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Estamos na ‘luita’ e na ‘labuita’! Êta linguajar arretado, e esse é dos meus!

Nossa Fonologia é dinâmica, mesmo que pareça atroz. Essa pronúncia específica veicula em certas comunidades ou em momentos de emoção, cuja ênfase torna o falante pessoa feliz e filosófica.

Uma cultura, local, regional ou nacional, para ser o que é ou desejaria ser, deve respeitar o que o inculto ‘sabe’. A cultura que não respeita os saberes do outro, por mais diferente que seja, torna-se ‘inculta’.

Esta a introdução de hoje.

Este comentário, que envolve o Português hoje em dia, quer ser ecumênico, com vasto respeito à incultura sadia, inata a um povo ágrafo, mas portador de saberes diversos. Um encanto, conduz-nos a observar o quanto seu nível cultural se diversifica e é multicor, o que nos dá enlevo para admirar o outrem, mesmo que diferente seja.

“O negócio é o seguinte: o preço da égua é cento e vinte”.

O preço da vaca, da porca, da mula, da besta… porque as fêmeas, supostamente, são de valor inferior ao dos machos. O homem simples passa montado numa mula quatralva, e o rico, num cavalo manga-larga marchador, potro de três anos, cujo valor é cinco, seis vezes, ou mais, o da égua de picadinho macio, mesmo que encante a todos, por ser uma fêmea e não um macho, que ainda poderia ser de raça. Animal PO.

Esses são nossos momentos culturais, que abrangem a vivência de cada região, como admirar o camponês montado num jumentinho na Chapada Diamantina. Em outro lugar, o olhar seria menos direcionado, ‘veria’ menos detalhes, mas sendo lá, só por ser nos rincões de linda cultura regional, enxergamos o humano e o animal com visão mais ampla.

Enquanto isso, já que nosso tema é idiomático, o jornal usa “Caso se aprovado”, falando de vestibular. Bastaria ‘Caso aprovado’ ou ‘Se aprovado’. Caso se aprovado é o mesmo Se caso aprovado, em que existe um disfarçado pleonasmo vicioso, redundância letal que não parece ser.

Enquanto isso, outro texto moderno usa “extra-salariais” (sic), ao comparar o salário de magistrados brasileiros com o de outros países. A Reforma Ortográfica, para esse caso e similares, determina que o hífen deve ser eliminado. Grafia atual: extrassalariais, estranha que seja, assim como ‘ultrarradicais’, derivados prefixais em que um fonema deve ser repetido.

Se deve ser ‘utrassensível’, devemos grafar ‘ultrapura’, a cocaína descoberta na Alemanha numa kombi paulista. E assim: subdiretora (sem hífen ou deixado espaço em branco entre um elemento mórfico e outro).

Por falar em grafia, a correta ‘jabuticaba’, a de todo o País, mesmo que certo clã pronuncie diferente, não deve ser ‘jaboticaba’. Um dia, talvez, a Gramática registre as duas variantes gráficas, cada qual nascida de um sotaque.

Quiçá, o artigo de hoje nem título tivesse, mas a etiqueta exige uma posição, por isso o título deslizante acima: nossa riqueza cultural está nas diferenças; não seríamos ‘ricos’ se ‘iguais’ fôssemos. Nunca o seremos.

O leitor tem sua vez de pensar e dizer o que vê sobre a diversidade cultural que nos cerca.

Sempre, há um pormenor ao ouvirmos os falares das feiras-livres, em que o ‘novo’ nos salta aos olhos.

Quanto custa o ‘abacaxi’? Saboroso, é eficaz para nossa saúde. No entanto, alguém fica possesso envolvido no maior ‘abacaxi’ da vida.

Dá o que pensar.

