Nesse conjunto em que se fala a menos ou a mais, o decrescendo no primeiro, e o crescendo no segundo.
Cada um tem seu modo de ser ‘comunicativo’, sua visão de mundo e sua comunicabilidade, importância e abrangência. O modus vivendi, entretanto, de um para o outro difere conforme o nível cultural e socioeconômico, embora esta não seja afirmação embasada em pesquisa científica.
Semanticamente, o calado nada diz, mas a praticidade e a vivência lhe dão voz autônoma, que deve ser analisada com perspicácia.
O mudo deste comentário não é o surdo-mudo, mas o tão calado, que, de pouco falar, é quase ‘mudo’ por sua índole, jeito ou vergonha de ‘abrir a boca’, com receio de dizer alguma coisa fora do tom. Pensante, demonstra mais e pouco se manifesta. O ‘silêncio é ouro’ lhe diz muito. “Em boca fechada, não entra mosquito”: melhor ficar calado que dizer asnice.
O calado é simples, ‘falante’ de meia dúzia de palavras, mas nenhuma ilógica, todas bem pontuadas. Fala pouco, mas bem (somente o agradável). Não intervém se não é chamado, filosofia de vida valiosa como um diamante.
O falante (exagerado) vai além dos limites; quase sempre, extrapola, torna-se insensato e pouco conquista. A antipatia pode ser uma marca. No passado, quem gostava de falar o que não devia era chamado ‘intipático’ (chato e inoportuno). Para que falar se pouco se aproveita do que sai de sua cumbuca de nenhuma surpresa?
O extrovertido é um exagero, sempre com o excesso que causa mal aos tímpanos pensativos. Seus dizeres nada acrescentam, já que não se trata do ‘extrovertido’ alegre, comunicativo por excelência. “Bom-dia, tudo bem? Boa-tarde, como foi o ontem? Boa-noite, o céu está lindo com a Via Láctea que passa sorridente. Olavo Bilac, o Poeta das Estrelas, ainda está vivo”. “Ninhos cantando! Em flor a Terra toda!”
O bom-senso prefere o tímido ao falante desregrado, estabanado. Costuma falar alto, e só ele seria o ‘dono da verdade’. Gera discórdia e pouco convencimento. ‘Moderno’, extrapola e sabe dos direitos alheios. Pouco acolhedor, seria o ‘evoluído que sabe reclamar’, mas deixa o rastro de nenhuma resiliência nem acordo de paz. A cor branca é negra.
Tomemos um pouco de cuidado. A precaução é viável como um lenço que enxuga as lágrimas. Pequeno objeto com valor de ‘pedra preciosa’ pode tornar-se uma esfera tórrida. Nesse ínterim, ‘Uma boa imagem vale mais que mil palavras’? Seu limite e seu campo molecular precisam ser provados, e aprovados.
Porque ‘imagens’ podem ser falhas. Oferecem tantas visões, e uma seria ofuscante. A palavra, por outro lado, é direta, diz de plano, e logo se discorda ou concorda. Um gesto obsceno e o dedo em riste para acusar alguém são ‘pesados’. Uma palavra, falada ou escrita, pesa mil tons. “Vá tomar no seu c…” ofende mais que o gestual.
Numa aula, foi dada como tema de redação uma imagem xerocopiada. O que seria?
O ‘monturo’ da vida em que jazia uma ‘sombra’. Na busca incessante, poderia ser visto um corpo.
A turminha suou e pouco viu. Mas havia ‘visibilidade’.
O resultado é que os textos não foram satisfatórios, e o debate gerou muito lenga-lenga, linguagem regional do muito falar e pouco dizer. Por isso, o calado ganha força e sua filosofia de vida tem a valia de um desenho rupestre de milhões de anos na Serra da Capivara em São Raimundo Nonato, no Piauí, local de farturas em que a NASA pode mostrar todos os ângulos da vida e da morte, ‘animais de hoje e de ontem entre as rochas’.
O verdadeiro que se esconde fica mais charmoso e rico. Que grandeza!
O que mais pesa em momento assim é delicado, e o falante pode sair sem ter realizado sua ‘missão’.
Boa a análise com palavras certas, a prudência dos dizeres, o olhar de lince que vê e não revela o segredo.
Na reunião em que todos falam ao mesmo tempo o tumulto se sobressai, a torre de babel impera. A comunicação se esvai, a dialética é vista distante na curva sinuosa.
Um programa televisivo em que se fala muito e, a todo instante, a ‘notoriedade’ interrompe o visitante simples. Quanta dor! Risadas descabidas nocauteiam o semblante calado. “Fulano fez isso…”, e a gritaria faz eco no paredão da incivilidade. ‘Circo atônito’, programa desse naipe está no baralho do desserviço comunicativo.
“O turista esteve na planície de uma terra desconhecida” para eclodir o ovo da serpente mágica, nascida das cinzas do além. A fênix desconhecida. Ao fim do programa, o tormento nos tímpanos de quem deveria ser aplaudido com um sorriso, com ‘parabéns’, com o olhar de maestro em apoio ao aluno-aprendiz que toca a flauta pela primeira vez. O pastor grego flautista foi embora decepcionado, os tempos helênicos deixaram de ser época histórica.
Prefere-se o silêncio em que o sabiá-laranjeira canta, em que o canário-da-terra gorjeia como o uirapuru, ave canora, e a fronde da árvore mais alta se cala para ‘ouvir notas musicais’.
A comunicação sábia da leitura de um best-seller no divã de um rei prudente cuja vassalagem o aguarda lá fora. O rei chega e é aplaudido; cortês, pousa à janela e sorri. A Côrte discreta conquista. (Grafia antiga.)
A poetisa tímida ‘falante’ cujo soneto se fecha com chave de ouro. Sua meiguice é a face corada com versos lindos: “Sei que canto. E a canção é tudo. / Tem sangue eterno a asa ritmada. / E um dia sei que estarei mudo: – nada mais”. Cecília Meireles in Motivo.
Vendedor estabanado, o único a falar. Muita conversa jogada fora. Faltaram os aliados: conversa moderado-justa, bom produto, bom preço, atendimento in concert.
Linguagem enganosa morre cedo. Linguagem nefasta não é a que não diz tudo, mas a que deixa uma linha divisória entre o leitor e o texto; o álibi do crime doloso é disfarce intragável. Vendedor ruim só vende uma vez. “Enganei o tolo”, mesmo não registrado, estampa-se no espaço sideral e ocorre em muitas Luas.
Nessa época, não havia ‘fake new’, mas a resenha que isolava o mascate persona non grata. Tinha que ir embora com a mercadoria no lombo dos jumentinhos cansados. E ele sonso a pensar. “O que fiz?” Não vendeu nem uma peça para anotar no caderninho de crediário.
Conversa para fazer boi dormir perde seu campo. Mentiroso cai das pernas logo, logo, e é visto ‘sonâmbulo’ à beira da água turbulenta sem saber o que fazer, no rio Itapecuru-Mirim em Jacobina, a Bahia do Piemonte da Chapada Diamantina.
O papo de hoje é este.
Prefira o tímido e calado ao falante estabanado.
Feliz Natal. Boas Festas.