0

Ela é ‘bacharel’ em Direito… Se existe ‘oficiala’, e pedagoga, professora, médica, por que não bacharela?

As flexões nominais de gênero dos substantivos não são tidas como difíceis. Sua abrangência é que nos pode assustar.

Biformes, os que apresentam uma forma para o masculino e outra para o feminino. A terminação -o se torna -a: advogado, advogada; -ês recebe -a: birmanês, birmanesa (com a perda do sinal gráfico); -l e -z recebem -a: bacharel, bacharela; juiz, juíza.

A regra não seria tão assimilável; a praticidade, sim.

Advogado, advogada. O que aconteceu? A troca do elemento mórfico -o, masculino, por -a, feminino.

Juiz, juíza. O que houve? O acréscimo de -a para indicar o feminino usual.

Bacharel, o homem, bacharela, a mulher, como nos preceitua a Gramática Normativa. Assim, coronel, coronela; general, generala; marechal, marechala, oficial, oficiala, mesmo que a sonoridade não seja enfática. A linguagem popular não acata essas flexões.

Os que têm regras especiais: terminados em -or ganham -a: embaixador, embaixadora; trabalhador, trabalhadora; uns empregam triz: ator, atriz; imperador, imperatriz. Substitui-se -or por –eira: rezador, rezadeira; benzedor, benzedeira. ‘Embaixatriz’, esposa do embaixador; embaixadora, mulher que exerce função principal na embaixada. Trabalhadeira, adjetivo, que qualifica aquela que gosta de trabalhar: mulher trabalhadeira, jovem trabalhadeira (atuante, dinâmica).

Os que terminam em -ão passam a: campeão, campeã; capitão, capitã. Peão ganha três formas: peã, peona, peoa, devido a seu uso popular.

A policial é a capitã do agrupamento, e não capitão. O popular até aceita capitoa. Os em -e seguem -a: chefe, chefa; elefante, elefanta. A chefa, pelos caminhos da ressonância, é forma polvilhada de pejorativos.

Abade, abadessa; conde, condessa; barão, baronesa; prior, prioresa; cônsul, consulesa.

Todos registrados em bom compêndio escolar, que deveria estar sobre a escrivaninha de todos os profissionais da mídia.

O avô, a avó (metafonia admirável no seio familiar, senão vô, vó). ‘Bênção, vô!’, indicativo de respeito aos mais velhos, em especial, nossos ancestrais.

O herói, a heroína, cuja mudança da sílaba tônica se torna elegante. Incomuns, czar ou tzar, assim como czarina e tzarina.

Não confundamos, entretanto, palavra feminina (casa, madeira, louça) com um feminino: abelha, a fêmea do zângão (paroxítona) ou zangão (oxítona). O cavaleiro, a amazona; o cavalheiro, a dama; o veado, a corça, ou cerva (nunca se usa ‘veada’, como não se deve usar ‘carneira’ como o feminino de carneiro; carneira é catacumba, ou ‘boda’ para indicar a cabra).

Nosso olhar imerso em preconceitos aboliu o uso de ‘a rapariga’, por ter gerado pejoração. A ‘moça’ pode ser a mais jovem.

Depois dessa leva, a conclusão nos conduz aos Uniformes, que apresentam uma só grafia para o masculino e o feminino, à qual se acrescenta algum recurso para definir o sexo.

Comuns-de-dois: muda-se o artigo masculino para o feminino, o colegial, a colegial; ou se acrescenta um determinante que torne claro o sexo: frentista vaidoso(a); fretista careiro(a); aquele selvagem, aquela selvagem.

Sobrecomuns: têm a mesma forma para os dois casos: Pedro, a testemunha, disse a verdade; Maria, a segunda testemunha, não compareceu; a criança é um menino; a outra criança é uma menina; o cônjuge pediu o divórcio (se houver dúvida, o cônjuge feminino). A vítima, ele ou ela.

Epicenos (para animais e plantas): acrescenta-se um distintivo marcante: a fêmea do jaguar, o jaguar macho; o mamão macho; a barata macho, a fêmea da barata.

‘Testemunho’, relato feito por uma testemunha; o vestígio, o indício, entre outros significados.

O bode, a cabra; o tenista, a tenista; a cigarra macho ou o macho da cigarra; a cigarra fêmea ou a fêmea da cigarra. Nunca “A vítima foi ‘conduzido’ ao hospital”. Homem ou mulher, foi conduzida. A criança é um bebê; nunca usar ‘Vovó é uma carrasca’, mas ‘um carrasco’, nem ‘Minha tia é a monstra da família’; apenas, um monstro.

