O mundo de sete faces, ou das metamorfoses. Uma variante aqui, um frenesi adiante cria novo olhar nos dizeres multifacetados.
O que é ‘eiva‘? A greta, a fenda, a rachadura em vidro, porcelana ou cerâmica. De onde vem?
Quem ainda usa tertúlia? Sarau, um pouco. O chique é dizer ‘festa literária’, e surgem várias FLIs, cada uma com sua definição, mais difícil de ser entendida que perceber um beija-flor a voar longínquo no Horizonte plúmbeo.
Não me escondo de dizer que não conhecia, até anteontem, ‘fescenina’, poesia obscena, que teve grande aceitação no Império Romano. Hoje, entretanto, ‘fescenino’ aparece, salvo engano, em letras musicais, lidas, cantadas e admiradas pelo Brasil afora. Se esse adjetivo caracteriza o verso de caráter obsceno, licencioso, libelista, devasso, difamador, nesse naipe não seria difícil uma letra musical. A poesia fescenina, adorada pelos romanos, teve vida curta? Hoje, talvez, a referência a esse tipo de texto seja tabu, mas como estamos no mundo moderno, a citação deve ser apenas ‘para chamegar, provocar’. Fica livre ao visitante a visita a algum compêndio ou site que lhe traga as informações necessárias.
Retalhos dessa poesia?
(…) “Há sempre uns que acham bem/ E outros que acham mal/ Homem gostar doutro homem/ Pode ser coisa banal” (…). Fernando Sobral (escritor português).
“Mulher com outra mulher/ As duas na brincadeira/ Outro nome pode ter/ Mais antigo, fressureira” (…). Idem.
“Cada vez que ia ao cinema/ um milagre acontecia/ à Rosa da Conceição – / mal as luzes se apagavam/ um sexto dedo crescia/ na concha da sua mão” (…). Manuel António Pina, escritor português.
Fescenino é o gentílico de Fescênia, cidade da Etrúria, de onde os romanos importaram o nome, para uma poesia burlesca: fescenina.
O mundo da linguagem, e de suas palavras, é vastíssimo; múltiplo, como se multiplicam as borboletas multicores no Verão do Himalaia.
POEMA DE SETE FACES (Carlos Drummond de Andrade)
“Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens/ que correm atrás das mulheres./ A tarde talvez fosse azul,/ não houvesse tantos desejos.
(…)
Mundo mundo vasto mundo/ se eu me chamasse Raimundo/ seria uma rima, não seria uma solução./ Mundo mundo vasto mundo/ mais vasto é meu coração./ Eu não devia te dizer/ mas essa lua/ mas esse conhaque/ botam a gente comovido como o diabo”.
Trata-se de poema autobiográfico, a face de um momento vivido pelo grande poeta itabirano. Ficam dúvidas?
Voltando à poesia fescenina, no excerto acima (trecho de uma obra), ‘fressureira’ não foi tomado no sentido literal. Fressureiro é o indivíduo que vende fressuras (do Francês fressure): conjunto de traqueia, pulmões, coração e fígado de alguns animais de carnagem (porco, bode, carneiro). Alguns chamam a isso ‘miúdos’, com que fazem o sarapatel. A linguagem popular é que diz ‘fissura, variante aceita entre nós, ou fuçura (fussura?), corruptela de fressura. O tempo diz por que motivo isso acontece: o falar regional se diversifica como sabão de coada virou sabão em pó, depois detergente, e mais uma variedade de ‘sabões’. Fissura é do Latim, com a mesma grafia, que vem a ser sulco, fenda, buraco, abertura, rachadura.
A ‘fressureira’ a que o texto se refere tem sentido figurado, cabendo ao visitante entender da forma que lhe parecer apropriada. Teria sentido pejorativo?
Lembre-se de que, no lugar de ‘difama’, alguns usam ‘defama’.
“Esse homem defama minha mãe. Ele gosta de defamar nossa família. Defama qualquer pessoa de quem não gosta.”
E estas que se assemelham? Homófonas, mas não homógrafas.
O seio da jovem é o mais bonito do mundo.
Eu ceio todos os dias às 18 horas.
O quiz não é quis. O paço municipal não deu um passo: continua no mesmo lugar histórico.
Eu passeio. O veraneio. O esteio para segurar a casa.
Passear, e não ‘passeiar’. Veranear, e não ‘veraneiar’, portanto, se alguém usa ‘estreiar’ idade nova, precisa rever sua fala e escrita, além do cuidado com a ortoépia, que lhe deve servir de alicerce.
Alardeio, de alardear. Eu me aperreio com sua conversa chata, como diz um sertanejo bravo. Aperrear, aborrecer. Arreio o cavalo baio para um campeio ao ar livre.
Todos os verbos, no infinitivo, têm a mesma terminação: –ear, lembrando que não existe –eiar.
Uma listinha não faz mal: balancear, baratear, bruxulear, campear, cartear, cecear, cercear, chilrear, chulear, desenfrear, enlamear, frasear, galantear, gazear, gear, manusear, nortear, ondear, permear, pisotear, pontear (como o fez Edu Lobo ao cantar Ponteio), sortear, tornear, veranear
Não use Isso vareia! Eu vario. O mundo varia.
Para fechar nosso debate, um pouco do que o gira-mundo entoa nos cantões sertanejos, vilarejos, solfejos, e outras que rimam nas poesias lindas e nas fesceninas modernas, gritantes em músicas de protesto. Podemos não saber o porquê, mas são aplaudidas! A vaidade, o exibicionismo ou a apologia a algo intimista?
Nenhum de vocês quer ir ao passeio? Ele não fez sequer nem um dos deveres a serem cumpridos.
Nenhuma pessoa é perfeita. ‘Nem uma pessoa’ deixa um escape semântico, que deve ser evitado.
Ora usam ‘o omelete’, embora na maioria das vezes se encontre ‘a omelete’, como deve ser: vocábulo feminino. Omelete vem de ‘omelette’, da culinária francesa, que se espalhou pelo mundo. Napoleão Bonaparte ou um dos Luíses XIV e XV já curtia essa ‘panqueca ovígera’? Uma fritada de ovos batidos, a que se podem misturar ervas, queijos etc., com tantas opções que um só livro não dá conta de mostrar, é salutar. O mundo moderno cuida de alternar as variantes degustáveis, cujo ovo de codorna perde fácil para uma invenção.
O ‘parça’, sim, vem de parceiro. E quem usa ‘meu parsa’ se confunde, ou pode insinuar um persa, nativo ou natural da Pérsia, também chamado pérsio, pérsico, persiano, adjetivos gentílicos aceitos e corretos, bonitos de se escreverem. Por isso, tapete persa. Cortina persiana, mas ‘iraniano’, já que a Pérsia, hoje, é o Irã moderno, com sua história longeva, que tem relatos os mais variados. Cavalo persa, raça cavalar para sela e montaria. Gato persa, resultante do cruzamento do gato da Índia com o gato afegão, de cor cinza, preta ou branca, como nos ensinam os compêndios.
O natural da Pérsia, nome histórico, é o iraniano. Persa, a que a Literatura e a Gramática Histórica se referem, é a Língua indo-europeia falada no Irã, no Afeganistão e no Paquistão. Idioma iraniano, que merece toda a nossa atenção indo-moderna ou perso-iraniana. Se assim não for proibido falar.
Esta é a hora dela. Está na hora de ela ir ao batente.
Se voltar a nos visitar, vai ser gratificado com outro texto.
Estou sempre aprendendo com meu caro mestre João. Abraços de seu amigo Rafael Joseph.