Frases há por aí aos borbotões. As feias, as bonitas, as empáticas, as estranhas, e outras nem tanto… relativas a esses ou a outros aspectos.
Assim como, no primeiro momento da manhã, após bom sono, o café bem acompanhado (em todos os sentidos) é algo agradável, também, andando pelas calçadas da vida, seria salutar lermos uma frase benfazeja e correta, estimulando-nos ao encontro com a vida, com a poesia, com Deus. Ou pela simples leitura.
Frases há, por outro lado, que nada dizem (Vem pra cá você também), além de serem descompromissadas com a Gramática. As corretas (Vem pra cá tu também, ou Venha pra cá você também) não são vistas.
Outras são facciosas ou semanticamente duvidosas.
Seria o exemplo do título? ‘Sua vida financeira nunca será a mesma’: não seria melhor ‘Sua vida econômica…’, já que faria referência aos recursos, às reservas de uma pessoa com base no salário que percebe por mês?
A própria frase, certamente, insinuaria o bom sentido, mas quem garante essa performance num piscar de olhos? A pretensiosa mudança, rapidamente, atingiria a vida ‘financeira’ de hoje, de ontem ou a de amanhã?
Finanças, s. f. pl., indica erário ou tesouro público. Por extensão, a ciência e a profissão do manejo do dinheiro, especialmente, de verbas públicas. Em aspecto semântico paralelo, o estado financeiro de um país ou de um particular. Mesmo o dicionário dizendo que ‘finanças’ tem relação com ‘o estado financeiro de um particular’, ao se ganhar mais um trocado com o bom e cansativo trabalho diário, estamos falando de nossas economias, de nosso poder aquisitivo. Por isso, e por aquilo, ‘sua vida econômica’ é que iria mudar.
Outra ‘linguagem’ que nos remete a esse enunciado é que ele contém duas partes, e, tendo a segunda conteúdo diferente do da primeira, com sujeito também diferente (você, da primeira; sua vida financeira, da segunda), deve haver entre elas uma vírgula, que não foi usada: seja um revendedor, e sua vida financeira nunca será a mesma.
As manchetes dos bons jornais usam essa virgulação: “Veículo capota na BR 101, e duas pessoas morrem”.
Há frases que vislumbram má-fé e seriam enganosas. Mas o que são mesmo, além de terem má redação, é que os emitentes querem que sejam tomadas ao pé da letra. Esse o engano. O ‘nascer’ da barriga de uma mãe poderia ter sentido único, mas, em outro momento, ‘nascer’ tem tantas luzes como a aurora boreal que muda à medida que o vento a faz bailar ou nossos olhos mudam de rumo: a linha do horizonte tem tantos tons, que eles nos podem enganar.
Ou se é que não contêm variação semântica, seu emissor consideraria quem a lê pessoa com olhar retilíneo, achando que o horizonte tenha somente uma visão linear? O horizonte é pluralista. Se alguém vê apenas uma ‘linha’, outros há que podem ver várias, uma após outra, e, assim, sucessivamente, por muitos outros.
O jovem-aprendiz pode acreditar nessa fala cheia de caprichos propagandísticos, mas a frase pode ter cheiro de algo que muda de lado como uma folha ao toque com o vento.
À primeira vista, o aprendiz confundiria ‘interposto’ com ‘entreposto’? Aquele é o que foi colocado ‘entre’ seus parceiros, todos idênticos; esse, além de ser um possível sinônimo, é o local onde são depositadas as mercadorias para serem redistribuídas. Saem de um centro e vão para os diversos centrinhos.
No conhecimento popular, entreposto é o armazém, o do povo ou o do poder, em que são compradas ou vendidas mercadorias (as modernas; ou os secos e molhados antigos) de uma mesma categoria. Por extensão, repitamos, interposto e entreposto são sinônimos, mas cada um tem seu detalhe.
