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Feminicídio é palavra nova? Pode ser um neologismo? Certo é que já está no VOLP, por ordem da ABL

Após longos debates como deveria ser usado, se teria o sentido desejado pelo setor jurídico de todo o País, pelo fato de classificar o crime que estaria acontecendo de há muito tempo e se tratar de neologismo (palavra nova), a Academia Brasileira de Letras decidiu incluir, neste ano, o vocábulo feminicídio no VOLP, Vocabulário da Língua Portuguesa, que chega a cerca de 382 mil palavras.

Fazendo um paralelo, o VOLP nem sempre inclui palavras regionais, nem todas estão no dicionário. Cambrecho, ainda usada no sertão nordestino, com a semântica de ‘leite cru, diretamente do peito da vaca, com farinha de mandioca’ para suprir o café da manhã (por falta de opções do homem simples ou pelo costume), é um exemplo que não tem guarida de registro: trata-se de vocábulo ágrafo, o que não teria escrita; apenas, a fonologia. Mas é simpática. O vocabulário virtual a registra: cambrecho. Poderia ser cambrexo?

O feminicídio, como ficou definido, vem a ser o crime de morte contra a mulher, esposa ou companheira, ou aquela com quem o feminicida teria uma relação íntima.

Aliás, é bom dizer que passaram a usar feminicídio, com certa ostentação, mas se esqueceram de frisar que o autor desse crime é o feminicida, palavra que nem sempre é usada. Usa-se, simplesmente, homicida ou assassino, o que diverge do radical do vocábulo.

O número de vocábulos com o final cídio é pequeno, termo que envolve a classificação pelo ato de matar: matar o irmão, como o caso de Caim a Abel, é o fratricídio. Nessa fase bíblica, Caim, homicida ou assassino, teria sido tratado como fratricida? Só a pesquisa profunda pode responder. Estaria a confirmação mais para o não que para o sim.

A relação que se deve seguir, semanticamente, é de uma palavra com a outra: se fulano praticou uxoricídio, passa a ser uxoricida, e não apenas um assassino.

Se praticou infanticídio, passa a ser infanticida. Deste modo: havendo matricídio, há o matricida; havendo parricídio, há o parricida; se houve homicídio, surge o homicida. Assim por diante.

Já o número de palavras com o final cida, aquilo que mata, é bem maior, porque são incluídos os vocábulos que se referem à morte de animais e plantas: inseticida, o produto que mata insetos (e daí estaria havendo o inseticídio); assim, formicida, que mata formigas; bactericida, que mata bactérias; fungicida, que mata fungos; carrapaticida, que mata carrapatos.

A lista é grande. Basta o visitante relacionar vários nomes e verá a quantidade de produtos que são vendidos em lojas especializadas ou supermercados, hipermercados etc.

Alguns vocábulos terminados em cídio que não seriam tradicionais:

Formicídio, a morte ou a destruição de formigas. Se um órgão praticar a caça às saúvas, estará praticando o formicídio. Se gafanhotos invadem uma plantação e a destroem, seria legal praticar o gafanhoticídio?

Por um direito de expressão da linguagem, poder-se-ia dizer que ditadores matam a sua ‘pátria’ ou ‘república’, ato que geraria ‘patricídio’ ou ‘republicídio’, embora as palavras sejam um pouco desconhecidas. O ato de um filho matar o pai é chamado parricídio.

Genocídio, termo conhecido, mas o usam de maneira extensiva. A semântica diz que se trata da ‘morte’ de um povo, como em guerras o fizeram, ou ainda o fazem. A generalização não é de bom tamanho. Entretanto, por extensão da palavra, o Direito ainda usa genocídio como o ato de tirar a vida do próprio pai ou mãe.

Infanticídio, nome que, pela sua estrutura gráfica e semântica, indica a morte de criança, em especial, a recém-nascida.

Matricídio, ato de tirar a vida da própria mãe.

Regicídio, o ato de matar rei ou rainha. Ana Bolena, que foi decapitada, sofreu regicídio ou uxoricídio? Ou teriam dito, apenas, crime por disputa de poder, um homicídio?

Suicídio, termo muito usado e conhecido, vem a ser a autodestruição. Ninguém suicida ‘o outro’, portanto, ilógico e ruim o pleonasmo vicioso ‘Ele se suicidou’, que usam em abundância. Ele se matou, um sinônimo, mas, se for usado o verbo suicidar, basta Ele suicidou.

Uxoricídio (de aspecto erudito) vem a ser o crime contra a esposa, que, em linguagem popular, é o mesmo que esposicídio ou mariticídio; o dele para ela e o dela para ele. Ficou claro? Por isso, é que nasceu o feminicídio, mas já tínhamos homicídio e uxoricídio.

Os nomes mudam, e devemos aceitá-los; o que não se poderia continuar aceitando seria o fato de o homem tirar a vida da esposa ‘pela legítima defesa da honra’, como houve no País, amparado vergonhosamente pelo nosso Direito Penal. Felizmente, essa tese, um álibi vulgar e tacanho, foi extinta. Mais vergonhoso ainda é que muitos crimes desse naipe houve no Brasil, ‘também tacanho’, mais por parte de ricos e famosos.

Vamos criar outros exemplos:

Bernicídio, o ato de matar os bernes, que dão em abundância em bois e vacas. Equinos e muares, de modo geral, não adquirem bernes como os bovídeos. Curioso? O homem do campo, como um bom veterinário, sabe responder.

Estilicídio, mesmo com essa terminação, não é um crime. Trata-se do fato de a água da chuva escorrer pelos beirais de um telhado. Mas se fosse o crime contra o estilo de alguém? Seria o ato de matar o ‘estilo’ da linguagem de um autor? Ousado esse, não? Como se daria esse fato? Poderia ser o fato de se imitar o estilo de grande escritor ou orador sem ser o dele, mas burlando-o, matando-o.

Herbicídio, o ato de matar as ervas, não tidas especificamente como daninhas.

Personacídio (palavra estranha?), que não é nem foi usada, mas seria o ato de matar uma ‘persona’, grata ou não-grata.

Magnicídio, o ato de tirar a vida de pessoa famosa.

Arboricídio, o fato de matarem as árvores, como o fizeram com espécies da Mata Atlântica. Estariam fazendo o mesmo com o Cerrado, o Pantanal, a Floresta Amazônica, tanto na lavoura como na agricultura? O desmatamento ilegal é arboricídio?

Conjugicídio, vocábulo desconhecido, mas cabível para designar a morte de um dos cônjuges, e pela forma como têm tirado a vida de muitas mulheres, o Brasil tem ‘praticado’ esse crime.

Gnaticídio, o mesmo que filicídio, o ato de matar o próprio filho. Há notícias horripilantes de pais que matam crianças alegando que choram. Por que choram? (A resposta viria por vários motivos, e uma parte poderia ser culpa dos pais, ou de um deles, e por isso a criança tem que ser morta?)

Não deixe de fazer sua relação de palavras com cida e cídio.

A palavra nova, entre outras, agora registrada no VOLP, é infodemia, que já sabemos do que se trata. Basta vermos na mídia a quantidade de artigos, comentários ou opiniões sobre a atual pandemia. O excesso de informações desconexas ultrapassa o que dizem especialistas sobre a doença.

 

João Carlos de Oliveira

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