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‘Eu tenho ganho bastante tempo’ ou ‘Eu tenho ganhado bastante tempo’? Tem dúvida, companheiro?

Os tempos compostos, em Português, têm como suporte um verbo auxiliar (ter ou haver) e o particípio do verbo principal. Este, a mais sofrida das formas nominais do verbo, tem oferecido alguma dúvida. Não haveria dificuldade de usá-lo não fossem os particípios dos verbos abundantes e, ainda, para somar outro empecilho, o uso de verbo como abundante que não o é.

Em outras redações, podem ser usados os auxiliares ser e estar: o termo errado será supresso, o vinho estava tinto.

Conjugue pegar em tempo composto e veja o que acontece. Ele tinha pegado o ônibus. Eu tinha pego uma gripe de arrebentar. Qual seu modo de usar: pegado ou pego (^)?

Eu peguei. Eu tinha pegado. Há quem diga ‘Eu tinha pego’, redação aceita, mas o som aberto (pégo) não é conveniente. Está correto: Ele foi pego (^) em flagrante (voz passiva analítica).

Pegar, da primeira conjugação, vira ‘uma embolia gramatical modelar’ (sem exagero, professor!): eu tinha pego, com a variante eu tinha pegado, influencia que se crie uma redação estranha com chegar. Eu tinha chegado passa a ser eu tinha chego (infelizmente, expressão muito usada).

Essa forma ‘participial’ não existe. Já usou assim, já viu esse uso?

Pegar é abundante, verbo com duplo particípio, um para a forma ativa e outro para a passiva, mas chegar, não!

Tenho chego é redação ilógica, nem é aceitável gramaticalmente, além de outras: eu tinha compro, eu tinha falo. Etc.

Eu tinha comprado, eu tinha falado, eu tinha chegado: comprar, falar e chegar têm apenas um particípio; não são verbos abundantes.

‘Eu tinha falo‘, gramaticalmente, é correto se não se tratar de tempo composto: indica que o falante tinha o órgão sexual masculino e, nessa acepção, foi extraído. Nada mais.

Deduz-se, ainda, que o fato de haver ‘eu tinha dito’ (correto) motive o incauto a usar ‘eu tinha falo‘. Corte-o! Na fala cotidiana, eu tinha dito (eu tenho dito) pode ser substituído por ‘eu tinha falado’ (tenho falado), eu tinha narrado (tenho narrado), mas a sinonímia nem sempre é costumeira de alguns.

Por causa desses tropeços, é que o cidadão, cuidadoso com o que fala, fique em dúvida se seria Tenho ganho ou tenho ganhado.

Ambas as formas estão corretas, porque ganhar é verbo abundante.

Façamos uma lista dos principais verbos abundantes, como nos relata a Gramática Normativa.

Aceitar: aceitado e aceito; afetar: afetado e afeto; corrigir: corrigido e correto; eleger: elegido e eleito; entregar: entregado e entregue; enxugar: enxugado e enxuto; expressar: expressado e expresso; ganhar: ganhado e ganho; gastar: gastado e gasto; imprimir: imprimido e impresso; isentar: isentado e isento; juntar: juntado e junto; limpar: limpado e limpo; matar: matado e morto; morrer: morrido e morto; ocultar: ocultado e oculto; pagar: pagado e pago; pegar: pegado e pego; salvar: salvado e salvo; segurar: segurado e seguro; situar: situado e sito; soltar: soltado e solto; sujeitar: sujeitado e sujeito.

Eu tinha aceitado o cargo (voz ativa); o cargo foi aceito por mim (voz passiva analítica). Eu tinha elegido o candidato; o candidato foi eleito com dez votos; ela tinha limpado a casa; a casa foi limpa; os mergulhadores tinham salvado os meninos; os meninos tinham sido salvos; o Ibama tinha soltado os pássaros; os pássaros foram soltos; eles nos tinham sujeitado a todo tipo de discriminação; nós estamos sujeitos a discriminações no mundo moderno.

