Tão pouco e tampouco são dois termos ‘irmãos’, isto é, o segundo é derivado do primeiro. Tão pouco é uma locução adverbial – conjunto de palavras que tem o mesmo valor semântico de um advérbio. Se falamos “Mas você comeu tão pouco! Está sem fome?”, modelo de frase que seria comum na fala coloquial, nossa análise para essa expressão seria classificá-la, sintaticamente, como ‘adjunto adverbial de intensidade’. A frase está correta em todos os seus aspectos.
Até aí tudo ocorre bem, sem transtornos, mas, quando falamos, não precisamos dizer que tipo de palavra usamos e que função gramatical ou sintática tenha. Não pré-classificamos o que falamos ou escrevemos. Se isso fosse necessário, estaríamos diante de uma brutal dificuldade para o uso ‘natural’ de qualquer idioma. Não concorda?
Após falarmos ou escrevermos é que vêm as falas que se opõem ou as que ovacionam. Elogiar, dizem os entendidos, é um ato de grandeza e de tão importante deve ser público. Menosprezar, discordar com veemência, dizer que se trata de algo de que não se gosta ou que está errado, isso deve ser um ato reservado, mesmo assim usando-se termos ‘afetivos’ num tom de voz suave, solene até. Atitude necessária e que faz parte de uma boa vizinhança.
Esse critério usei como professor durante 40 anos – o aluno fazia bem, eu o divulgava para os outros; o aluno fazia mal, eu me sentava a seu lado e começava uma explanação a passos de paquidermes para lhe mostrar o que teria acontecido, por que fez ‘esse caminho torto’. Certa feita, uma jovem escreveu ‘Comecei a lhe dar com pessoas difíceis’ querendo dizer ‘Comecei a lidar com pessoas difíceis’. Corrigir esse lapso e ter um resultado positivo só usando uma boa didática.
Então, vamos ao topo da montanha! “Tão pouco” tem largo uso e em outro momento deve ser substituído por seu ‘irmão’ “tampouco”, mas a engrenagem pode emperrar. “Ele não compareceu, tão pouco avisou o porquê”. Esse um exemplo que precisa ser mostrado. O termo ‘tampouco‘ não conseguiu penetrar a fala popular. Toda vez em que deve ser o sujeito é desprezado. Não é termo técnico, não é científico, não é poético. É usado em artigos de cunho culto ou erudito, nas rodas de conversas profundas, mas nas populares morre. Reveja-a agora: ‘Ele não compareceu, tampouco avisou o porquê‘.
Se você já conhece essa fera, use-a com segurança. Se não a conhece, substitua-a por outra expressão. Temos sempre uma forma sinonímica para ocupar o lugar de outra – Ele não compareceu e também não avisou o porquê.
Conferindo textos alheios em obras literárias e em jornal, de cinco vezes, só em uma o uso de ‘tão pouco’ esteve correto; seria ‘tampouco’. Há grande dificuldade no uso desse advérbio. Consultei cinco dicionários entre os que possuo; dois não citam esse termo; dois o mostram, dizendo “Tampouco – adv. também não”. Nada mais. Um, mais amplo, cita-o, dá esse mesmo significado seguido da frase “Suas maneiras não me agradam, tampouco as de José”. E anota: derivado de ‘tão pouco’. Parabéns ao mestre-autor desse léxico. Um exemplo para os dias de hoje: “Muitos candidatos a cargos eletivos não são simpáticos, tampouco são competentes para essa função”.
Consultei três Gramáticas Normativas. Duas não citam ‘tampouco’. Uma o cita, diz que é advérbio de negação, tampouco dá o exemplo de uma frase. Desse modo, fica difícil a aprendizagem desse termo.
Por tudo isso, o comentário de hoje. Tampouco é derivado de tão pouco. Como advérbio, tão pouco completa as entrelinhas segura e vaidosamente – O dinheiro foi tão pouco, que não deu nem para comprar a vela. Mas – O dinheiro, suado, não é pago em dia, tampouco dá para fazer uma feira digna.
Gostou do comentário? O próprio termo tem um campo limitado, e há quem discorde do que foi dito – um jornalista disse ser a mesma coisa usar tão pouco ou tampouco. Deixemo-lo com as suas ideias, fiquemos nós com as nossas.
A propósito, meu caro leitor, nunca use “De repentemente”. Apenas, ‘de repente’ ou ‘repentinamente’. Combinado? E não confunda ‘acender’ com ‘ascender’. ‘Ele ascendeu a vela.’ Seria certo se fosse possível fazê-la voar no espaço! Mas ‘O cantor e astro do cinema Elvis Presley ascendeu ao seu mais alto posto, depois de ter acendido um candeeiro para iluminar sua estrada de caminhoneiro’. Como é grandioso o povo ribeirinho que ainda acende a lamparina para alumiar a sabedoria de suas longas noites no Sertão!
Abraços.