Em tempo anterior, pouco se ouvia ou lia ‘por conta de‘, locução conjuntiva, ‘poderosa’ em textos da mídia moderna. Antes, de uso restrito àqueles que se consideram inovadores da linguagem, até por não usarem a vetusta ‘por causa de‘, hoje está em voga em todos os níveis.
‘Por conta de que’ você não veio ontem? ‘Por conta da chuva.’ (Por conta de que choveu muito.) ‘Por causa de, por causa de que’ tem uso reduzido modernamente.
A preferência atual é ‘por conta de’, estampada em todos os enunciados que expressam causa, um porquê; às vezes, ‘em virtude de’.
A ‘jovem’ teria o mesmo valor semântico de sua ancestral, quase ‘morta’, como ‘as ceroulas brancas’ de meu bisavô?
Cabível dizer que, entre dez textos da atualidade sobre costumes, crimes, política etc., nove a usam, cujo autor demonstra a sensação de estar a par das novidades circulantes.
Um texto sobre famosos, alguns do futebol bilionário, registra ‘por conta dos beijos’, sensacionalistas, dados pelos entes mais felizes da face do orbe em que vivemos.
A Gramática preceitua que ‘por causa de’ equivalha a ‘porque’, com o valor semântico de ‘em virtude de, visto que’.
‘Porque choveu muito, não pude vir.’ ‘Por causa da chuva torrencial, não pude comparecer.’ ‘Em virtude de ter chovido muito (visto que choveu muito), não pude vir.’
A modernidade é que prefere, para todas, apenas ‘Por conta da chuva, não foi possível vir’.
‘Porque, por causa de, em virtude de’ são congêneres, mas, agora, a ‘ninfeta’ de sotaque forte ‘por conta de’ se evidencia.
Se buscarmos o viés de outros conectivos subordinativos, destacamos: ‘para’, conjunção subordinativa adverbial final, tem a mesma eficácia de ‘para que’, que se torna ‘a fim de’ ou ‘a fim de que’. A dificuldade de uso estaria na flexão da forma verbal: Pede-me para avisar a todos que não vem hoje. Pede-me para que avise a todos (…).
Venho aqui a fim de comprar um carro novo. Venho aqui a fim de que compre um carro novo (de que possa comprar).
Opções não comuns ou usuais. Preferem o imediatismo: Venho aqui com a finalidade de comprar um carro novo.
Altercando a substituição de conjunção por locução conjuntiva, Ele saiu sem nada falar se equipara a Ele saiu sem que nada falasse, embora não seja habitual ou, talvez, aceitável.
Por essas razões, nosso dever é saber o momento de usar a linguagem popular, não exatamente a informalidade, e o nível culto, não exatamente o erudito, como em textos jurídicos.
Pessoas se mudaram das residências porque choveu muito forte. Pessoas se mudaram das residências por causa da chuva forte.
Pessoas se mudaram das residências por conta da chuva forte (em pleno vigor).
Qualquer conjunção, em si, seria de uso mais fácil que uma equivalente ou sua respectiva locução conjuntiva. Essa conjectura se clareia nestes enunciados: ‘Chega à casa do amigo para fazer um acordo’, que seria popular. ‘Chega à casa do amigo para que faça um acordo’ (a fim de que faça), que exige maior conhecimento linguístico.
Pena é que confundem ‘afim de’ com ‘a fim de’, tão grande o número de frases em que esse engano é cometido.
Manoel é afim de Cláudia (com quem tem parentesco). Manoel está a fim de Cláudia (linguagem popular, cujo significado seria o de ‘ele tem interesse pessoal por Cláudia).
‘Por conta de’ e ‘por causa de’, ambas corretas, mas cada uma no seu contexto semântico. A polêmica está em se usar uma tal qual a outra, de forma generalizada, o que não parece claro.
A variedade padrão de linguagem no Brasil se diversifica a cada momento, como é próprio de um idioma, deduzindo-se que não seja seguido um único viés.
