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Descriminar e discriminar, irmãos não-vitelinos confundidos pela aparência. Cuidado!

A referência a ‘irmãos’ é apenas chamada enfática e metafórica. Por serem  parônimos, assemelham-se na pronúncia e na escrita. Verbos dinâmicos, têm significado próprio e distintivo.

Pode ser que o aspecto fonológico, ou o sotaque da pronúncia do falante, crie dúvida quanto às grafias, mas descriminar não é discriminar. Nunca! O cuidado, ao usá-los, é primordial.

Bons dicionários definem muito bem a diferença de significado entre eles, tão emblemáticos em alguns momentos. O grande infortúnio é que, em certos textos ou falares, confunde-se o parecido com o irmão semelhante, ou vice-versa, e lá se vão os danos linguísticos.

Se são muitos lapsos, como proceder?

Bom artigo em revista jurídica, tratando de direitos humanos e do que seria homofobia, faz relatos a atos discriminatórios que acontecem em portaria de clubes, com pessoas de má aparência, com desconhecido dirigindo carro de luxo ou com quem adentra um departamento destinado à elite e ali não é conhecido ou está com indumentária inadequada. Esses e outros fatos, certos casos e causos, mas, no momento da chamada verbal, o autor mescla descriminar com discriminar. No seu caso, seria discriminar.

Discriminar, no âmbito comum, fazendo-se a relação de produtos, especificando-se documentos na contabilidade, separando-se na loja meia, lenço, cueca, short etc., é relacionar, citar um por um e expor seus dados, preço, quantidade, data de recebimento, empresa fornecedora.

Diferenciar, distinguir, discernir, separar, especificar, relacionar.

Pode ser, ainda, diferenciar o bom do mau, o bem do mal, em que um não é o outro. Mostram-se as diferenças. Esse um dos aspectos de discriminar, bastante amplo.

“Meu pai e seu colega são iguais./ Ambos são cultos, altos e morenos./ Porém, na andança da vida,/ sob o orvalho do pequi,/ seu colega lê Shakespeare/ e meu pai folheia gibi.” (in Igualdade Diferente, do livro Cenas da Vida (O homem e as coisas), uma de minhas obras, publicada pela Frama Editora, 2010).

Sinopse: discriminar (isto é, pôr à parte, semântica vinda do Latim discriminare) é: 1. Diferenciar, distinguir, discernir. Discrimina-se o produto a partir de sua origem. 2. Separar, especificar, relacionar. A transportadora discrimina a mercadoria para determinar o valor do frete. No Imposto de Renda, discriminar de forma clara todos os bens.

Desses conceitos é que nasce a discriminação no aspecto ofensivo ou pejorativo. O ato de se discriminar alguém pela cor é um viés. Não é o mesmo ato de se diferenciar o nabo do rabanete, que podem ser parecidos. E, por extensão, a discriminação que se deve fazer entre uma religião e outra, o discernimento que uma pessoa prudente pratica no dia a dia. Um daltônico pode não ser entendido por não fazer discriminação de todas as cores. Todo mundo sabe discriminar a nota verdadeira da falsa?

Seriam fáceis essas distinções, mas o comum é que discriminar seja substituído por diferenciar ou distinguir.

Se se trata de ofensa, vêm os atos discriminatórios, que são abomináveis, contra pessoas, que devem ser coibidos, proibidos e combatidos legalmente. O 18 de maio, como data social destinada ao enfoque de fato relevante, é dedicado ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Crianças são discriminadas, como também praticam-se atos discriminatórios contra pessoas diferentes das comuns em nosso dia a dia.

Abusar de incapaz é ato discriminatório, e o autor do ato impróprio terá que ser punido. A propósito, a maioria de jornais diz ‘Estupro de Vulnerável’, que seria, perante a Semântica, Estupro a Vulnerável. Seria melhor assim. Não ficaria mais claro? No pensar deste blogueiro, ‘estupro de vulnerável’ poderia insinuar, ou confundir, que o vulnerável teria praticado o ato. Abusos a crianças, e não abuso de crianças.

Descriminar, mais fácil de ser entendido?, é a ‘despunição’ do indivíduo. O meliante, autor de ato ilícito, por alguma circunstância atenuante, ou em virtude da lei, não é punido.

Descriminar, em outro patamar, vem sendo substituído, por muitos expoentes da mídia, por descriminalizar, que parece chique. A descriminação ou descriminalização do uso da maconha, e não ‘da maconha’ (não é a maconha a culpada do crime), ou de seu usuário, havendo amparo ou circunstância legal.

Essa suposta descriminação, ou descriminalização, assunto polêmico, está por vir ou pode vir a ser real um dia. Descriminando-se alguém, é feita a retirada da condição de crime, excluído o usuário do caráter criminal. Não é mais criminoso. E querem que a prática do aborto ilegal seja descriminada, isto é, que a mãe e quem pratica a retirada do feto não sejam punidos.

Seria legal a descriminalização do aborto? Até a criança anencefálica teria o direito de sobreviver, e não é legal ‘matá-la’ antes de nascer; a sua condição de anencefalia a levaria à morte? Se for isso, deixem que a morte venha naturalmente, além de não colocar em risco a vida da parturiente.

Já a discriminação, que acontece em grande dimensão, é feia, imoral e indecente.

Discriminar alguém por ter estatura inferior ao padrão, por não ter beleza padronizada, por não ter a inteligência vista como ideal na sociedade. Isso acontece em abundância. Discriminar o idoso, discriminar até quem anda de bicicleta no meio em que a maioria tem carro de luxo. O cidadão idoso, não vestido a caráter, adentra a loja de cosméticos e perfumes e se dirige à atendente: “Eu queria uma loção pós-barba.” E ela responde aos berros: “O senhor é revendedor?” (Essa repartição atende a revendedores ou vende somente a atacado; o homem não sabia disso. A senhorita não teria outra forma de atendê-lo?). Isso é discriminação. Certamente, se fosse um rapagão, com toda aquela indumentária e aparência exótica, não resolveria seu problema, mas o atenderia de forma diferente, indicando-lhe com um sorriso o local certo.

Discriminar é crime, e muitas histórias há pelo fato de um ser humano não ser ou não estar de acordo com certo padrão social.

A Constituição do Brasil, a Carta Magna, proíbe a discriminação por causa de cor, religião, sexo etc., exatamente, não nessa ordem. Discriminar, nesse momento, é segregar, ofender, tratar com preconceito.

O tratamento dispensado a um desconhecido pode ser discriminatório. Chamar o idoso de ‘tio’ ou ‘seu zé-dos-anzóis’, e outros pejorativos, é algo vexatório. Não se deve aceitar esse ‘nojo’. Numa feira-livre, estando de bermuda surrada, recebi esse tratamento. No outro dia, de paletó e gravata, fui tratado ‘com dignidade’ e chamado de ‘doutô’.

Isso pode?

 

 

João Carlos de Oliveira

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