barcelona’ (sic). Nesse caso, a palavra que adjetiva ‘cadeiras’ teria que ser escrita com letra inicial minúscula. Passou a haver derivação imprópria: Barcelona, topônimo, nome de cidade, tornou-se adjetivo. Não é ideal que se registre ‘castanha do Pará’, mas ‘castanha-do-pará’. O termo deixou de ser nome próprio de Estado brasileiro; trata-se de adjetivação (com letra minúscula). Não se deve grafar ‘coco da Bahia’, para indicar o fruto, mas ‘coco-da-baía’. O indivíduo discriminado, o sofredor, é o cristo da turma. Esse processo de derivação torna o próprio comum, ou vice-versa. O adjetivo ‘mimoso’ torna-se substantivo, Mimoso do Norte, ou ‘Mimosa deu cria’. Ele é justo; o justo sofre na sociedade insincera; seu Justo está aí? Em ‘cadeiras barcelona’ há um aposto como em ‘rua Barcelona’ (agora, com maiúscula por ser nome próprio); ‘cadeiras de Barcelona’, locução adjetiva, é substituível por ‘cadeiras barcelonesas’ (barcelonenses). Por extensão, cadeiras catalãs.

 

João Carlos de Oliveira

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