0

O que é estêncil? A palavra ainda circula? O aparelho onde se reproduzia a matriz continua a ser usado?

Esse termo deve estar no dicionário, e há muito tempo, como se sabe, deixou de ser usado.

Se um objeto deixa de existir, seu nome cai em desuso. Assim, se o instrumento escolar que reproduziria folhas para serem usadas na escola, seu maior uso, não tem mais vida, o objeto passa a ser obsoleto, e o vocábulo ‘em arquivo’ se torna anacrônico, arcaico, desusado, ou do que se queira chamá-lo.

Mas que saiu de circulação, saiu.

Nesse aspecto, pode haver palavra nova, que surge no dia a dia, e palavra velha, que morre, torna-se desusada, caindo no poço do esquecimento, guardada numa cumbuca empoeirada, para ser ‘redescoberta’ daqui a anos.

À nova é dado o nome de neologismo, e à velha, de anacronismo, ou melhor, arcaísmo.

Arcaizar (tornar-se arcaico) é verbo curioso, forte, de pronúncia delicada, mas não tem sido usado. O estêncil arcaizou? O mimeógrafo também arcaizou? O arcaizamento, e por que não arcaização?, é um processo natural de tudo que nos cerca.

A ‘modernidade’ a qualquer preço, mesmo que se questione essa visão, é que é um processo arcaizante: seria modismo dizer que isso ou aquilo é arcaico, cafona, démodé etc., mas e o novo? Serve? Qual é? Por que não se usa mais uma calça de linho, brilhante, bonita, engomada, e se usa uma de poliéster, que polui? As nanofibras de certos produtos estão matando até animais marinhos.

O processo natural de tudo que nos cerca: o que nasce ou surge; o que morre ou desaparece.

Estêncil é palavra chique, vinda do Inglês stencil, muito usada nos anos 70 nas escolas. Seria uma modernidade quando uma escola adquiria dois ou três mimeógrafos para o professorado preparar suas provas.

“Colega, você tem um estêncil para me emprestar?”, diria um professor no momento de necessidade. E seria bonito falar ‘estênceis’, plural correto, ‘inovador’, indicativo de cultura elevada. Faltou, naquela época, para abordar um pouco mais a brandura da palavra, a criação do verbo ‘estencilizar’, que seria reproduzir um texto ou imagem através de um estêncil, assim como se usam hoje verbos mandatários, indicativos de verdadeiro poderio, (poderosidade?): viralizar, customizar, verbalizar, socializar, tuitar, tuitizar (?), e mais os que estão em voga, na ‘boca da mídia’, como, em tempos idos, o menino simpático do lugarejo gostava de pedir uma bala ao dono do boteco: “Seu Osório, ‘o sinhô pode mim dá’ um caramelo?” (sic). A bala de chupar, ou caramelo, guloseima enrolada em papel, com diversos sabores, a que chamam modernamente de ‘bala-doce’.

Não se confunda estêncil com extenso, assim como, ainda hoje, há quem confunda estéreo com estéril, ou etéreo, e histérico. Cada termo tem seu valor semântico, grafia e pronúncia. O som estéreo, de qualidade sonora bem audível; o material estéril, que esteriliza, e o etéreo, de caráter do éter, ou do vento brando e delicado da Primavera, estação que nos alegra com flores. Uma pessoa com atitudes histéricas, às vezes, seria dada como doente.

Comprava-se um estêncil (havia um da marca Hélio, muito bom) e nele o mestre escrevia com sua letrinha desenhada, ou datilografava. Isso depois de ser retirada uma folha fina interna que protegia a ‘cera’ da folha principal, com papel resistente, que ia para o mimeógrafo, que continha uma fenda na qual essa folha ficava presa, e daí, manualmente, era rodado, cuspindo a folha impressa do outro lado, já que várias folhas de papel-ofício, como se chama hoje algo similar, o A4, ficavam embaixo armazenadas, e eram colocadas pelas mãos ágeis do operador, no vaivém da manivela. Não seria comum o uso de mimeógrafo elétrico.

Nos padrões modernos, esse sistema daria muito trabalho, coisa cafona, tola, razão por que se tornou démodé, e caiu no arquivo morto.