As expressões em desuso são muitas, por puro preconceito com a visão de que o inculto fala ‘errado’. Esse ‘amigo’ nada tem que possamos admirar? O bolo ‘solado’ da vovó, feito de milho socado no pilão, e daí o fubá grosso para o quitute ‘saudio’, o orgânico de então, sem aditivo. Pesadão, é uma delícia!

Dona Crisólita, ou Crisolita, acorda cedo para ir à feira e não sai de lá sem uma xepa. Volta alegre com a cesta, ou o aió, carregada de novidades. Xepeira, sabe negociar. O feirante deve aprender a não jogar o produto fora. Quanto desperdício no mundo atual!

“Sua arengueira!”, a que vive a preocupar-se com a vida alheia e se esquece da dela.

Arenga é fuxico, e quem fuxica, ou cochicha, o rabo espicha. Seu dicionário, ‘cumpadre’, tem esses termos? Arenga, arengar, arengueiro, arengação? Pode não ter, mas estão em sua cachola.

Correto escrever ‘multirresistente’, grafia moderna, mas não o extravagante ‘transsexuais‘, como querem alguns. Reveja a pronúncia de ‘transa’, cujo esse é zê forte, como em trânsito, transitar, em transar, transado (confronte: trançado), transação. Não altere a grafia transexual ou transexualidade, e outros da mesma família etimológica, mesmo que a pronúncia possa permitir diferença fonológica. “Transsexuais“, como diz artigo, falando de lei chilena sobre o assunto, é estarrecedor, como escrever ‘excessão, pretencioso’.

Aprende-se com o mais velho no círculo de amizade ou convivência por questão familiar ou de trabalho. Ser único não é benfazejo. O melhor é o coletivo.

“O país está (entregue) ao Deus dará”, para dizer que caminha na corda-bamba, a bancarrota. A Fazenda Deus Dará está logo ali, no Município de Ibirapuã, BA, e ‘o País vive ao deus-dará’, entregue ao nada, aos caminhos tortuosos da corrupção e outros males sociais, porque na cabeça de uns vale o ‘ter’ e não o ‘ser’.

‘O marco’ está a uma distância até 05 km para o aeroporto, e não ‘a até de 05 km’.

‘E teria chegado para às 11 horas’. Se já temos ‘para’ por que ‘às’ (com crase)? E teria chegado para as 11 horas.

Diante disso, ‘luita’ e ‘labuita’ são pérolas. E fruita? Apesar da origem latina (fructus), usamos fruta, mas ‘octus’ deu oito, e por que aquele não daria fruita? A pejoração, que indica nível abaixo do padrão, não permite.

A tribo que mora na Ilha Sentinela do Norte, na Ásia, deve ser respeitada. O ‘lar’ dela, diferente do universal, em que não é imune a muitas doenças virais modernas, sofreria catástrofe irreversível, e poderia ser extinta. Por que (para que) invadi-la? Os sentinelenses, como quer paleontologista indiano, são pacíficos. Reagem por serem incomodados, temendo a invasão de estranhos.

Disse um jornal que “EUA ‘criou’ o vale da morte” (sic). Substantivos próprios precedidos de artigo (As Minas Gerais, os Estados Unidos) exigem o verbo no plural: Os Estados Unidos são a Nação mais rica do Planeta. EUA ‘criaram’ o vale da morte.

O uso de ponto entre as letras de uma sigla é opcional. Melhor o visual livre, sem pontos: INSS, e não I.N.S.S.

BO (Boletim de Ocorrência), tão usual, não pode ser B.O, nas poderia ser B.O., embora sem eficácia.

“Lá em casa somos em oito”, diria o cidadão expressivo em linguajar regional. A norma culta opta pela forma sem preposição: Lá em casa, somos oito, como nos ensina a obra ‘Éramos seis’, grandioso romance de Maria José Dupré.

O repórter teria dito que não ‘se sabe em quantos são’. Não se sabe ‘quantos são’, falando dos sentinelenses.

Esses falares são um prato-feito para o Português hoje em dia.

João Carlos de Oliveira

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