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Por que tantos lapsos de redação e grafia encontrados em artigos da mídia?

Embora o título seja, ligeiramente, diverso do primeiro, este comentário se completa nesta segunda parte.

Antes de substantivo masculino, a não ser que se subentenda a palavra ‘moda’ (Fez um discurso à Rui Barbosa), a crase não deve ser usada. ‘Venda à prazo‘ tem circulado com realce em anúncios, talvez, por influência de ‘Venda à vista‘, correta, por se tratar de palavra feminina.

Preposição a e artigo feminino a e as se fundem e formam à e às. Preço à vista. Se o substantivo feminino está no plural e foi tomado em sentido generalizado, não cabe o uso de crase: ‘Celulares conectados à tomadas podem causar incêndio’.

Celulares conectados a tomadas podem causar incêndio.

Celulares conectados a uma tomada. Celulares conectados às tomadas com defeito.

Comerciários, ao tentar vender um produto, usam a expressão ‘Pelo preço de à vista’, que não existe. Preço à vista, preço a prazo. Se fosse possível ‘Pelo preço de a prazo’, certamente, caberia ‘Pelo preço de à vista’.

O uso da voz passiva analítica, de quando em vez, deixa um registro capenga: Foi instalado uma câmera de videomonitoramento na casa.

Se colocada a frase na ordem direta, nota-se facilmente o engano: Uma câmera de videomonitoramento foi ‘instalada’ na casa. A concordância nominal deve ser clara: câmera instalada.

Foi feita uma concessão (foi feito um acordo); foi organizada uma reunião (foi estabelecido um critério).

‘Câmera de videomonitoramento’ seria ‘câmera de segurança’? A conotação implicaria que, havendo uma câmera, todos os registros seriam imediatos e seguros?, mas podem não ser.

Sub sistema, sub-sistema ou subsistema? O prefixo desligado do termo a que se refere não condiz com boa grafia: anti crime, sub tenente, super jovem. A Reforma Ortográfica deixa claro que, em se tratando de consoantes distintas, como B (de sub) e S, de sistema, o hífen se torna desnecessário, da mesma maneira que se grafou e deve ser: subprefeitura, subnutrido, subsolo, razão por que o correto recai na terceira grafia (subsistema). O redator conhece e usa ‘subsequente, subserviente, subsíndico, subsídio’. Antes, sub-reino, sub-rogação; agora, subreino, subrogação. Tomado o modelo ‘subsequente’, do passado e presente, o redator redobra a atenção à grafia de um vocábulo novo, que não constaria em dicionário. Subsistema seria um? E o tradicional subversivo? Subsaariano, subcutâneo, sublingual, subsônico.

Subtenente, superjovem. Anticrime, grafia hodierna correta, que não deve constar em dicionários de ontem, e com base nos usuais anticárie, antiderrapante, o redator cuidadoso não deveria deixar escapar anti veneno! Se conhece anticárie, então, cara, tasque lá: antiveneno.

Não tem sido constante o hífen em ênclise: Vamo-nos! Faça-me o favor! Deleite-se com esse sabor!

artigos que confundem ‘tão pouco’ (Falou tão pouco na reunião!) com ‘tampouco’ (Não veio, tampouco mandou avisar). Bom redator, em outras linhas, deixou registrado: “Não se cura a violência com medida paliativa, e nem tão pouco existe meio termo para ela”. Excelente pensamento, cujo final deveria ter sido: “(…), tampouco existe meio-termo para ela.”

No mínimo, nem tampouco.

O plural de abreviaturas gera dúvida? ET’s ou ETs? Lembremos a sigla CNPJ (usada em documentos comerciais), cujo plural é CNPJs (acrescido esse minúsculo). A grafia circulante com apóstrofo não faz parte da desinência de plural. ET’s seria ‘do ET’, como se usa em Inglês ‘Fred’s bar’, o bar de Fred (em tradução livre). Assim, DVD’s, CNPJ’s, PM’s, para indicar plural, não existem. Mas CNPJs, ETs, DVDs, PMs. Nem cabe s maiorzinho (o maiúsculo).

No caso de grafia embasada na pronúncia da sigla – peemedebê (PMDB), como etê, devedê, peeme, o plural segue o critério para vocábulo terminado em vogal, a que se acrescenta apenas a desinência -s: etês, devedês, peemes, comuns na linguagem falada. São opcionais: APs e Apês, mas ganha corpo o tradicional ‘os apês’, na linguagem informal.

Quando falamos de Brasil, aparece abundante ‘em todo Brasil’, para se dizer em toda a Nação. Como não há ‘outro Brasil’ em Continente algum, e estamos falando de nós mesmos, devemos usar ‘em todo o Brasil‘, para dizer o Brasil todo, o Brasil inteiro, diferente de ‘em todo país‘, e são muitos, que seria em qualquer país do mundo.