Modernamente, o sexo feminino atua em áreas diversas, tradicionalmente, reservadas ao sexo masculino. Aqui e ali, certa dúvida quanto ao uso de ‘piloto, soldado, tenente’, e mais ainda quando o redator titubeia entre o general e a general, o bacharel e a bacharel, o coronel e a coronel, o capitão e a capitão, a pensar que um ou outro termo tem a mesma eficácia.

Instituições de ensino, respeitada a exceção, costumam constar em documento ‘Fulana é bacharel’, esboçando dubiedade. Por que não a clareza da desinência nominal de gênero -a: bacharela?

Vocábulos inusitados, não-ligados à nossa cultura, não nos são atraentes: o rajá, a rani; o marajá, a marani (oxítonas) Pejorativamente, usam “Ele é um marajá”, tachando-o de nababesco. É circense a variante gráfica de cunho popular: ladrona (a ladra). ‘Sua cavala’ é aberração de linguagem.

‘A soldado’ soou estranho há algum tempo, mas não o é agora. Hoje, cai bem e seria comum seu uso no cotidiano. O soldado Antônio (…), a soldado Elisabete (…), porque vivemos o policial militar, a policial militar. Daí, concluímos, sem medo de sermos felizes, que o major, a major, o tenente, a tenente são moedas altissonantes.

Se houver extrema dúvida de sexo, acrescente-se um adjetivo marcante: ‘a piloto tunisiana’, ‘a soldado recém-formada’.

Por que ‘a papisa’ se essa função não existe? Um artigo ironizou a professora que exigiu do pimpolho do primeiro aninho o feminino de pardal (pardoca, pardaloca). Quem gongou foi a mestra.

O linguajar arretado prefere a jabota no lugar de o jabuti fêmea, a namorar sob os olhares da Lua Cheia. Quão lindo é o amor!

O militar, a militar; o PM, a PM, os PMs, as PMs, e de novo: coronela, generala, capitã.

Mestre, palavra magistral em si mesma, tem tido duplo feminino: a mestra, para dizer a professora, e ‘a mestre’ quando querem dizer a pós-graduada com mestrado. ‘A mestra’, nesse caso, seria de pouca repercussão? Um preconceito anunciado?

‘A poeta‘, feminino hodierno, é modismo. Sabemos que ‘a poetisa’ revela doçura, meiguice, quão grandiosa é sua ‘poética’, como nossas queridas Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa, grandes poetisas, ou Júlia de Almeida, escritora notável. Cora Coralina dispensa comentários.

Se aceitos, o mestre e a mestre passam a ser comuns-de-dois, classificação de que a Gramática Normativa não fala.

A giganta, a elefanta (aliá é a elefanta jovem indiana). Menos aceitáveis, a gerenta, a presidenta, a chefa. Todos existem; o que é questionável é a aceitação popular. O magarefe, a magarefe. E a magarefa?

Não nos assustemos, pois, com ‘novo’ feminino, porque mudanças surgem. Deve prevalecer o aspecto semântico sobre o gráfico.

O filho-homem e a filha-mulher ainda são usuais em certas regiões.

Aquele que usa ‘a cônjuge feminino’ transforma o idioma numa obstrução. Na extrema dúvida, ‘o cônjuge feminino’ , diferenciando ‘varão’ de ‘varoa’, cujo uso ainda nos chama a atenção.

Um tópico:

“(…) 1 milhão de bebês morrem por ano após parto prematuro (…)”. Morrem ou morre? O sujeito, ‘l milhão de bebês’, embora indique quantidade elevada, está no singular; assim, deve estar o verbo. Alguns redatores, talvez, por influência de ‘Um bando de pássaros voaram’, verdadeira licença poética (Um bando de pássaros voou, como um bando voou), flexiona o verbo no plural. Para chamar a atenção? Um mil contém mil unidades, sujeito singular, por isso, melhor seria ‘1 milhão (de bebês) morre por ano’, redação enxuta, própria do nível culto. O uso do verbo no plural caracteriza concordância ideológica (hipotética ou imaginária), e poderia causar dúvida semântica. ‘1 número elevado de pessoas toma remédios por conta própria’ ou ‘1 número elevado de pessoas tomam remédios por conta própria’? Ideal o singular, mesmo que a concordância verbal aceite que a segunda, também, ‘pode’.

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *