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Docíssimo, docílimo, dulcíssimo. Que adjetivos são esses? Em que grau estão?

As expressões se aglutinam entre o popular e o culto, e entre o culto e o erudito.

Esses os níveis próprios da linguagem, senão os comuns no dia a dia, na fala e na escrita de todos os padrões. Pode-se admitir que os níveis de linguagem são permeados de aspectos diversos.

Esses linguajares fazem parte do cotidiano; do que houve, no passado; do que há, no presente, e do que haverá, no futuro.

Certamente assim: os falares dizem respeito ao hodierno, ao pretérito e ao porvir.

A linguagem é plena de todos essas nuances, que podem designar o poeta e sua poesia; o filósofo e sua filosofia; o escritor culto e o popular; o jornalista tradicional ou o foca; o jovem professor e o catedrático de universidades famosas, e lá se vão todos os padrões do que se fala e se escreve desde o tempo dos Pergaminhos, passando pelo Medievo e chegando ao Contemporâneo, tempos que podem ir embora, mas ficam os dizeres, mola-mestra de registros históricos, e, sem a Historiografia, que é o Saber em si, a Vida não poderia ser dissecada e traduzida para o melhor.

O Passado nos ensina por ter deixado seu marco na areia movediça ou no chão duro, assim como Napoleão Bonaparte sofreu preso na Ilha de Santa Helena, até morrer. Dizem que lhe deram até ‘comida de costelas de carneiro recheada de areia’, justamente para lhe causar problema intestinal. Isso lhe antecipou a morte?

Particularmente, a expressão ‘Quem vive de museu é o passado’ é tola, parecendo o chacoteador que faz chacota de si mesmo. Todo ancestral gerou o presente, e todo núcleo humano ou animal, até o rupestre, tem ‘fases históricas’, faces de tudo que está em nosso entorno: o que foi, o que é, o que vai ser.

Simples assim.

Docíssimo, grau superlativo absoluto sintético de doce (o que tem sabor de mel ou açúcar, inclusive o figurado, o meigo ou dócil), é popular, assim como deve ser nossa fala ou dizer, embora correta.

Se houver algum tropeção, consertemos a roupa, limpemos a sujeira, e sigamos em frente. Parar, nunca!

O Latim, com sua testa franzida, exigindo rigor, pede ‘dulcíssimo’, muito doce, vindo de dulcis, de sabor melífluo, adocicado como o produto da abelha, mas não ficou na memória do povo, e chega a atrapalhar.

Dulcis‘, bonito em si, de forma natural, também, virou nome feminino: Dulce, Maria Dulce, Dulcina, Dulcineia ou Dulcinea, Dúlcia, Dulcelene, Dulcilene, Dulcinda, Dulcelina. Dulcíssima Maria Santíssima Mãe de Jesus, ou Maria Dulcíssima, Maria do Dulcíssimo Coração de Jesus.

Doce gera doçura.

Eis que ‘dulce’ nesse momento tem algo a ver conosco. Fora isso, fica apenas na origem do idioma pátrio.

Feio o uso que ostenta ‘docérrima’; no lugar de bonitíssima, bonitérrima, e ainda bacanérrimo; ‘érrimos’ que não existem circulam em conversas cultas, até programas, a ostentar o que não serve. Os ouvidos sensíveis já captaram até ‘honestérrimo’, no lugar de ‘honestíssimo’, viés de ‘incultura’? ‘Chiquérrimo’, fora do alcance gramatical, tem vez. Muito chique e chiquíssimo foram pisoteados.

Libérrimos estão para dizer o que querem, mas não para ‘moldar’ o que a Historiografia Linguística deixou nos arquivos de sete chaves, mesmo que regras sejam canhestras.

Ferem os tímpanos ‘gostosésimos’, ‘lindérrimos’, e outros que nasceram da particularíssima linguagem indescritível e inexplicável.

Para indicar o olhar do cão, do gato, de animais que nos cercam, esses sim são ‘docílimos’, de docilis (obediente, que aprende com facilidade). Dóceis por natureza, por que a Natureza lhes deu a faceta da mansidão, a vivência com os humanos, senão estariam fadados à fome letal.

