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E aí, cara, já palrou hoje? (O que é palrar? Qual a pronúncia correta?)

Algumas palavras podem esboçar uma dúvida cruel antes de serem pronunciadas. Na incerteza, o falante fica à deriva e, calado, adia a busca pela pronunciação adequada.

De imediato, deveria galgar o penhasco e vislumbrar onde se encontra a saída para a planície serena.

Em muitos casos, provavelmente, a pronúncia correta só aparece depois com a ajuda de um bom dicionário ou de um especialista em linguagem, no tocante à Fonologia.

Para alguns, palrar seria uma dessas palavras. Deve ser analisada sua estrutura gráfica: p-a-l-r-a-r. O erre causador do receio não está entre vogais; depois da consoante (L), sua boa pronúncia segue a normalidade, isto é, não é gutural. Apenas, o R normal de rua.

De origem latina, nascido de ‘parolare‘, que passou entre nós a ser parolar e, agora, palrar, temos um verbo forte, cujo significado é falar muito, talvez, sem nexo; articular sons sem perfeição nem sentido, tagarelar, conversar, palestrar, palavrear.

Seus sinônimos parolar e parolear, cada um com sua nuancevêm a ser ‘produzir parolas’: emitir palavras ocas, vazias.

Observe com atenção as grafias: parolar, parolear, palrar.

Por que este comentário?

Um jovem, estudioso, cursando Letras, habituado às meticulosidades da Língua Pátria, preocupado que anda com o mau uso do nosso querido idioma, que sofre danos diversos (alguns o assassinam, mesmo que usemos uma metáfora desgastada), demonstrou a terrível dúvida de como seria a boa pronúncia de ‘pal-rar’, momento em que pronunciou um R gutural, bem no fundo da garganta (rapando cuia!), com sua voz de locutor neófito. O erre gutural se assemelha ao mesmo da palavra ‘caro’ (ca-ro), diferente do erre inicial de todos os vocábulos iniciados por essa consoante: rato, reto, rito, roto, ruta.

O rato roeu a roupa do rei de Roma (erre normal, tão conhecido de todos nós). Essa repetição fônica (ra-re-ri-ro-ru) é chamada aliteração, uma figura de linguagem.

Todo vocábulo deve ser estudado em três aspectos: grafia, significado e pronúncia (mas esta, só em casos especiais, é destacada). A xérox, o estoicismo, o amplexo, o anexo, o exato, o xale, o extravio, a omoplata.

Consultado, disse-lhe que deve ser ‘pal-rrar’ (imitação fônica) e não ‘pau-rar’ (como queria). ‘Deve’, nessa fala, não insinua suposição, mas o que é da norma gramatical fonológica: a pronúncia adequada.

E questionou: “Por que todos ‘falam’ pau-rar?” Não seriam todos. Sua visão e questionamento, infelizmente, são infundados.

Tenho alegado que não se vai, por questão de bom-senso, corrigir uma pronúncia incorreta (a não ser que haja uma consulta). Por isso, leva-se algum tempo até se descobrir a boa pronúncia de muitas palavras. Na sala de aula, normalmente, o professor não é consultado em caso similar: seria uma pergunta tola, e o consulente ficaria com receio (quiçá, pela reação do mestre e visão de indelicados parceiros).

A outra explicação dada ao simpático jovem, estudante dedicado, é que o dicionário, quase sempre, não esboça o aspecto fonológico de certos vocábulos. Prima-se pela grafia na dedução de que ela, somente ela, seria o ‘norte’ para a forma correta de uma boa pronunciação. Nem sempre.

Temos o caso gritante em que muitos, mesmo vendo a grafia ‘mortadela’, enchem a bocarra de certo ar irrespirável e dizem ‘mortandela’! Pense nisso.

Busquemos mais uma explicação, quem sabe plausível, para a boa pronúncia de ‘palrar’. Lembre que vovó usou, ou ainda usa, o ‘bilro’ (peça semelhante ao fuso, de metal ou madeira, para fazer rendas). E a pronúncia desse termo popular estaria errada, deixaria dúvida? O Ceará é um dos Estados mais rendeiros do Nordeste. A Bahia, Pernambuco e Alagoas (?) estão na lista de grandes produtores de renda. Têm regiões ‘bilreiras’, que vivem da renda de usar muito bem os bilros. Bilreiro nada tem a ver com birrento.

