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Peão, palavra da linguagem coloquial. E o feminino? Vaqueiro e trabalhador braçal são peões?

Talvez, não seja comum a todos que peão, com base na sua semântica, signifique aquele que anda a pé, cujo étimo é ‘pedo, pedonis’, do Latim.

Palavra do cotidiano, tem muitas versões. Além do sentido literal (pessoa que anda a pé, pedestre), passa a ter outras significações. Na gíria, qualquer plebeu é peão; qualquer plebeia, portanto, é peoa. Flexões estendidas, são três femininos: peã, peoa, peona; plurais: peões, peães. O que nos resta é saber quais dessas modalidades são usuais. Se temos aldeões, aldeães e aldeãos, por que não usarmos peões, peães e peãos, por mera assimilação? Se há chorona, feminino de chorão, é, pois, aceitável, peona. Se temos aldeã, feminino de aldeão, termo ainda usado, peã é correto. Se temos leoa, o feminino de leão (na gíria, leoa é mulher forte e valente), cabe-nos a versão peoa. Veja a listagem: peões, peães, peãos (o último seria contestável?): plurais; e peã, peoa e peona: femininos (todos registrados).

Torna-se termo de aspecto semântico muito amplo: 1. trabalhador que cuida do gado (por extensão, vaqueiro); 2. homem do campo que amansa montarias, isto é, tem a função de domar animais xucros; 3. competidor das provas de montaria ou laço (o peão-boiadeiro), fato comum em rodeios, como a Festa do Peão-Boiadeiro de Barretos, SP. Não se pode deixar de lembrar que alguns se referiam a essa festa, de fama nacional, como a Festa do ‘Peão de Boiadeiro’ de Barretos, expressão inadequada. Mantida a preposição ‘de’, teríamos um substantivo seguido de locução adjetiva, similar a ‘copo de leite’, em que o segundo elemento qualifica o primeiro, embora não possa ser, obrigatoriamente, trocada por um adjetivo: nem toda locução adjetiva é substituída, obrigatoriamente, por um adjetivo. Amor de mãe, sim, trocamos por amor materno; farinha de leite, sim, trocamo-la por farinha láctea.

Temos ‘peão de boiada’ e trocamos a locução adjetiva de boiada por boiadeiro, formando, assim, peão-boiadeiro. Isso basta. A conclusão é que ‘peão de boiadeiro‘ não faz sentido.

Por extensão, peão é boiadeiro, aquele que toca o gado, usando berrante, numa comitiva. Nesse contexto, boiadeiro tanto pode ser adjetivo como substantivo.

Dicionários há que dão como sinônimo de peão ‘cowboy’, literalmente, ‘garoto da vaca’, o vaqueiro. Grafia aportuguesada, caubói é termo generalizado para dizer tanto o homem da lida com bovinos quanto aquele com características de cidadão do campo: botas, chapéu de abas largas, calças jeans (já tivemos a famosa far-west, influência do vaqueiro ianque). Esse cidadão adora expor-se em vaquejadas ou festas similares em todo o Brasil.

Na literatura brasileira, até um pouco antes da fase pré-modernista, não se tem informação de quantos autores tenham usado o vocábulo ‘peão’, mesmo que a obra tratasse de assuntos ligados à Natureza, à seca, à lida campestre etc. Em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Fabiano, personagem principal, é apenas o retirante. Em Urupês, de Monteiro Lobato, Jeca-Tatu, analfabeto, o caipira, personagem maior da obra, seria ‘peão’ por lidar no campo, mas não foi tratado com essa denominação. Euclides da Cunha, em Os Sertões, obra-prima, em que se distinguem ‘o homem, a terra, a luta’, não fica claro que lá se encontre o registro do vocábulo ‘peão’. Naquela época, então, não seria modalidade vocabular usual. Bom tempo anterior, Tomás Antônio Gonzaga, poeta inconfidente e amante de Marília, seria apenas ‘o vaqueiro’. Talvez, o grande Guimarães Rosa, supostamente, em Grande Sertão: Veredas, que tanto se refere ao tocador de boiadas, e o próprio autor-médico foi um deles, haja o uso de peão, como boiadeiro.

Peão é o operário da construção civil, boia-fria, por saborear no almoço a marmita trazida de casa, cuja comida se esfriou. A boia fria gerou o boia-fria. Faltou um termo mais condizente. Não me atrai usá-lo com tanta espontaneidade. Na construção civil, o operário é ‘peão de obra’, também pouco simpático.

Não nos vamos referir a ‘peão’ do xadrez. Deixemo-lo no tabuleiro para ser intermediário: tem menor valor e puxa a frente de outras peças.

Na Idade Média, ‘peão’ foi o combatente de guerra que transportava a lança, arriscando a vida. Coitado! Na dianteira, seria o primeiro a morrer.

Não confundamos peão com pião, o brinquedo, e com pinhão, a castanha do pinheiro, o arbusto de semente medicinal (pinhão roxo, pinhão branco) e a menor das rodas dentadas de uma engrenagem cilíndrica ou cônica. Pinhão roxo serve de mezinha, remédio homeopático.

Quanto aos femininos, peã, poético, soa bem, como anfitriã, campeã. Peona é familiar, como chorona. Peoa pertence à norma gramatical estrita, como leoa. Escolha a sua. Cada região tem sua preferência em que a linguagem culta se distingue da popular.

Pausa: Jânio Quadros foi vereador e prefeito da cidade de São Paulo; também deputado e governador do mesmo Estado, mesmo tendo nascido em Campo Grande, MS. Escreveu extensa obra em seis tomos sobre nosso idioma: Curso Prático de Língua Portuguesa e sua Literatura. Vi alguma coisa dessa obra, há muitos anos, com uma professora nanuquense. Nela, dizem haver uma frase emblemática desse polêmico cidadão: “Fi-lo porque qui-lo”.

Um aluno me consultou sobre a qualidade dessa frase, se contém pleonasmo. Não traz nenhum erro; apenas, não é empática. A justaposição ‘quis’, forma verbal de querer, pretérito perfeito do indicativo, e o pronome oblíquo átono ‘o’, que se torna ‘lo’ na ênclise, é que assusta, mas não está incorreto. Digamos que ‘qui-lo’ seja homônimo perfeito de ‘quilo’, redução de quilograma. Dê-me dois quilogramas de toucinho, seu Manuel. Ele pode perguntar o que o cliente pretende dizer.  Jânio não cometeu erro. “Eu o fiz porque o quis fazer”. Fiz isso porque quis fazê-lo.

João Carlos de Oliveira

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