Essa linguagem, por ser popular e informal, relaxa, descontrai, convida para um bate-papo arretado, sem normas e etiquetas. Muitas vezes, as formalidades atrapalham e limitam a criatividade, a liberdade de expressão. Até a poesia.
Ausente de regras, o falatório é irônico, metafórico e plural. E sai de tudo, de anedotas a estórias, de histórias à História Geral e do Brasil.
O que é bom é que esses falares conscientizam e mostram o nível linguístico-intelectual do falante, como usuário consciente, que domina a norma culta em partes ou ‘pedaços’, como dizem, do Português aprendido em sala de aula.
A troca de ideias em nível simples é chamativa. Em certos momentos, ou quase sempre, alega-se que o Português é difícil, ou dificílimo, ou seria o idioma mais ‘delfícel’ do mundo. Aí o deboche, salvo o contraditório de outrem, deve ser bem posto.
E de onde vem o termo ‘lambança’? Vem, como a fonologia indica, de lamber, com uma ‘língua enorme’. A lambança inventa lorotas, prosas, e algo mais; faz chacotas, e a bagunça toma conta do debate.
Etc. e tal…
Mas aguarde um pouco.
Prefiro essa linguagem àquela formal plena de ‘desvios’ gramaticais, de enganos tolos, próprios de quem quer inventar o que não domina na sua fala e não se dá (muito) bem.
O texto de um jovem, estudante do segundo grau, tem redação ‘pra lá de Bagdá’, atônita, senão ruim; com erros ortográficos graves, os chamados erros crassos, ‘primários’. Adiante, o jovem usa de maneira insegura ‘hodiernamente’.
Ora, quem sabe usar advérbio desse nível, tão pouco conhecido, saberia dominar muito bem a ortografia, mesmo com vocábulos de difícil escrita. Tentou criar uma passagem textual soberba, mas pecou em outros momentos. Fica preferível o ‘feijão-com-arroz’, que ele e todos saberiam.
Asas curtas não permitem voos audaciosos ou interplanetários.
Certamente!
Hodierno, o que é moderno, atual, vem de hodiernus, que, por sua vez, tem relação com ‘hodie‘, Latim, que gerou hoje, por isso, hodiernamente (atualmente, modernamente).
Em outro momento, um trecho de uma obra de cunho espírita registra ‘tomar acento num lugar da casa’, ou algo parecido, mas a grafia errônea está lá (‘acento’), em que os homônimos homófonos ‘acento’ e ‘assento’ são confundidos.
Em outra página, encontram-se palavras de origens diversas, que poderiam ser chamadas cosmopolitas.
Carma, do Sânscrito karman; cabana, do Latim tardio capanna; anjo, do Grego ággedos, pelo Latim angelus; cruz, do Latim crux; exultar (de exultare) e prece, de preces, do Latim.
E ainda: ermitão, pirilampo, manancial, Deus, Joceline, Nicolau.
O que se conclui, como obra traduzida, é que o redator ‘comeu pança’. Se domina bem, no mínimo, dois idiomas, para efetuar a traslação, não deveria ter confundido os homônimos citados. Adiante, usa acertadamente: ” (…) tomar assento nos únicos bancos existentes na casa”.
Redimiu-se, o que é bom.
E uma passagem erudita: ” (…) porque o senhor já m’o explicou um dia” (sic), (grifo nosso). M’o, para o tradutor, seria ‘mo‘, me seguido de o.
Dê-me o lápis, meu filho. ‘Tá’ demorando! Já lhe disse: dê-mo!
Assim, como há lho, no-lo, vo-lo.
“A vida, Deus no-la deu”, diz um excerto bíblico.
“Pai, cadê o dinheiro?”
“Meu filho, eu já lho dei!”
No caso, não se usa apóstrofo: lh’o, m’o. Seria grafia difícil de ser entendida. A escrita é direta: lho, ma, mo (lhe+o, me+a, me+o).
“A caneta, emprestou-ma ele”.
Essa mesma obra prefere contacto a contato, embora ambos existam e circulem; contacto, em nosso cotidiano, cheira a uma linguagem lisboeta, lusitana; contato, ao falar brasileiro, natural e simples.
Compare: vou fazer contato com ele. Fiz um contacto com ele (em que con-tac-to fica bem sonante, beirando a uma fala esnobe). Prefira a mais simples.
