O falar diferente é de natureza individual, e cada um deve seguir seu próprio estilo; copiar ou plagiar o mais sabido não é bom princípio. Pelo menos, é assim que muitos pensam, como este simplório blogueiro.
Mas parece que a globalização estaria ‘obrigando’ o homem comum, ou a linguagem comum, a tomar outro rumo, que não é o seu, que não é o de sua origem. A originalidade, curiosa e peculiar, está perdendo campo para a invencionice, a modernidade inventiva. Modernidade a qualquer custo não seria (de) bom viés, porque exclui a sábia autenticidade. A modernidade direcionada, no falar, é perigosa.
Por que alguém se acha no direito de dizer isso e aquilo da fala regional, que é feia, antigramatical, ou algo parecido, condenando-a?
‘O cara bombou!’ Isso é bom. O capixaba se evidencia quando usa “O cara poca!”, e isso deles pega e se espalha como moda por aí afora.
E seus sinônimos? ‘O cara estourou!’ Mas, nas redes sociais, ‘o vídeo viralizou’. Saiba: viral, que vem de vírus, gera ‘viralizar’, que virou coqueluche. Esse verbete modista não se encaixa em todos os momentos em que a boa gíria e o regionalismo deveriam ser usados. Nem todo dicionário o registra.
E daí? Por que substituir ou excluir ‘pocar, bombar, estourar’?
Direcionar a linguagem é impor uma reforma intelectual, estilística, redacional, se é que os termos teriam sentido, ou uma imposição canhestra ao falar e ao escrever. A escrita longe da ortografia oficial é que deve ser combatida.
Combater o ‘assassinato da língua’, isto sim, algo necessário. É de doer quando criticam ‘melencia’ da linguagem ágrafa, mas escrevem em bâneres ou fôlderes “Chegou novidades na loja (…)”. Ora, as novidades chegaram! Chegaram à loja.
No lombo dela é que não poderia, nem no seu caçuá, no seu alforje ou no seu saco de linhagem. Aliás, cadê os sacos de linhagem, que são ecológicos? Por que falam tanto em ecologia, e ‘mataram’ o saco de linhagem, até levando ao topo do Everest sacos plásticos, os mesmos que matam, inclusive, baleias no Ártico?
E o pior é que usuários desse naipe são estudantes de curso superior, ou já diplomados, e quando tocados sobre o lapso gritante, dizem apenas, em defesa esfarrapada, que “adoram a internet”, mas sabem pouco do bom Português. Que esse cuidado é para os do curso de Letras! Só esses teriam obrigação de saber algumas regras gramaticais, e os advertidos nem saberiam a regra simples da concordância verbal? O verbo concorda com o sujeito.
Alguém assim é um ‘sujeiito‘ à-toa, cheio de evasivas! Anda à toa no trilho gramatical, mas conhece o trilho do olhar do subterfúgio.
Antes de eu me destrambelhar, o que é ‘pocar’? Ora, você sabe mais que eu! Para que explicar o que é claro!?
“Manuel, você não veio ontem? O que houve?” E o consultado responde: “É que fui ao velório e ao enterro de nosso amigo (…)”. E o cara insiste: “E ele morreu?” E Manuel, paciente, responde: “Não, ele foi enterrado vivo!”
De que forma morreu? Como morreu? Quando, onde, por quê, isso é diferente.
Vá a uma roça e, sob o Sol ardente, veja os gravetos estalando de secos. O Sol a pino em pleno sertão baiano, no Raso da Catarina, mata até aroeira, árvore nobre que resiste à seca prolongada.
Então, o mato seco, o pouco do capim estorricado que ainda existe e resiste, estala, espoca. De espocar, verbo tão bonito, nascido da onomatopeia, é que se criou a variante gráfica supimpa, bem porreta: pocar. A gíria se torna nacional, viraliza! Depois de sua forma reduzida, bela aférese, vem o novo veio semântico: estourar quando se tem fama, destacar-se no mundo midiático como novidade.
O cara pocou. O jovem explodiu. O cantor mirim bombou. Por que não seria ‘O cara espocou’, arrebentou?
Tudo é válido quando se fala na evolução da linguagem, quando se tem o dever, como o professor (em especial o de Língua Portuguesa), de dizer que a linguagem não é estática. Que bom, desde que se respeite o direito adquirido, a tradição secular da linguagem interiorana, e não se condene quem usa ‘jinela’ nem se queira impor um estilo moderninho do falante atual, que usa “Olha só! Tipo assim! Eh!… O governo ele é contra a greve dos caminhoneiros”, e por aí se dão os tortuosos caminhos da linguagem, falada e escrita.
A propósito, qual a grafia correta: ca-mi-nho-nei-ro ou ca-mi-nho-ei-ro?
Vocábulo nascido do Francês camion, caminhão (que não é aquele que segue um caminho, como dizem alguns) gera caminhoneiro, e assim nasce a variante gráfica caminhoeiro, corretas e aceitas. Por que não seriam, também, camioneiro, caminonheiro e camionheiro? Nossa pronúncia dialética daria respaldo a todas essas grafias, já que temos, na sua forma feminina, por assim dizer, caminhonete, caminhoneta, camionete e camioneta, usuais e conhecidas.
Em Portugal, como dizem os livros, usam-se camioneiro e camionista, vindos de camião, a grafia usual dos lusos. Alguém no Brasil, acostumado a uma forma diferente, estranharia essas. Nesse aspecto, finca-se a ideia de que ao Português daqui e d’além-mar não seja imposta uma grafia única. O Português luso segue actual, actualizar, actualizado, exemplos diferentes dos nossos atual, atualizar, atualizado etc. Por que, então, impor linguagem unificada? Deixem a nós e deixem a eles (deixem-nos!).
Já pescou numa camboa? Já catou uma biata? (Não confunda com beata, embora nossa pronúncia seja volátil como o ar que nos cerca e invade nossos pulmões; o grande problema é estar poluído). Biata é bagana, como em AL e em quase todo o Nordeste. Queira estar com os índios nortistas e saborear com eles uma caça assada em biaribu. Biaribi!
Vivam o regionalismo, o indígena, a gíria sadia, o uso diversificado do idioma, tudo dentro ‘dos conformes’ de nosso sotaque, de nossa pronúncia açucarada, como a brisa que serpenteia a montanha. Isso é salutar.
Deferência para quem lê essas linhas.