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“Ele atua no ‘seguimento’ de calçados”, uma forma de alguém referir-se a uma atividade comercial. ‘Seguimento’ ou segmento?

A pronúncia dos dois vocábulos pouco ajudaria a dirimir dúvidas. Somente, uma leve diferença, e para quem já teria noção fonológica acentuada ficaria visível: seguimento, o ato de seguir, cognato de uma família etimológica (seguida, seguido, seguidinho, seguidor, seguinte); como sinônimo, séquito, sequência, acompanhamento; comparado o elemento ‘seg‘, que faz parte do radical de segmento, parte, porção, seção de um todo, completa-se a noção de ambos, e daí segmentação, segmentado, segmentador, segmentar, segmentário.

O que distingue, em cheio, um vocábulo do outro, além de sua pronúncia e grafia, é o aspecto semântico, isto é, o significado.

Por essa razão, vamos ao topo da montanha tirar dúvidas. O que é isso, o que é aquilo.

Seguimento, menos usado, derivado sufixal de seguir, traz o conceito de acompanhamento, cortejo: seguimento fúnebre, momento em que o féretro é levado ao cemitério para sepultamento (ou ao crematório, quando o corpo, em geral de um famoso, vai ser cremado).

O seguimento em passeata, em cortejo político ou em reivindicação de direitos etc., ocorrências que costumam acontecer na modernidade.

Um grupo faz adesão a um movimento, e aí se dá o ato de seguir, mesmo que o séquito seja, apenas, filosófico, ideológico. Inda assim, tem surgido dúvida.

E segmento? Trata-se de um setor, de uma área profissional, comercial, industrial, entre outras. Originário do Latim segmentum, indica a parte de um todo, porção; um segmento da população (a parte que atua num setor, com determinada finalidade).

Comum em propagandas, até em ‘bâneres’, já que a dúvida persiste, segmento tem sido trocado por seguimento, o que constitui o erro.

Com base no título, como se deduz, o comércio, quase sempre, ao referir-se à atuação de um empresário, faz essa troca.

As duas definições são claras, mas existe o engano por se tratarem de vocábulos paronímicos. Se a escrita se embasar na pronúncia, o engano flui. O esclarecimento se fundamenta, então, nos aspectos gráfico e semântico (não necessariamente nessa ordem).

Basta até aqui.

Variemos um pouco o debate de hoje.

A linguagem, na sua função conativa ou apelativa, tem aspectos relevantes: uma forma verbal, até o imperativo, fica mais atraente que outra, e daí o caminho é longo. O marketing faz uso dessa nuance. ‘Vem pra cá você também; Faz um 21; Chega mais, meu amigo’.

São muito usuais mensagens desse naipe. Mas precisamos de detalhes.

Observado o padrão gramatical de nossa conversa cotidiana, cujo tratamento básico é você, teríamos: ‘Venha pra cá você também; Faça um 21; Chegue mais, meu amigo’. O ritual propagandístico escolhe o que seria mais audível, não importando algum possível engano ou admitindo que se faz uso de uma licença poética ou de redação.

Virou moda o uso de ‘vem’ no lugar de ‘venha’. Vem ver, vem participar, vem fazer parte desse grupo etc.

Onde e aonde, já comentados aqui, continuam confundindo cucas pouco observadoras.

Onde indica lugar fixo. Onde você mora? O bairro onde moramos é tranquilo.

Aonde, o lugar a que se vai. Aonde você quer ir? Aonde vai agora, meu amigo? Vai ao sítio ou ao centro da cidade?

Surge uma inversão: “A loja aonde eu trabalho”, “O lugar onde vou agora”.

O pior nessa história é o uso de ‘da onde‘, que não existe. Nem seria ‘de onde’, que existe e tem sentido. De onde você vem agora, Pedro? De onde você tirou esse pensamento, mano?

Usam ‘da onde’ como se fosse ‘onde’, o lugar em que se dá um fato.

Uma professora inquire o aprendiz e tasca lá: “Da onde ela fica?” (questionando sobre o habitat da preguiça).

Muito estranho o uso dessa linguagem deste modo: Da onde você mora? Da onde você vem?

Por outro lado, alguns consideram erro o uso ‘de onde’ ou ‘donde’, e não o é. A contração da preposição de e o advérbio onde gera donde, que indica uma origem. Donde tu vieste hoje?

Portanto, aonde e donde têm sentido e seu momento de uso: o primeiro indica o lugar ao qual se vai; o segundo, o de que se origina um fato ou do qual a pessoa vem. Nada mais.

Use com segurança: aonde e donde.

Artigos que registram crimes e julgamentos de criminosos costumam grafar algo inusitado: foi condenado ‘há três anos’ de prisão. O tempo a que se refere a condenação deve ser ‘a três anos’. Se houver tempo passado, ou decorrido, deverá ser ‘há três anos’, ele foi julgado e pegou 20 anos de condenação. Passaram-se três anos de seu julgamento.

Se virou moda o uso de vem, quando não se refere, especificamente, à pessoa tu, seria comum vermos por aí: “Você é nosso convidado. ‘Vem’ fazer parte desse grupo” (sic). Essa a fala de um locutor em carro-volante. (No caso, a forma correta, ‘venha’, foi preterida.)

Consideram, certamente, um erro o uso de ‘venha’; no mínimo, pouco enfático. ‘Vem’ se tornou predominante ou forma padronizada.

Exemplo de um narrador de futebol: “Vai, que é sua, Taffarel!”, enfatizando que ele ‘pegaria’ a bola. O padrão gramatical exige: ‘Vá, que é sua, Taffarel’. Ou: ‘Vai, que é tua, Taffarel’.

Taffarel é como se conhece nosso grande futebolista (goleiro) Cláudio André Mergen Taffarel. Ele tem tríplice nacionalidade: italiana, alemã e brasileira.

Certo é que a linguagem coloquial descarta o rigor da Gramática, mas é preciso esclarecer um caso e outro. Não se trata de uma licença poética, mas de mistura de tratamento ou de um lapso.

Uma reportagem sobre acidente com veículos diz que o ônibus caiu de uma ribanceira. Seria isso?

Se alguém caiu da escada é porque estava nela. Se caiu do telhado é porque estava nele. Se caiu do teto de uma casa é porque estava nele. O ônibus, então, estaria na ribanceira, e veio a despencar?

Ele estava na pista, e o motorista, como diz o texto, perdeu o controle da direção, vindo a cair numa ribanceira (ladeira abaixo, ou em precipício de mais de vinte metros de altura).

Você teria dúvida ao usar ‘É necessário que, faz-se necessário que, é indispensável que’?

Certo texto diz ‘que casos são necessários, procure imediatamente um médico’. Seria ‘que, caso necessário, procure um médico’; ‘se necessário, procure imediatamente um médico’; ‘que, em casos necessários, procure um médico’. E ainda: ‘casos são necessários, por isso, procure, imediatamente, um médico’; ‘que, conforme o caso, é necessário que procure, imediatamente, um médico’.

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João Carlos de Oliveira

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