E agora, meu caro, qual a pronúncia (correta) de bil-ro? Não pensou em outra palavra? Lembro-lhe esta: abalroar, verbo usado no dia a dia quando o trânsito não flui, e o motorista pouco educado tenta avançar e ‘esfrega’ a frente ou a lateral de seu veículo em outro e ainda que ter razões. Esbaforido, vai às vias de fato.

Abalroar, o não-figurado, é atacar com balroa: instrumento com 3 ou 4 ganchos reunidos a uma única haste, que serve para abordar embarcação (geralmente, a intrusa).

Conjugue esse verbo no indicativo presente: eu a-bal-ro-o, tu abalroas, ele abalroa, nós abalroamos, vós abalroais, eles abalroam.

Ontem, você abalroou seu veículo e ainda criou caso?

Já ouviu falar que os pássaros ‘chil-rei-am’? O que é chilrear? Observe a grafia e pronuncie: chilro, chilrear, chilreia, chilreiam. Se quiser, os pássaros chilram (de chilrar).

Busque outras palavras que tenham L seguido de R. Existem algumas.

Melro (ave). Melroado, cavalo de cor escura, como a do melro.

Compare: Daltro (antropônimo), feltro, filtro, parse (pessoa sectária de Zoroastro), persa. Balsa, cadafalso, falso, salsa, valsa.

S, depois de L, não pode ser pronunciado com o som de zê. Assim, o mesmo caso do R depois do L.

Outros exemplos.

Avulso, Celso, excelsitude, excelso, expulso, pulso, repulsa (palavras cuja pronúncia norteiam para se chegar a ‘pal-rar’, de forma correta).

Melra ou mélroa (a fêmea do melro). E a ‘guelra’, comum na maioria dos peixes?! Se você pronuncia corretamente ‘guel-ra’, pronuncie, agora, com segurança: pal-ra, pal-rar, pal-re. Nunca palrou na vida, cara?

Conjugue-o no presente do indicativo: eu palro, tu palras, ele palra, nós palramos, vós palrais, eles palram.

Outras formas e tempos verbais.

Eu palrei ontem… Tu palraste? Que o membro palre menos na próxima reunião do Conselho. Aliás, já tivemos no Brasil, por influência dos costumes lusos, o Curral do Concelho, local em que ficavam as bestas (ou mulas) dos feirantes enquanto estavam na lida, mesmo local a que eram recolhidos os animais perambulantes pelas ruas da vila.

No aperto, alguns palram como elefantes famintos.

Há quem chame a cambaxirra de ‘cambaxilra’ (camaxilra), por um estranho sotaque regionalista, tornando essa variante uma grafia aceita (?). Seria a influência de chilrear?

Não vislumbrei palavras com ‘olr’ (para uns, bolra de café?), mas encontrei ‘ulrei‘, bandeira-alemã (para mim, desconhecida). Reveja alr, elr, ilr: palra, melro, bilro.

O Iraque tem uma cidade com grafia que poderia dificultar uma boa pronúncia: Basra.

Diga lá: bas-ra.

Que tal o anagrama de olor, orla, orlar? Respectivamente, olro, olra, olrar (pronuncie-os). Ficaria estranho? O poeta pode fazer uso dessas criatividades, assim como de Isabel se faz Belisa e de Natércia, Caterina.

O bom locutor tem voz radiofônica, mas nem sempre fala corretamente. E aquele que fala corretamente nem sempre tem boa voz, como um professor, que, às vezes, de tanto falar, tem voz rouquenha, cuja dicção parece falha.

Seria o meu caso?

Exceto tudo isso, o cuidado com a pronúncia, fazendo-se uso do bom Português, é necessário. Pronuncie em voz alta e bom som sob o prisma de verdadeira dicção de locutor de rádio: psique, subsídio, supersticioso, psíquico, psicossocial, psicologicamente, relapso, repulsivo, reentrância, reembolso, repulsividade. Bilro, melro, mélroa. E agora: palrar! (‘Pau-rar’, como se o R estivesse entre vogais (caro, mero, firo, soro, muro), não é pronúncia viável.

E aí, cara, acatou o comentário? Refez sua pronúncia? Como foi o fato de ter chegado à forma como usou? Fez alguma comparação com a pronúncia correta de outros vocábulos? Teria feito alguma pesquisa? Por que motivo nunca teria consultado a pronúncia correta de ‘palrar’? Não a acharia no dicionário comum?

Palrar (pal-rar), palavrear, tagarelar, parolar, parolear, falar pelos cotovelos insistentemente.

“Eu já palrei demais na minha vida. Agora, fico calado”, teria dito meu amigo e vizinho.

Abraços.

 

João Carlos de Oliveira

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