A Gramática Normativa preceitua regras para a formação de palavras. A derivação prefixal e sufixal seria a área em que surge maior número de palavras, e não deixa de ser grande riqueza linguística conhecer e usar todas essas possibilidades.
No dia a dia, o usuário encontra na via popular algo interessante: são palavras e mais palavras circulando, enriquecendo o vernáculo. Tentar entender esse mundo fantástico é curioso e desafiador. E quem cria palavras, como o poeta, tem a chance de despachar para o mundo suas criações, neologismos que ainda não estão registrados.
Será que este blogueiro estaria exagerando? Estaria empolgado? Ou, simplesmente, fala, com certa ênfase, de um assunto comum dominado por toda pessoa letrada?
Pode haver entusiasmo, e, mesmo que o assunto seja do domínio público, nem todos sabem criar palavras e outros têm receio de algum erro; além disso, nem todos os vocábulos registrados no dicionário são usados ou aceitos no cotidiano.
Está a duvidar, companheiro?
‘-Aria‘ é sufixo nominal versátil, formador de substantivo. Estrebaria, lugar onde é servida a comida aos animais. Por extensão, o próprio local em que eles se alojam; a cocheira ou a manjedoura dos animais de raça; nesse momento, o pedigri fala mais alto e eles devem ser protegidos, porque custam caro.
Obs.: ‘pedigri’, conforme meu conhecimento permite, é a forma aportuguesada de pedigree, de origem inglesa.
Usado em outros termos (artilharia, livraria, pastelaria, caldaria, pancadaria), -aria tem seu veio popular, como insinuado, transformando-se em ‘-eria’, como nos ensina o prof. Luiz Antônio Sacconi: “A forma -eria, que muitos julgam francesa, é vernácula: lavanderia, leiteria, loteria” (sic). In Nossa Gramática, pág. 138. Curiosamente, casaria, coletivo, aglomeração de casas, torna-se casario.
Com relação a estrebaria, palavra bonita e histórica ou bíblica, é curioso dizer que é derivada de ‘stabulu’, termo latino (acrescido o sufixo -aria), cujo étimo (‘estábulo’) indica o local em que são alojados e alimentados animais domésticos, geralmente, provido de compartimentos ou baias. Animais que não são porcos nem cachorros nem galinhas, isto é, não são animais de pequeno porte nem de valor menor, mas muares e equinos de raça. Manga-larga marchador, árabe etc., raças de cavalo de grande valor comercial. Semoventes que valem dólares…
Qual termo é mais usado, estrebaria ou estábulo?
E, de um momento para outro, estamos diante de palavras comuns: lataria, ourivesaria (não é aceita a grafia ourivessaria nem pronúncia parecida), pradaria, pedraria, relojoaria, vacaria etc. Até aí, nenhuma novidade. O curioso é saber que podemos usar, no lugar de loteria, lotaria (repita: lotaria); no lugar de doceria (mais usado), doçaria.
Podemos encompridar a lista?
Lavanderia, lavandaria; carroceria, carroçaria; leiteria, leitaria.
Certamente, com a modernidade, e aí estariam os neologismos, poderão ser usados paralelamente os coletivos: cervejeria e cervejaria; colchoeria e colchoaria; carvoeria e carvoaria; carpinteria e carpintaria. Se já existem vidraria e vidraçaria, que tal vidraceria?, e ameixaria ou ameixeria? Esse suposto coletivo existirá a partir do momento em que haverá o local em que se vendem especificamente ameixas, como se vendem doces, pastéis, empadas (empadaria, empaderia?). Lembre-se de que temos selvajaria e selvageria. Se já usamos ameixeira e ameixieira, por que não usarmos ameixaria?
Duvidaria de uma futura ‘açaiaria’? Açaí, o fruto. Açaí, cidade no PR, dá o gentílico açaiense. Que tal açaiano, assim como temos serrense e serrano?
Pelo pequeno relato histórico, o sufixo -aria tem várias funções ou designações: oficina (serraria, alfaiataria); loja (livraria); lugar (secretaria, tesouraria); ação ou o seu resultado (patifaria, pirataria, velhacaria, zombaria); condição ou estado (calmaria); coleção (pedraria, escadaria). Esse aspecto foi colhido do Dicionário Michaelis.
Alguém contesta que uma peixaria poderá ser uma peixeria, esta mais próxima do radical do termo ‘peixe’?
E vêm outros termos no mesmo caminho: maquinaria ou maquinário; tapeçaria; tapeceria ou tapeteria? -Aria pode-se tornar -rio ou -ário: vozerio (vozearia), mulherio, relicário, obituário, serpentário, mostruário.
O mundo de palavras derivadas vai longe. Lendo obras e mais obras, a Gramática Houaiss, de José Carlos de Azevedo, que tem como base os estudos filológicos do gramaticista Antônio Houaiss, nos traz ensinamentos longos.
Passemos ao sufixo -douro (confundido com -dor): sumidouro, lugar em que algo some; no popular, é usado ‘sumidor’, mas este é aquele que some; assim, confundimos o ancoradouro (o local) com o ancorador (o agente). A lista também se alonga: quando pequeno, tentava pegar passarinho no ‘dormidor’, para o qual deveria ser usado dormidouro, o local em que o bichinho inocente dormia; ele é que poderia ser um dormidor.
Comum em família dizer que a criança usa um ‘babador’. Trata-se de um babadouro, ou babadoiro, peça de material diverso ou local em que o babão, ou babador, baba.
O sufixo -douro está numa boa lista de palavras que indicam o local em que se pratica um ato: abatedouro ou abatedoiro; abatedor é aquele que abate as reses no matadouro ou matadoiro; atoladouro ou atoleiro (atolador tem outra conotação: aquele que gosta de atolar o pobre coitado), mas o popular o prefere como sinônimo de atoladouro; bebedouro ou bebedoiro; cevadouro; criadouro (criador é o dono do criadouro); defumadouro, embarcadouro, enxugadouro, escoadouro, escorredouro (de prato!), esfriadouro, espojadouro (o lugar em que o animal espoja), lavadouro, nascedouro, respiradouro, secadouro, semeadouro, tombadouro, vertedouro.
Seria comum em todo o Brasil encontrarmos referência a ‘Serra do Tombador’, frase que teria duplo sentido: o lugar em que alguém tomba o veículo (em que costuma acontecer o tombamento) e/ou aquele que costuma tombar o veículo. Mas no lugar de tombadouro ou tombadoiro, adotado pela norma culta, o regionalismo prefere ‘tombador’.
Nesse aspecto, -eiro e -dor complementam a derivação sufixal: cada um de sua vez se junta a radical primitivo e forma um derivado: fazendeiro, e fazedor, derivado de ‘fazer’; rendeiro, rendedouro; rendedor?; aguadeiro, aguador, e aguaceiro; azeiteiro e azeitador; balanceiro e balanceador; barateiro e barateador; boiadeiro e boiador ou aboiador; coleteiro, colheiteiro, colhedor; costureiro, costurador; fogueteiro, fogueteador; guerreiro, guerreador; mosqueteiro (diferencie de mosquiteiro) e mosqueteador; rateiro e rateador; roedeiro e roedor; useiro (vezeiro) e usador; veleiro e velejador; violeiro e violador (semântica diferente); trapaceiro, trapaceador.
Não deixe de criar seus exemplos. Há algum nevoeiro?
Pausa: A onda do momento é o uso de ‘fake news’, expressão que, em seguida, vem com a tradução literal. Por que, então, não se usar ‘notícias falsas’?, modismo que vem assustando o mundo e deixando muitos em apuros, por acreditarem nas ‘pérolas’ que lhes são enviadas. Precisamos de maior discernimento.
Abraços de seu amigo João Carlos.