Mas… cuidado: Eu tinha descoberto; não ‘eu tinha descobrido‘; eu tinha dito, jamais ‘eu tinha dizido‘; eles tinham encoberto a trama, não eles a tinham encobrido; eu tinha feito, e só criança não-alfabetizada diz ‘eu tinha fazido‘, o que é muito engraçado, e justo. Não existe eu tinha trago os objetos, mas… eu os tinha trazido.

Nesse aspecto, repisamos dois fatos: podemos usar tinha ganhado ou tinha ganho, mas nunca tinha compro (tinha chego, fazido, falo, trago).

Se a dúvida persistir, a melhor mezinha é mesmo consultar a Gramática; se tiver preguiça, omita sua frase e espere manter contato com um bom usuário. Leia Machado de Assis, e fique curioso com a linguagem regional usada por Guimarães Rosa em Sagarana e Grande Sertão: Veredas. Bons mestres redatores são Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Manuel Bandeira.

Em Chapadão do Bugre, do mineiro Mário Palmério, encontram-se variedades de expressões que nos auxiliam a entender os falares de um Brasil caboclo, diferente do atual, em que a simplicidade seria a mola-mestra da linguagem, tão bonita quanto a cachoeira da fumaça. Dê uma espiadela.

Há outros verbos abundantes, não listados antes, que merecem uma visita, e nos servem de modelo redacional: acender (acendido e aceso); benquerer (benquerido e benquisto); benzer (benzido e bento); emergir (emergido e emerso); imergir (imergido e imerso); erigir (erigido e ereto); exaurir (exaurido e exausto); expelir (expelido e expulso); expulsar (expulsado e expulso); extinguir (extinguido e extinto); frigir (frigido e frito); inserir (inserido e inserto; uma folha foi inserta na página 81 do livro); malquerer (malquerido e malquisto); prender (prendido e preso); submergir (submergido e submerso); suprimir (suprimido e supresso).

Vale a pena a pesquisa. A explicação de outra pessoa, com outra linguagem, fará o leitor ficar a par de mais detalhes, que evitam vexames.

Pausa, como gosto de colocar!

Um cidadão, na feira-livre, expondo-se como locutor, com som possante, fala ao público que tem mel de qualidade, e que é um ‘previlégio’ (sic) o ouvinte comprá-lo, por ser pessoa ‘prevelegiada’ (sic) com a saúde. (Por essas razões, é que devemos elogiar a linguagem ágrafa daquele que não foi à escola. É tão bonito ouvi-lo, dissecando, com extrema simplicidade, o que aprendeu de pai para filho, com a desenvoltura de um falante experiente.)

Juscelino Kubitschek teve o apelido de Nonô, um hipocorístico (nome de guerra em família, o ‘pilido’ carinhoso: Nininho, Diezinho, Ninha, Netinho, Beguinha, Binha, Bibia).

Zoógrafo, autor de desenhos cujas imagens são animais.

Ocapi, espécie (africana) intermediária entre a girafa e o antílope, ameaçada de extinção.

Ati, gaivota charmosa, membro de nossa biota.

Um texto diz que um fruto carnoso é suculento. Será? O abacate, salvo melhor juízo, é carnoso, mas não é suculento; a laranja pode ser suculenta, mas nem sempre seria carnosa, como uma goiaba gigante.

O iludido chama-se, também, iluso. (Não conhecia esse tipo de variante gráfica, e você?)

Uma chamada de palavras cruzadas aponta o ‘dedo’ como agente de apalpação. E pode? Então, o advogado, usando o álibi de seu cliente, que poderia ser condenado por assédio sexual, diria que ele não foi o autor do ato ilícito, mas seu dedo. “Não foi ele, doutor, o agente do crime; foi seu dedo, que estava ansioso de um ato libidinoso”. As interpretações, voláteis, metafóricas e hiperbólicas, são ilimitadas.

Aratu, pequena espécie de caranguejo vermelho que sobe em árvores. O bicho trepa!

(Cumprimento-o por ter chegado ao final do artigo de hoje. Em outros, como foi?)

João Carlos de Oliveira

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