Dócil gera docilidade.

A Gramática Normativa registra o Superlativo Absoluto Analítico, o grau máximo do adjetivo flexionado com o auxílio de muito, intensamente, excessivamente: muito honesto, imensamente covarde, excessivamente amável, e o Superlativo Absoluto Sintético, o grau máximo do adjetivo flexionado com o auxílio de um sufixo: chatíssimo, cautelosíssimo, antiquíssimo, facílimo, agradabilíssimo, libérrimo, e outros.

Em uns adjetivos, vel se torna bil; az, aci, antes de receberem íssimo: louvável, louvabilíssimo; loquaz, loquacíssimo, assim como livre se torna libérrimo.

Exemplos terminados em érrimo são poucos: aspérrimo, de áspero; acérrimo, de acre (azedo); celebérrimo, de célebre; macérrimo, de magro, mas no popular, magríssimo; nigérrimo, de negro, mas no popular, negríssimo; paupérrimo, de pobre, mas no popular, pobríssimo, e daí dulcíssimo, de doce, mas no popular, docíssimo, que nem toda Gramática registra.

Salubre, o que é sadio ou saudável, faz salubérrimo, pouco visto no dia a dia, uso que não está enraizado. Apenas, muito saudável.

Providencial lembrar que audaz vira audacíssimo; falaz, falacíssimo; capaz, capacíssimo.

Há certa dificuldade no uso do grau superlativo absoluto sintético de muitos adjetivos, como se sabe: seriíssimo, de sério, fica distante da nossa linguagem cotidiana, e se torna seríssimo, forma popular, razão por que inimicíssimo, sapientíssimo, simplicíssimo, respectivamente, de inimigo, sábio e simples, têm uso restrito.

Ainda: voracíssimo, personalíssimo, juveníssimo (de voraz, pessoal e jovem).

Entender a invenção ‘honradérrimo’, no lugar de honradíssimo, melhor nada dizer, ou simplesmente tascar lá: cara honrado, muito honrado, notadamente honrado.

Pulando de ‘pau’ para ‘cavaco’, registremos isto: coveiro, aquele que faz sepultamento, depois de abrir a cova, não seria palavra diretamente condizente com a função, além de ter semântica subentendida.

O ‘bom’ nome seria ‘sepultador’, o que sepulta, diretamente ligado à grafia e semântica da palavra sepultar, e sua família: sepultura, sepultado, sepultamento; sepulcro, sepulcral.

Se ‘coveiro’ ficou pela tradição, por usar pá e fazer cova de sete palmos, forma consuetudinária de se dizer o funcionário de cemitério, assim, pescador seria redeiro, por usar rede; alfaiate seria agulheiro, por usar agulha; e costureira, agulheira.

Costureiro, o modista por alguns, nome chique, poderia ser costurador, como o que trabalha é trabalhador; o que conserta, consertador; o que fala, falador.

Estranho se dizer que se ‘pesca’ baleia. Baleia é mamífero, não é peixe. Faz sentido ‘navio baleeiro’, que captura baleia, caça-a, mas ‘pescar baleia’ altera a semântica e gera conflito gramatical, imbróglio que empobrece o idioma.

Na linha do uso natural de coveiro, vaqueiro seria laçador, por fazer uso de laço; tirador de leite seria peiteiro, já que o leiteiro vende leite; trabalhador braçal, por mera relação com o objeto, seria enxadeiro.

Professor seria aulista, e médico, medicador, o que medica.

E o que muito incomoda é a introdução de um repórter ao entrar em cena. E lá vem ele: “Olha só” (sic), milhares de vezes em que esse dizer vai ao ar.

Diria outra ‘cousa’: “Bom-dia, o Sol está lindo”. “Boa-tarde, nesta Cidade, o povo é hospitaleiro (sem estar no hospital)”. “Boa-noite, as luzes da avenida em que estou são de mercúrio”, antes de dar o recado necessário.

‘Olha só’ virou chavão, parecendo que todos se devem apresentar com esse ‘eslôgan’, tão chato quanto falar com pirulito na boca.

‘Adepois’, meu amigo, voltarei com novo artigo.

 

 

João Carlos de Oliveira

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