Que escola hoje usa mimeógrafo? Há um esquecido num cantinho em uma escola? Seria usado? Serve para quê? Devem tê-lo jogado fora, e o que ‘sobrou’ em escolas, privadas ou públicas, estaria no museu.

O processo atual, realizado em computador (digitar uma prova, imprimir numa impressora possante e ligeirinha), também, dá trabalho e fica muito caro, talvez, a um custo muito além daquele antigo.

Vendo o que está escrito num dicionário, estêncil é definido como ‘papel parafinado no qual se prepara, mediante escrita com estilete próprio, ou batida de uma máquina de escrever, a matriz do que se deseje reproduzir num aparelho multiplicador ou mimeógrafo‘.

Além de texto a ser reproduzido, uma prova etc., poderiam ser desenhos, figuras, imagens.

E o que é mimeógrafo?

Aparelho de impressão, elétrico ou manual, com que se reproduzem cópias de páginas escritas, datilografadas ou de desenhos sobre matriz de papel ou metálica, chamada estêncil, como consta de um léxico.

Na época em que surgiu um mimeógrafo numa escola estadual em MG, na qual eu era professor, esse ‘bichinho’ virou coqueluche, e quem não se utilizava dele seria um mestre ‘arcaico’. Havia, por outro lado, a pronúncia distinta ‘mimiógrafo’, bem típica do regionalismo, que um analista linguístico poderia classificar de ‘vício de linguagem, sotaque ou silabada’, a depender de cada intérprete, assim como alguns chamam a bergamota de ‘mixirica’ (a mexerica), e outro, pelo costume, só diz ‘restorante’, mas escreve o certo (restaurante). O Regionalismo defende seus usuários, e diz estar tudo de acordo com a cultura local: Roraima (de som fechado) sai ‘roráima’; protéico, de som aberto, sai ‘protêico’; como há ‘arrecardar’, ‘Nóbel’, ‘récorde’ etc. Esse campo é minado, cuja relação é extensa.

Cada um convive com seus hábitos, que, enraizados, não mudam de padrão. Deixemo-los como estão e como circulam. Um jovem moderno diz que “O dinheirinho da avó, ‘malmente’, dá para comprar os remédios de que ela precisa” (sic).

‘Malmente’, isto é, ‘muito mal’, muito pouco, um quase nada. Nadica de nada.

Isso basta.

Homenageemos, hoje, o nosso amigo Carlinhos do Alerta, ‘o menino de Medeiros Neto’, como pude chamá-lo numa sessão da ATL, que lembrou os 30 anos desse jornal regional, que nasceu do denodo de um grupo, e Antônio Carlos Santos Nunes estava lá, muito jovem, dinâmico, esperançoso, de ‘olhos esbugalhados’, na expectativa de poder dizer e revelar todo o seu pensamento crítico, original, sem palavras de calão, mas sempre contundente, protestando contra o que a sociedade não pode aceitar.

Seu caráter e personalidade se resumem nisto: se num momento todos cumprimentam o vencedor, ele, calado e simples, vai até o perdedor e lhe apresenta alegres ovações, por ter lutado, merecendo, também, os louros da vitória. Isso é admirável.

Por isso, não rendamos homenagens a quem gosta de se exibir.

Eis o perfil de O jornal Alerta, que hoje mora em Teixeira de Freitas, e tem seus valores, consumou sua existência, firmou sua presença, marcou época e continua. A luta é árdua, e mesmo com dificuldades está vivendo. Quem não passa por isso?

Carlinhos é modesto e honrado, não trilha caminhos duvidosos e mantém seu equilíbrio moral, mesmo que seja circundado por cordas de vários nós. Vale o seu norte, cuja vereda nasceu em Medeiros Neto, sua terra de origem. O genitor, funcionário da Brasil-Holanda (a Bralanda), com sede em Nanuque, MG, indústria de madeira, deu-lhe um copo d’água com este elixir: “Vá, meu filho, ser alguém na vida”.

Parabéns, cara! Vá em frente e plante seus mil pés, como centopeia, que anda devagar, mas chega.

 

 

 

João Carlos de Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *