‘Idadoso’, caro leitor, não é palavra incorreta. Adjetivo ou substantivo, tem amparo gramatical na História da Língua Portuguesa. Sua simplificação (idoso, termo preferido de hoje) nasceu do hábito de ‘engolirmos sílabas’ ao falar.
Sua origem é esta: idade, termo primitivo, e oso, sufixo indicando referência, formam ‘idadoso’, derivado sufixal.
Feio? Estranho? Inusitado? Certo é que acabou caindo em desuso desde época remota, e não seria lógico ressuscitá-lo. Um ou outro motivo não importa; a questão é que nosso linguajar açucarado, lento ao subir as ladeiras da vida, preferiu forma mais simples: idoso, muito conhecida modernamente, deixando a original (idadoso, que se tornou obsoleta) para a historiografia linguística comentar.
Para entender melhor esse processo, tomemos o substantivo bondade, vindo do Latim bonitas, qualidade de bom. Do substantivo forma-se o adjetivo ‘bondadoso’ pela junção do sufixo oso. Nós o usamos ou está apenas registrado no dicionário? Registrado em compêndios, mas sem uso prático. Poucos, talvez, o conheçam. No seu lugar, escrito ou falado, usamos ‘bondoso’, forma popular. Vistos os termos que compõem esse adjetivo, não podemos pensar que seja derivado de ‘bonde’, originado do anglo-saxônico ‘bond’, veículo elétrico destinado ao transporte urbano e suburbano de passageiros. Bondoso é forma haplológica de bondadoso.
Como, por que acontece esse processo? Pelo fato de, comumente, reduzirmos fonemas em nossa fala (seria por preguiça mental?), na formação bondadoso engolimos a sílaba intermediária ‘da’, ficando apenas bon+do+so. Ficou melhor assim? A Gramática, incluída a Histórica, exigiu que o falante assim fizesse? Não; a mudança foi acontecendo naturalmente há anos. A isso se chama haplologia, omissão de uma sílaba quando na mesma palavra ocorrem duas sílabas contíguas iniciadas pela mesma consoante. Então, em bondadoso, ‘da’ e ‘do’ são contíguas, iniciadas pela mesma consoante, ‘d’. Uma é eliminada por ser dada preferência à outra, daí ‘bondoso’.
A definição desse tipo de metaplasmo, a mais fácil de se entender (para este blogueiro), é a existente em Larousse Dicionário Escolar, divã para pesquisadores comuns.
São muitos os exemplos: sericicultura passa a ser sericultura; caridadoso, caridoso; triticum, trigo, como nos ensina o gramaticista Alpheu Tersariol, in Gramática Histórica, Ática, SP, p. 44.
Em nossa linguagem popular, fazemos o mesmo com ‘caracará’, e usamos ‘carcará’; paralelepípedo, que, mesmo ‘irregular’, usamos ‘paralepípedo’. A linguagem popular usa ‘jaracuçu’, e o dicionário diz ‘jararacuçu’. Conhece essas formas? Qual você usa?
Existem outras formações desse tipo? Cuidadoso pode chegar a cuidoso; toxicidade a toxidade; piedadoso a piedoso; constitucional a constucional; vaidadoso a vaidoso; empreendedorismo a empreendorismo. Mesmo que não seja usual, piedadoso existe pela lógica: piedade recebe o sufixo oso. Uma é histórica (piedadoso); outra é vivenciada no dia a dia (piedoso).
O nobre dicionarista Antonio Houaiss assim define a haplologia: ‘supressão de uma sílaba em contato com outra idêntica ou foneticamente muito parecida: paralepípedo (por paralelepípedo); (…) constucional (por constitucional)’, in Gramática Houaiss, p. 388. Nessa página, a redação registra “… idêntica ou foneticamente muito parecia…” (sic), (grifo nosso), em que se entende seja ‘muito parecida’, salvo melhor juízo.
Por que essa supressão fônica? Por dificuldade de emitirmos sons, vocálicos e consonantais, ou por mero comodismo na nossa dicção descuidadosa? Braúna surge no lugar de baraúna, árvore que dá madeira de cerne ébano, e ‘madroce‘, na coloquialidade popular, é substituto de ‘madurece’ ou ‘amadurece’.
Para terminar, queira lembrar-se de que saudade gera o adjetivo saudadoso, pelo mesmo processo, mas preferimos, como prova nossa fala, a forma simplificada saudoso, similar a idadoso, idoso.
Não está entre os mais usuais, mas anoso (que tem muitos anos de vida), vindo do Latim ‘annosu’, é sinônimo de idoso, ao lado dos irmãozinhos não muito simpáticos velho e senil. Na mesma família etimológica, existe sênior, que ou aquele mais velho; o oposto, júnior. Daí, futebol de seniores e futebol de juniores.
Valeu a pergunta jocosa do título? Se não o for, que seja um entre os muitos no futuro.
Pausa: 1. Um texto de pessoa simples regrista a forma verbal ‘houvemos’, de haver, como se fosse ‘Houvemos por bem…’ (nomear novo secretário), que parece de uso pouco restrito ou difícil; na mesma narração, a pessoa usa ‘trás’, da família ‘para trás, detrás, atrás’, como se fosse ‘traz’, de trazer. “Deus lhe trás muita segurança”, registrou. Nesse caso, pensa-se que o uso de ‘houvemos’ se dá por pura imitação de alguma passagem, como a bíblica. Não é ideal que o usuário sem domínio próprio dos trâmites gramaticais faça uso de termos desconhecidos. 2. Texto jornalístico registra “14% dos participantes ainda não tinha (…)”. Ora, no caso, ’14’ indica plural, portanto, ‘tinham’. Mesmo que o redator quisesse fazer a concordância com o termo mais próximo (participantes), o plural seria obrigatório. Não se trata do caso ‘Um bando de pássaros voou’, que pode ser ‘Um bando de pássaros voaram’. 3. Em abundância, artigos usam ‘super concorrido’, referindo-se a shows, eventos etc. Da mesma forma que se usa ‘supermercado’, devemos usar superconcorrido, superabundante, superlegal, superamigo etc. 4. Sobre o uso da água tratada, falou-se em ‘vasamento’. Em se tratando do escapamento de água, deve-se dizer ‘vazamento’, da família ‘vazar, vazadouro, vazão, vazante’, assim como ‘vazio, esvaziar, esvaziado, esvaziamento’ etc. ‘Vasamento’ existirá se couber, com amparo na semântica, um derivado de vaso, como vasodilatador etc., assim como existe a família vasilha, vasilhame. 5. Em texto de linguagem apelativa, um redator usa ‘enfermeiro-técnico’, vocativo (para se dirigir a um tipo profissional). Adiante, expõe o verbo no plural seguido do adjetivo ‘atentos’ (Fiquem atentos). Não há coerência de tratamento: se foi usado o singular, no singular deve estar o verbo a seguir que se refere ao mesmo termo: Fique atento. A forma ‘fiquem atentos’ caberia se tivesse sido usado ‘enfermeiros-técnicos’. Não se entende que o redator quereria dizer os ‘enfermeiros’ e os ‘técnicos’.
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Abraços professorais.