Por isso, ‘sua vida nunca será a mesma’ poderá ter duplo aspecto, o pior ou o melhor, e vice-versa. O falante garantiria sempre o lado dele, e se for o outro? Não se pode ver apenas a versão denotativa da palavra se ela pode ser dicotômica: uma que vemos e outra que outros veem. A conotativa deve estar com a janela aberta para passagem de outra luz, antes esquecida. Uma luz alumia no escuro, e outra pode alumiar no claro, mesmo que pareça estranho. Uma escurece a luz, deixando-a fosca; outra clareia a luz, deixando-a nítida.
Um texto diz “Ave criada por sua carne, ovos e penas” (referindo-se ao ‘ganso’). Estaria, certamente, fazendo referência à espécie, porque ‘o ganso’, em si, não bota (ovo) por ser macho; quem o faz é a gansa, e nem todos consideram sua carne, dele ou dela, saborosa. Mantida a frase ao pé da letra, contém grave erro semântico. O ovo é da gansa.
Cidadão brinca com o outro e pergunta-lhe “Se o pato bota no topo da ladeira, onde o ovo vai cair?”, cuja resposta (ingênua) é declarada em bom som: “Embaixo”. O outro ri e completa: “Em lugar nenhum, pois pato não bota”.
Só por ser revendedor sua vida vai melhorar como? O outro comentário fica por conta do leitor.
Pausa: 1. Na padaria, alguém escreve ‘pão na xapa’. O que é isso, companheiro? Assim como seriam condenáveis as grafias ‘chícara’ e ‘xinelo’, ‘xapa’ mostra que nossa visão é daltônica quando o vocábulo é escrito com x, que tem várias cores, em que seu valor fonético equivalha a ch. Eternas dúvidas continuam. Nada de condenar a criança que escreva ‘xuva, xapéu, xulé, ou ‘charope, chechéu, chadrez’. Quem nos garante que aprendemos somente pela pronúncia? Se é que aprendemos a grafia, aprendemo-la com os olhos, com a mão que tateia e a boca que pronuncia, depois de vermos, de tocarmos e balbuciarmos. Assim, a chance de acerto é maior; fora esses aspectos, toda escrita é uma subida ao topo do Everest. E mesmo um adulto ‘destreinado’ ou desabituado ao metiê da boa escrita, ainda mais em tempos modernos da absoluta internetês, escreveria ‘xapa’ e não se trata de nenhuma novidade. 2. As anedotas sobre prefeitos pouco letrados são tantas, que nem sabemos se, um dia, algum deles chegou a praticar tal façanha. Um candidato à reeleição, falava ‘discurso’ escrito por familiar formado, que lhe deu o recado: “Se o senhor achar difícil um trecho, o senhor pula”, e o povo ria de tanto ver o cidadão saltitar como bode no palanque-gangorra: descia e subia. 3. Um cidadão já prefeito, aqui na gloriosa Bahia, segundo as más línguas, ia sempre ao Palácio de Ondina para conviver com os saberes soteropolitanos. Um dia, a digníssima secretária o presenciou com várias notas de dez cruzados, do plano antigo. “Por que o senhor leva esse dinheiro ‘miúdo’ para Salvador?” “É que, nas calçadas da capital baiana, há uns caixotes dizendo ‘Colabore com a limpeza pública’; então, em cada lugar, eu coloco uma nota de dez”, disse o comandante municipal. (Sem comentários.) 4. Em outra feita, o mesmo gestor municipal ou seu colega de cidade vizinha, com visão humanitária tão patente, ao voltar de Salvador para sua cidade, disse esbaforido a alguém de sua comitiva: “Precisamos passar no Iguatemi para comprar várias bolsas porque as estudantes de minha cidade pediram ‘que eu conseguisse muitas bolsas de estudos aqui na Capital e levasse para elas”. Comentar o quê? Por isso, a semântica precisa de espaço ao nosso redor.