” (…) certa de chegar junto d’Aquele que, sendo Pai infinitamente Bom, tem apenas um desejo: de ver, rapidamente, todos os seus filhos abrigados em seu Regaço Divino” (sic).
Pelo contexto, ‘seu’ seria referente a ‘dEle’, do Senhor; por isso, deveria estar com letra maiúscula: todos os Seus filhos abrigados em Seu Regaço Divino.
(Regaço Divino, Proteção Divina…). Supõe-se
Usa ainda linguagem culta, senão erudita: “… fê-la…”
Por que a dúvida entre acento e assento? Os olhos não viram, já que o redator dá mostras de linguagem escorreita em outros momentos. Foi um lapso.
Vamos volver ao comentário de lambança. Diz um dicionário que se trata de termo popular, sem definir o étimo, como se fosse um brasileirismo. Significado: o que se pode comer ou lamber. Popular.
Sinônimos: jactância, fanfarrice, bazófia. Intriga, mexerico. Mentira, lorota, peta. Adulação, bajulação, fingimento. Desordem, barulho, algazarra. Preguiça, inércia, vadiagem.
Outro dicionário, mesmo não sendo etimológico, dá o étimo castelhano (alabanza).
Gostou da ‘lambança’ que fiz com essa palavra? Você já a conhecia? Usa-a de quando em vez? Se a domina e usa, mesmo que alguém intervenha no que diz, não se preocupe com os falares alheios. Mantenha seu nível, pessoal e autêntico; melhor que usar o que não ‘sabe’ nem conhece, tampouco imitar a fala de alguém. Ruim por ruim, se for o caso, mas é o seu, de sua lavra, que representa a sua origem, seus costumes e sua formação. A grandeza da fala ou da escrita de alguém é manter seu estilo, sem imitar quem quer que seja.
Cada conjunto de palavras tem seu aspecto semântico. Peta é mentira janota, aquela metida a ser destaque; jactância, arrogância com ares de intelectual. De uma palavra a outra, há diferença muito grande, como o espaço entre desordem e vadiagem, termos citados na relação.
O outro dicionário afirma que esse vocábulo vem do Castelhano alabanza, ainda com variada polissemia: coisa que se pode comer ou lamber; pândega em que há comes e bebes; agrado, fingimento; mangação; mentira, patranha; intriga; conversa fiada; bazófia, jactância, prosápia; trapaça, confusão, desordem.
Alguns sinônimos coincidem: jactância, desordem. O vocábulo patranha é curioso, com o aspecto de embuste; e prosápia, pouco conhecido, com a ideia de vaidade.
Quando a origem não é espanhola ou castelhana, é latina, e todas são ricas. Por isso, palavras múltiplas.
Nesse caso, nosso vocabulário popular tem razões diversas para usar lambança, rica em conotações, o que gera frases figuradas. Parece, entretanto, que alguns não a usam com receio de transparecer linguagem de origem ‘roçaliana’ (‘da roça’), como querem dizer.
Derivados de lambança: lambanceador, lambancear, lambanceiro. E deveria haver ‘lambanceiragem, lambanceiridade’, entre outros, que um dia serão registrados.
Fica assim.
Para terminar por hoje, tento criar uma frase que sirva de mensagem panfletária ou de plotagem, como quis dizer meu amigo Gustavo, bom indivíduo voltado à cultura, dono da banca de revistas Sete de Setembro, nesta cidade, para fazer contato com sua clientela. Gustavo, agora, tem um sebo, e nele há obras muito boas. Alega que nosso povo lê pouco ou quase nada.
Sua frase: ‘Ler ou não ler, a escolha é sua’.
É preciso revê-la para que não se pareça com ‘Ser ou não ser’ (…), do nosso grandioso Shakespeare.
Tentando desdobrá-la ou ampliá-la, teríamos as opções: 1. Ler é luz; ilumine-se. 2. A leitura não deve ser dúvida, mas escolha. 3. Se ler é escolha, a boa leitura é caminho certo: siga-o.
Caro Gustavo, a partir de agora, escolha a sua, e faça um fôlder grandioso, com colorido atrativo e ‘grude-o’ no seu ateliê cultural, ‘bela flor que que atrai abelhas laboriosas’.
Bom uso, companheiro.