Se a semântica é o País inteiro, para ficar bem claro, deve ser ‘em todo o País‘ (no País todo), o nosso ou outro.

Permanece a dúvida: em toda região (qualquer uma). Se o redator se refere à região de um Município, de um Estado, do País, para a clareza semântica, deve ser em toda a região, a região inteira, toda ela, à qual se refere.

Toda a Bahia tem grandes homens. Em toda a Bahia, encontram-se anciãos com mais de cem anos de idade.

Em toda a região rural de Teixeira de Freitas, há bovinos de raças diversas. Em toda a orla do Prado, as praias são belas.

Curioso observar o uso de mal e justapostos a certos vocábulos: malversação do dinheiro público; má-criação e malcriação. (Todas corretas.)

A regência verbal tem deixado alguns atônitos: a loja que ele trabalha. Trabalha-se em algum local, logo, a loja em que ele trabalha (onde, na qual).

Esse hábito acaba por registrar ‘o prato que ela gosta‘. Quem gosta, gosta de alguém, de alguma coisa. Mesmo que o informal prevaleça, o redator cuidadoso, no texto a ser divulgado, diria ‘O prato de que ela gosta é lasanha.’

Falando-se do crime bárbaro em Suzano, SP, este registro: ‘Ações que acontecem na escola que estuda’. Quem estuda, estuda em um estabelecimento de ensino. ‘(…) na escola em que estuda’ (onde, na qual).

Por que a preposição é esquecida?

Há registro com letra minúscula e maiúscula para o mesmo termo: norte e Norte, oeste e Oeste, sul e Sul. Em se tratando dos pontos cardeais ou da divisão de um estado ou país por regiões, deve ser sempre com letra ‘grande’: Leste, Norte; o Oeste da Bahia, o Norte do Paraná, o Centro-Oeste, o Centro-Sul de Goiás, o Sul do Espírito Santo.

O verbo transitivo direto-indireto tem aparecido com dois objetos diretos no mesmo enunciado: ‘Que ela o entregasse o celular‘, quando seriam o objeto indireto (lhe, a ele) e o direto (o celular): quem entrega, entrega alguma coisa a alguém, não importando a ordem em que os complementos verbais se posicionam na frase. ‘Que ela lhe entregasse o celular; que ela entregasse o celular a ele’.

Somos costumeiros em usar o verbo dar, que exige objetos indireto e direto, não necessariamente nessa ordem. ‘Deu-lhe um presente’. E outros, como ‘Enviou-lhe uma carta’, ‘Fez-lhe um pedido’.

Se houver ‘Enviou-o uma carta’, a redação deixaria a desejar.

O uso da contração dele e de pronome-sujeito precedido de preposição, como de ele,  tem gerado frases emblemáticas de semântica duvidosa. Por essa razão, o redator de texto culto deve distinguir: Esta é a hora dele de Esta é a hora de ele ir.

Está na hora da onça beber água (popular). Está na hora de a onça beber água (embasada nessa ‘regra’).

Os pronomes retos eu, ele, ela, eles, elas, precedidos de preposição, havendo em seguida um verbo, não podem ser usados ‘contraídos’: dele, dela (Na hora dele ir.) O popular usa, mas o culto deve rever sua redação.

Sabemos usar Está na hora de você ir, logo, Está na hora de ela ir, de eu ir. Ruim será a pronúncia ‘d’eu ir‘ (de eu ir), como soa mal Está na hora de mim ir.

E mais: Pelo fato de o Presidente ter-se atrasado, alguns foram embora. Este é o momento de o poeta declamar.

‘Há uma chance deste alimento ter descido para as vias respiratórias’. O nível culto prevê: Há uma chance de este alimento ter descido (…).

A mescla de pessoas verbais no mesmo enunciado descumpre a uniformidade de tratamento. Você, em grande parte do Brasil, é mais usual que tu.

Na linguagem do marketing, construtores de bonitas mensagens têm misturado esse tratamento: Vem ver, e será bem atendido. Vem ver a surpresa que lhe aguarda.

Vem ver, e serás bem atendido (frase impopular). Venha ver, e será bem atendido (exemplo não-usual). Corretas: Vem ver a surpresa que te aguarda. Venha ver a surpresa que o aguarda.

Vem é imperativo afirmativo da pessoa tu; venha, da pessoa você.

Vem pra cá tu também (não pega). Venha pra cá você também (não se vê).

Outras, bem escritas, não vingam: Venha comprar seu carro conosco. Vem comprar teu carro conosco.

A mescla é mais chamativa: Vem nos visitar, que seu carro está aqui.

‘Moirão da maioria fincado na esquina dura um século; estaca frágil do desconhecido, o primeiro vendaval a derruba’.

Abraços.

 

 

 

João Carlos de Oliveira

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