Os grandes mestres da Literatura Nacional, Euclides da Cunha, Machado de Assis, Graciliano Ramos e outros, como Guimarães Rosa, rumam-nos a uma estrada longa, com inúmeras veredas subjacentes, ora estreitas, ora sinuosas ou retilíneas, tal a diversidade do linguajar, em especial, dos neologismos de nos deixar boquiabertos lá no Norte de Minas, do médico-boiadeiro intelectual, o ‘peão’ entre os capatazes e puxadores dos aboios para bois antes bravios seguirem a longa estrada, agora, ‘mansos e tranquilos’, em que o berrante é ouvido pelo ‘assopro’ do homem rústico no lombo da mula quatralva por vinte, trinta dias, levando-os ao destino de nova morada.
Em Sagarana, Grande Sertão: Veredas, eis a prosa regionalista, como nos ensinam obras didáticas sobre Literatura Brasileira. Essa faceta está viva em Mário Palmério (Vila dos Confins), e outro, de estimáveis adjetivos, Ariano Suassuna (A Pedra do reino).
Rendamos elogios.
Frases típicas de uma região se tornam ‘nacionais’, em que a autenticidade de uns vira domínio público (para todos). Não só os mestres da ficção literária têm o dom de criar, momento de o povo assimilar o inusitado com o andar do tempo, tornando-se ‘popular’ a linguagem culta.
Num abrir de olhos, o texto de um estagiário ou de um veterano encanta-nos e se torna conhecido. Por isso, ‘por conta de’ circula com desenvoltura: o específico de poucos é agora comum a muitos.
Os noticiários estão ‘prenhes’ de ‘por conta de’, que domina os momentos em que a linguagem desejaria esboçar uma causa, não importando esse ou aqueloutro dizer. Todos são aceitos e entendidos, princípio da linguagem moderna. E ‘por causa de’ se perde no vão extenso da ponte Rio-Niterói.
Admite-se que cada uma tem sua semântica, mas, na dúvida, uma faz o papel da outra. Tudo de acordo com a evolução galopante que os idiomas sofrem no mundo atual. Idioma estático não condiz com o lado evolutivo que nos cerca, e, mesmo que rendamos louvores aos versos camonianos, seus termos, entretanto, não nos parecem convidativos para a linguagem do ‘mouse’ dinâmico que se rende a nossa mente inquieta. Deixemos, pois, a pluralidade ocupar seu espaço.
‘Por conta do alagamento, os motoristas que deixaram a av. ACM em direção à av. Garibaldi encontraram um grande congestionamento’, de um texto sobre a chuva em Salvador. Houve ruptura do entendimento?
Ficaria bem a mesma frase com ‘Por causa do alagamento’? ‘Por conta de’, entretanto, beira à expressão que impõe a despesa ‘por conta de quem convidou os participantes’.
Por causa de sua ignorância ou por conta de sua ignorância?
Por causa de uma tempestade brusca, houve grande alvoroço entre os animais no estábulo.
‘Por conta de seu jeito caipira de falar (sobre o ator Lima Duarte, o Ariclenes), chegou a ser desclassificado em algum momento’, mas ele, convencido de sua grandeza e de sua fala regional, de seu sotaque magistral, manteve-se atuante, mostrando sua força.
Vem-me à mente que ‘por conta de’ nasce da espontaneidade e não do que seria causa, como uma intempérie.
‘Por conta de sua alegria, sempre sorridente, Carol, a menina que colhe flores, conquistou a todos.’
‘Por causa da chuva torrencial, o sistema elétrico sofreu blecaute, e todos ficaram às escuras.’
Uma professora de Língua Portuguesa teria comentado que ‘por conta de’ se tornou coqueluche nacional, que seria modismo todos a usarem, achando-a bonita, sem saber a diferença de uma para outra. Para ela, haveria sutileza semântica de uma para outra, que ambas jamais seriam a mesma coisa. A modernidade não vislumbra essa visão.
“Por conta de vocês, fico aqui até mais tarde, esperando que todos terminem o trabalho para irmos embora”, exemplificou. “Por conta da felicidade de vocês, ficam autorizados a ficar mais tempo aqui.” Uma permissão, não uma consequência.
“Por causa dos buracos na rua, não tive como chegar a tempo do começo da palestra”, a consequência de uma causa (detalhou).
“A agência que tem o poder de suspender planos de saúde ‘por conta de’ irregularidades” (sic), frase de um livrinho de palavras cruzadas. Nesse momento, salvo engano, não seria melhor “A agência que tem o poder de suspender planos de saúde ‘por causa de’ irregularidades” (em virtude de)? A atitude do órgão controlador foi a consequência do que teria acontecido.
Fica assim.